Ainda não se tinha passado uma hora desde o fim da audição de Maria Luís Albuquerque no Parlamento Europeu e já o PPE saudava a sua indigitação como comissária europeia dos serviços financeiros, da união das poupanças e investimentos. Maria Luís tinha conseguido uma maioria de dois terços para ser eleita e, para isso, contribuíram os votos dos eurodeputados do PS.
Para trás das costas ficaram as críticas feitas por Marta Temido que, quando foi conhecida a indicação de Maria Luís por Luís Montenegro, suscitou dúvidas sobre o passado da ministra das Finanças de Passos Coelho, que desta vez apenas os deputados do PCP e do BE trouxeram para a audição. “É evidente que o nome da Dra. Maria Luís Albuquerque recorda a todos os portugueses políticas de austeridade que são para todos de má memória. Que são políticas muito distintas daquelas que a União Europeia seguiu nos últimos cinco anos, com bons resultados. Também nos recorda algumas polémicas, desde o caso dos ‘swap’ a questões relacionadas com bancos e de objetivos inalcançados ao nível de políticas, por exemplo, de redução da dívida”, dizia na altura Marta Temido.
“Temos de construir a Europa na base dos consensos”, diz Assis
Agora, no rescaldo da audição no Parlamento Europeu, Francisco Assis dizia aos jornalistas que “quando entramos na desqualificação moral dos nossos adversários prestamos um péssimo serviço à democracia”.
“Temos de construir a Europa na base dos consensos. A democracia faz-se de divergências e de confrontos”, defendia o eurodeputado, vincando que não estava em causa uma avaliação ao passado de Albuquerque.
Quanto ao futuro, Assis gostou de ouvir da boca de Maria Luís Albuquerque aquilo que considera ter sido “um grande compromisso no que diz respeito ao reforço do mecanismo de supervisão dos mercados”, ainda que essa declaração tenha suscitado algumas dúvidas por ter sido acompanhada por uma resposta sobre a necessidade de aliviar a burocracia na regulação.
De qualquer forma, os socialistas europeus querem voltar a ouvir Maria Luís e é por proposta deste grupo político que a agora comissária “voltará a comissão para falar mais detalhadamente do seu programa”.
Maria Luís Albuquerque deixou várias perguntas sem resposta foi muito genérica em algumas das respostas que deu, mas Francisco Assis não valoriza isso, sublinhando ser normal os comissários voltarem a ser ouvidos depois de já segura a sua indigitação.
Catarina Martins “preocupada” com alinhamento de PS com PPE
Este alinhamento entre os socialistas portugueses, que fazem parte do Grupo dos Sociais-Democratas da Europa, e o PPE, que aqui também se alinhou com os Patriotas pela Europa (onde está o Chega) foi alvo de críticas pela eurodeputada Catarina Martins, do Bloco de Esquerda.
“Estou muito preocupada com o consenso que se gerou aqui. É mais uma prova do absoluto apagamento dos sociais-democratas e dos verdes”, atacou, notando que este alinhamento constitui “uma rampa deslizante para a extrema-direita” na Europa.
Também contra este alinhamento esteve João Oliveira, eleito pela CDU. O eurodeputado comunista está preocupado com o que Maria Luís Albuquerque quer fazer e vai ao seu passado para mostrar o que pode ser o seu futuro como comissária.
João Oliveira vai ao passado para falar do que o preocupa no futuro
“Demos exemplos concretos que ilustram bem o que queremos dizer”, notou João Oliveira aos jornalistas, explicando que o caso do BES “mostrou as consequências de concentração do sistema bancário e financeiro” que agora Maria Luís quer reforçar com a defesa de um mercado financeiro maior e um sistema bancário mais concentrado.
Para João Oliveira, o caso dos swaps – contratos altamente especulativos celebrados pela Refer quando Maria Luís era diretora financeira – mostra a “roleta da especulação” a que a nova comissária se propõe submeter as poupanças dos pensionistas nos fundos de pensões, aumentando a sua exposição ao mercado de capitais. Uma decisão que Oliveira considera perigosa, “tendo em conta os exemplos que vêm dos EUA” e do que acontece quando as apostas especulativas se revelam erradas pondo em causa as pensões.
“Temos uma lobista na Comissão”
“Perguntem aos lesados da banca se acham bem confiar as poupanças de toda a Europa aos mercados”, questiona Catarina Martins, que ataca fortemente a forma como Maria Luís Albuquerque vem diretamente da Morgan Stanley para uma pasta na Comissão Europeia que tutela os mercados financeiros. “Temos uma lobista na Comissão”, conclui.
“Alguém que vem de um dos maiores grupos financeiros do mundo, depois vai escrever as regras para esses grupos”, aponta a eurodeputada bloquista, que considera que Maria Luís tem conflitos de interesses “com todo o portefólio que tem” e não apenas em algumas matérias e que a avaliação que lhe foi feita para o cargo tem falhas graves.
“As regras devem ser mais apertadas. É preciso avaliar a idoneidade dos candidatos a comissários”, defende Catarina Martins, que está preocupada também a intenção de reforçar a concentração na banca, “é o regresso do too big por fail”, e com “o regresso da titularização” que diz ter estado na origem da grande crise financeira de 2011, que teve consequências trágicas para Portugal.
Cotrim quer mudar forma de nomeação da Comissão
João Cotrim Figueiredo, eleito pela IL, acha que a Europa precisa de reformular a forma como nomeia os comissários europeus. “Esta forma de escolher a comissão não é a ideal”, defendeu aos jornalistas, notando que não faz sentido cada país indicar os seus candidatos a comissários sem fazer ideia da pasta a que se destinam e, por isso, sem adequar os perfis às pastas que lhes irão calhar.
Cotrim também tem críticas à forma como são feitas as audições. “Este sistema de audições não favorece o esclarecimento”, diz, apesar de ter elogios a fazer à forma “segura e calma” como Maria Luís respondeu durante três horas aos eurodeputados.
Cotrim Figueiredo acha até que a audição de Maria Luís Albuquerque “está acima da média”, o que “por um lado é bom, por outro não diz bem da bitola” de uma série de audições em que os candidatos, ao contrário da portuguesa, nem sempre têm domínio prévio das matérias que vão tutelar.
As maiores críticas do liberal foram mesmo para a bloquista Catarina Martins, que João Cotrim Figueiredo considerou “deselegante” pela forma como confrontou Maria Luís com o seu passado.
“Estou chocado com a pergunta feita por Catarina Martins”, disse aos jornalistas, explicando esse choque com a “utilização da demagogia e da mentira” nas referências aos casos dos swaps e do BES, nos quais Cotrim considera que não podem ser imputadas culpas a Maria Luís.
“A direita aqui na Europa está pouco habituada a ter oposição, mas estou cá eu”, ripostou a bloquista, na reação ao ataque feito pelo eurodeputado da IL.