A primeira prova de Manuel Pizarro – o novo ministro da Saúde – foi superada com sucesso relativo. Nos minutos que se seguiram ao anúncio do substituto de Marta Temido (demissionária desde a semana passada), o referendo ao seu nome no setor não revelou anticorpos. Os profissionais de saúde reconhecem-lhe qualidades técnicas e de diálogo e veem com agrado a sua proximidade do primeiro-ministro e do ministro das Finanças. Perfil mais político pode ser vantajoso para conseguir aumentar investimento num setor em crise e lidar com a pressão mediática a que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) está sujeito. Foram os partidos políticos que trouxeram o “senão”, antevendo que “um boy do PS” “não garante qualquer mudança”.
“O Dr. Manuel Pizarro é uma pessoa que conhecemos bem, um político experiente que demonstra uma capacidade de diálogo, de negociação e tem provas dadas na altura em que a Dra. Ana Jorge foi ministra. [Pizarro] esteve [nas reuniões sobre] os acordos coletivos de trabalho. Conhece os problemas”, diz Jorge Roque da Cunha, presidente do Sindicato Independente dos Médicos (SIM), à VISÃO, assim que o nome do novo ministro foi confirmado.
Costa escolheu um ministro da Saúde mais político, mas com experiência médica
Recorde-se que Marta Temido, com um perfil mais ligado à gestão, nunca conseguiu tamanha simpatia da parte dos representantes dos médicos. Endeusada por ter sobrevivido à pandemia de Covid-19, no entanto, a agora ex-ministra nunca deixou de receber críticas dos profissionais que manifestaram desde cedo dificuldades de comunicação com Temido. Veem agora em Pizarro, 58 anos, uma esperança pelo seu perfil duplo: de médico especialista em medicina interna (que trabalhou no Centro Hospitalar e Universitário de São João e foi diretor clínico do Hospital Ordem da Trindade) e de político que conhece bem o meio.
“É uma escolha sensata”, nota o bastonário dos médicos, Miguel Guimarães. O eurodeputado “conhece bem o sistema de saúde português e o da União Europeia, ou seja, tem uma visão global. É um bom gestor humano e é alguém com peso político e tecnicamente competente”. Ideal, portanto, do ponto de vista do bastonário, para enfrentar os problemas de um setor “subfinanciado” e que abre telejornais quase todos os dias com urgências encerradas, listas de espera por resolver e recursos humanos desmotivados em fuga para o privado.
O coro de críticas fez-se ouvir na área política. Os partidos queriam alguém mais entrosado com a realidade no terreno, queixando-se de que Pizarro está na vida política há muito. Para a líder do BE, Catarina Martins, esta escolha “não garante qualquer mudança”. A Iniciativa Liberal reforça: “Significa que António Costa está contente com o estado da Saúde em Portugal e que não tem qualquer intenção de mudar as políticas que levaram o SNS ao colapso e que para o Governo cabe sempre mais um fiel do aparelho do PS e um ex-governante de José Sócrates”, disse Joana Cordeiro, a coordenadora da IL na comissão de Saúde do Parlamento. E o Chega acrescenta que o novo ministro “tem sido mais um boy do PS do que um especialista na área da saúde”.
Nascido no Porto e sempre ligado à sua cidade (foi o candidato socialista à autarquia da Invicta por duas vezes – 2013 e 2017 – e lidera a Federação Distrital do PS Porto), Manuel Francisco Pizarro de Sampaio e Castro ocupava agora o lugar de presidente da delegação do PS no Parlamento Europeu (desde 2019); mas tem ainda experiência como deputado no Parlamento nacional e no ministério da Saúde. Foi secretário de Estado por duas vezes (em 2008 e em 2011) e, em 2016, esteve envolvido na polémica transferência da sede do Infarmed para o Porto, defendida pelo então ministro Adalberto Campos Fernandes. Atualmente, desempenhava também o cargo de alto-comissário da Convenção Nacional de Saúde.
Em 2015, já lhe tinha sido proposto o lugar de ministro, mas na altura recusou. É considerado um homem da confiança de António Costa, tendo integrado o primeiro Secretariado Nacional do líder socialista. E tem-se cruzado nos órgãos do partido com Fernando Medina, ministro das Finanças – o que é visto, para já, pelo setor como um sinal de esperança para conseguir mais investimento para a Saúde.
Roque da Cunha pede de imediato “influência junto de Medina e do primeiro-ministro no sentido de deslocar os cinco mil milhões de euros cobrados em impostos aos portugueses por causa da inflação para reverter a tendência de desinvestimento dos últimos anos”. Segundo apurou a VISÃO, junto de fontes próximas de Marta Temido, uma das razões que terá feito a governante atirar a toalha ao chão por fim foi o conhecimento do esboço orçamental do próximo ano para o ministério, aquém do necessário para resolver os problemas do setor.
Sobre o papel do ministério que passará agora a tutelar, Manuel Pizarro diagnosticou recentemente, num debate no Porto Canal, que existe “um centralismo exacerbadíssimo” e uma “ilusão burocrática”, propondo como prioridade “descentralizar a gestão do SNS, dar autonomia aos hospitais e às Administrações Regionais de Saúde”.
Manuel Pizarro toma posse este sábado pelas 18:00 no Palácio de Belém.