O Conselho de Ministros aprovou uma lei para perdoar penas de prisão a jovens entre os 16 e os 30 anos, por ocasião da vinda do Papa Francisco a Portugal, durante a Jornada Mundial da Juventude. A amnistia está prevista na lei, já foi usada várias vezes, mas a segregação etária está a causar algum desconforto. À VISÃO, o secretário-geral da Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso (APAR), a favor desta figura jurídica, critica a decisão do Executivo por “não respeitar os limites constitucionais da igualdade”.
“Porquê só os jovens? E os idosos que estão nas prisões e aqueles que têm doenças terminais não merecem?”, questiona Vítor Ilharco, responsável pela APAR. “Congratulamo-nos com esta amnistia, porque é uma coisa pela qual andamos a lutar há 15 anos, por causa da falta das condições das prisões portuguesas”, continua o dirigente. Todavia, a organização “não pode deixar de manifestar o seu desagrado” sendo a amnistia “restritiva”.
“A proposta aprovada contém normas que estabelecem distinções que não respeitam os limites constitucionais da igualdade de todos perante a lei e, por isso mesmo, não podem ser aplicadas pelos tribunais”, sublinha Vítor Ilharco.
O terreno é pantanoso e a isso se deve a ausência de resposta dos vários constitucionalistas contactados pela VISÃO, ainda inseguros sobre a constitucionalidade do diploma aprovado nesta segunda-feira, 19. Todavia, em 2020 (a última vez que a Assembleia da República aprovou uma amnistia), o coordenador do curso de Direito da Universidade de Coimbra, Jorge Alves Correia, já defendia, num artigo de opinião no jornal Público, que “o tratamento desigual dos cidadãos tem de se fundar em razões suficientemente justificativas”.
Segundo Jorge Alves Correia, “a jurisprudência do TC [Tribunal Constitucional] sobre as leis de amnistia e de perdão genérico, que vai no sentido de que o princípio da igualdade em tais leis “só recusa o arbítrio, as soluções materialmente infundadas ou irrazoáveis, devendo entender‑se que tratamentos legais diferentes só traduzem uma diferenciação arbitrária quando não é possível encontrar um motivo razoável, decorrente da natureza das coisas, ou que, de alguma forma, seja concretamente compreensível para essa diferenciação” (ACs 42/95, 152/95 e 444/97), podemos, no entanto, questionar se o legislador, ao prever que apenas alguns dos condenados que não cometeram crimes considerados “imperdoáveis” beneficiem do perdão […] não está a atuar arbitrariamente, violando o princípio constitucional da igualdade. As leis da amnistia dos anos 90 não padeciam deste vício específico no “desconto”, tratando de modo igual todos os reclusos.”.
A última vez que o Governo aprovou uma redução nas penas de prisão foi durante a pandemia de Covid-19, como forma de diminuir a população prisional.
Mas o timing desta amnistia não constitui uma surpresa, dado que em três visitas de chefes da Igreja Católica a Portugal, a Assembleia da República aprovou esta figura jurídica que prossupõe o esquecimento de um ato criminoso. Foi assim em 1967, quando Paulo VI visitou o país; e em 1982 e em 1991 com João Paulo II. Não acontece sempre (não houve em 2000, com João Paulo II, nem em 2010 com Bento XVI), mas a ligação está estabelecida.
Quem pode ser perdoado desta vez?
A proposta de lei a submeter à Assembleia da República admite o perdão de um ano para todas as penas até oito anos atribuídas as jovens entre os 16 e os 30, até ao dia 19 de junho deste ano. E um regime de amnistia para as contraordenações cujo limite máximo de coima aplicável não exceda 1000 euros e as infrações penais cuja pena não seja superior a um ano de prisão ou a 120 dias de pena de multa.
De fora fica quem tiver praticado crimes de homicídio, infanticídio, violência doméstica, maus-tratos, ofensa à integridade física grave, mutilação genital feminina, ofensa à integridade física qualificada, casamento forçado, sequestro, contra a liberdade e autodeterminação sexual, extorsão, discriminação e incitamento ao ódio e à violência, tráfico de influência, branqueamento ou corrupção.