O Tribunal Judicial de Santarém condenou, esta sexta-feira, 11 dos 23 acusados no processo do roubo e da recuperação das armas militares dos paióis de Tancos – o ex-ministro da Defesa Azeredo Lopes foi absolvido, enquanto João Paulino, autor confesso do furto, foi condenado a oito anos de prisão efetiva pelos crimes de terrorismo e tráfico de estupefacientes. O antigo diretor da Polícia Judiciária Militar (PJM), Luís Vieira, e o ex-porta-voz da PJM, Vasco Brazão, foram condenados, respetivamente, a quatro e cinco anos prisão com pena suspensa – os advogados de ambos os arguidos já anunciaram que vão recorrer da sentença.
Chega, assim, ao fim o primeiro capítulo de um julgamento que começou em novembro de 2020. O caso, porém, havia começado mais de três anos antes, quando, no dia 29 de junho de 2017, o exército português tornou público o desaparecimento de material de guerra de dois dos paióis nacionais de Tancos, detetado no dia anterior. O caso provocou um terramoto nos universos político e militar – com o ministro Azeredo Lopes no epicentro do furacão.

No dia 18 de outubro de 2017, a PJM anunciou que intercetara o material roubado na região da Chamusca, Santarém, “com a colaboração do núcleo de investigação criminal da GNR de Loulé”, numa altura em que o caso já tinha passado para a alçada da Polícia Judiciária (PJ). O desfecho apanhou todos de surpresa – uma vez que teria resultado de uma investigação paralela ao caso, ordenada pelo então diretor da PJM, Luís Vieira, à revelia de PJ e Ministério Público (MP). As “discrepâncias” entre material desaparecido e encontrado, que foram sendo dadas a conhecer nas semanas seguintes, “emburlharam” ainda mais o caso, não permitindo amainar (nem um pouco) a polémica, e obrigando à intervenção do Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa, que veio a terreiro exigir o “esclarecimento cabal” de todo o processo.
Quase um ano depois, a 5 de setembro de 2018, a Polícia Judiciária levaria a cabo a “Operação Húbris”, que culminou com a detençao do diretor-geral da PJM, Luís Vieira, e ainda três militares da GNR de Loulé (entre oito mandados de detenção que visaram ainda outros militares da PJM e um civil). No âmbito das investigações, o MP pediria também a detenção do porta-voz da PJM, Vasco Brazão, que se encontrava em missão na República Centro-Africana (Brazão regressaria ao país e seria detido para interrogatório a 1 de outubro).
Precisamente um mês depois da “Operação Húbris” (a 4 de outubro de 2018), o semanário Expresso daria mais pormenores do caso, noticiando que a recuperação do material não terá passado de uma encenação da PJM, em conivência com o autor do furto e a GNR de Loulé, e que até o próprio Azeredo Lopes teria conhecimento do plano – uma informação dada por Vasco Brazão durante o seu primeiro interrogatório (negada pelo ministro da Defesa).
Pressionado pela oposição, Azeredo Lopes acabaria por cair. No dia 12 outubro de 2018, demitia-se do cargo, justificando querer evitar que as Forças Armadas fossem “desgastadas pelo ataque político” e pelas “acusações” de que dizia estar a ser alvo. João Gomes Cravinho assumia, assim, a pasta da Defesa.
Apenas a 26 de junho de 2020, os 23 arguidos do processo de Tancos souberam que iam a julgamento. Nove dos arguidos acusados de planear e executar o furto do material militar e os restantes 14, entre eles Azeredo Lopes e os dois elementos da PJM, da encenação que esteve na base da recuperação do armamento. O julgamento arrancou a 2 de novembro – e o primeiro capítulo terminou apenas hoje. Pelo meio, no dia 6 de julho de 2021, o mesmo MP que tinha acusado Azeredo Lopes decidiria alterar a indiciação, pedindo ao tribunal a absolvição do ex-governante por “falta de provas” que pudessem justificar a sua condenação.
No acórdão, lido, esta sexta-feira, por Nélson Barra, presidente do coletivo de juízes, foram condenados 11 dos 23 acusados – mas a penas de prisão efetivas foram apenas condenados os autores do furto, João Paulino e os dois homens que o ajudaram a retirar o material militar dos paióis na noite de 28 de Junho de 2017 (João Pais e Hugo Santos). Conheça os principais condenados:
1. Luis Vieira, 68 anos, coronel, ex-diretor da PJM. Foi a quatro anos de prisão com pena suspensa, pelos crimes de favorecimento pessoal. Ficam ainda impedido de desempenhar funções públicas durante três anos.
2. Vasco Brazão, 50 anos, antigo coordenador de investigação criminal da PJM, era o porta-voz desta polícia. Foi condenado a cinco anos de prisão com pena suspensa, por favorecimento e falsificação. Ficam ainda impedido de desempenhar funções públicas durante dois anos e seis meses.
3. Roberto Pinto da Costa, 50 anos, major, ex-inspetor-chefe da PJM, foi condenado a cinco anos com pena suspensa. Segundo a investigação, teria sido informado que se preparava um roubo aos paióis um mês antes do furto. Terá tido papel importante na farsa da recuperação do armamento. É ainda afastado da carreira durante dois anos.
4. Caetano Lima Santos, 44 anos, sargento, antigo chefe do Núcleo de Investigação Criminal (NIC) da GNR de Loulé. Foi condenado a cinco anos de prisão com pena suspensa e está proibido de desempenhar funções públicas durante dois anos.
5. Bruno Ataíde, 35 anos, guarda da GNR de Loulé, investigador do NIC de Loulé. Foi condenado a três anos de prisão com pena suspensa por favorecimento pessoal praticado por funcionário – foi este militar que recebeu a informação sobre a localização do material roubado (encontrado na Chamusca). O tribunal considerou que não deve ser suspenso de funções.
6. Mário Lage de Carvalho, 45 anos, primeiro-sargento da GNR, investigador da PJM. Seria o elo de ligação entre PJM e GNR em todo o processo de recuperação do armamento. Foi condenado a três anos de pena suspensa por favorecimento pessoal praticado por funcionário.
7. José Gonçalves, 35 anos, guarda da GNR de Loulé, investigador do NIC de Loulé. Faria parte do grupo que preparou a farsa da localização das armas. Foi condenado a dois anos e seis meses de pena suspensa, também pelo crime de favorecimento pessoal praticado por funcionário.
8. João Paulino, 35 anos, ex-fuzileiro, conhecido das autoridades por ser traficante de droga, é o autor confesso do furto do armamento. Foi condenado a oito anos de prisão por terrorismo e tráfico de droga.
9. João País, 34 anos, amigo e cúmplice de Paulino, conhecido por “Caveirinha” e “gadelhas” – por usar cabelo comprido –, também já era um velho conhecido das autoridades por ligações ao tráfico. Foi condenado por terrorismo, em coautoria com Paulino, a cinco anos de prisão.
10. Hugo Santos, 37 anos, também amigo de Paulino, cúmplice no tráfico, foi condenado a sete anos e meio de prisão por terrorismo e tráfico.
11. Jaime Oliveira, 38 anos, conhecido de “Pisca”, dono de um restaurante em Aveiro, chegava a esta fase acusado de tráfico de droga, mas acabou condenado apenas por consumo. Tem de pagar uma multa de 300 euros.