A mais recente sondagem do ISCTE/ICS, relativa aos meses de novembro de dezembro de 2020, indicou as previsões para as eleições de dia 24 de janeiro: Marcelo Rebelo de Sousa mantém-se à frente, com 66% dos votos, seguido por Ana Gomes, a uma distância de 53 pontos percentuais.
Entre estes números, que tentam prever o desfecho final das eleições presidenciais do início de 2021, há um valor que passa despercebido: a participação dos eleitores jovens, entre os 18 e os 24 anos, no processo eleitoral. De acordo com o relatório da sondagem, “o que distingue os eleitores mais jovens é a propensão para responder que não votariam nesta eleição” – 35% dos inquiridos desta faixa etária afirmaram que não pretendiam votar, enquanto que 18% respondeu que ainda não sabia como votaria.
“Embora haja uma tendência geral nas democracias para os jovens votarem menos que os mais velhos, essa assimetria varia de país para país. Em Portugal, esta tem sido particularmente acentuada, quando comparamos com outros casos”, disse João Cancela, Professor na NOVA-FCSH, em conversa com a VISÃO. Perante este cenário, cabe compreender as causas que levam a esta elevada taxa de abstenção dos jovens e o que pode ser feito para reverter o fenómeno.
O que explica esta baixa afluência às urnas dos jovens?
Apesar de ser dado assente que, em Portugal, os jovens votam menos que os mais velhos, não são apenas as pessoas que estão na faixa etária dos 18 aos 30 anos que vão menos às urnas. Este fenómeno tem vindo a alastrar-se aos cidadãos entre os 30 e os 45 anos, ao contrário do que acontecia nos anos 80 e 90, em que esta faixa tinha a mesma propensão para votar que as mais velhas. Este efeito, que começou em 2002, parece revelar “uma relação entre a propensão dos mais jovens para não votarem e continuarem a não votar quando crescem”, concluiu João Cancela – o que contraria a ideia de que, quando os jovens envelhecem e começam a ter mais responsabilidades, também passam a votar.
Há várias teses que tentam explicar este fenómeno: desde as alterações na estrutura de valores das gerações mais novas, a mudança da composição geracional do eleitorado, a baixa cobertura mediática das eleições ou o simples desinteresse dos jovens na política. Sunshine Hillygus, Professora de Ciência Política na Duke University, chegou a afirmar que “os jovens têm horários e estilos de vida muito mais instáveis do que as pessoas com 40 anos, o que os leva a gerir pior a sua vida e a votar menos.” Para João Cancela, há duas grandes causas que parecem ser reveladoras das altas taxas de abstenção dos jovens: eleições menos competitivas e polarizadas, assim como um afastamento progressivo dos partidos políticos.
Quanto ao facto de as eleições serem menos competitivas e polarizadas, é notório que as pessoas que adquiriram o direito de voto nas primeiras décadas da democracia se mobilizaram em maior escala para as urnas e continuaram a votar nos anos seguintes. Por oposição, as pessoas que começaram a votar nos anos 90, por exemplo, entraram num contexto político diferente, o que alterou a carga e urgência de ir votar. “Há um forte contraste entre as primeiras décadas da democracia portuguesa e as mais recentes, sendo este um fenómeno que também se observa noutros países.”
As recentes eleições presidenciais americanas, entre Donald Trump e Joe Biden, comprovam esta teoria: houve uma maior afluência às urnas dos americanos pelo sentimento de que o desfecho das eleições era determinante e que havia dois lados muito contrastantes. Quanto mais competitivas as eleições e maior o sentimento das pessoas de que estão a fazer a diferença ao votar, menor será a abstenção.
A segunda causa enunciada pelo Investigador do IPRI é o facto de, hoje em dia, cada vez menos pessoas se identificaram com um determinado partido. “Há um afastamento que se tem vindo a verificar nos estudos de opinião, que é mais significativo entre os jovens.” Quanto mais afastados dos partidos estão os cidadãos, menor é a tendência para votarem em eleições: “há um ciclo que se vai reforçando mutuamente.” Por contraste, as pessoas mais velhas tendem a identificar-se mais com um determinado partido, o que as leva a continuar a exercer o seu direito ao voto.
Como combater a abstenção entre os jovens?
Perante este baixo nível de participação eleitoral, é necessário encontrar soluções que motivem o eleitorado jovem a ir às urnas, sob pena de as eleições do futuro terem taxas de abstenção que dificilmente “descolam” de números elevados como 70%, – o que pode levar a um problema de legitimidade democrática por parte de quem governa.
O debate do voto obrigatório, solução adotada por países como a Bélgica, o Luxemburgo e a Austrália, é alvo de grande controvérsia. Apesar de o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem ter entendido que o voto obrigatório não é antidemocrático, nem viola a liberdade de pensamento, este traz consigo problemas de ordem ideológica e pragmática na sua implementação. Por enquanto, “esta opção não parece provável em Portugal”, afirma João Cancela. Ainda assim, há alternativas ao voto obrigatório que podem ser exploradas pelas democracias.
No ano passado, o PAN levou à Assembleia da República uma proposta que previa o direito ao voto aos 16 anos, que foi chumbada. Esta medida não é inédita: Áustria, Malta, Estónia e alguns países da América do Sul já implementaram o voto a partir dos 16 anos, em vez da idade de 18 anos. “As pessoas mais jovens, com 16 e 17 anos, tendem a votar mais do que as pessoas de 18 anos. Isso pode explicar-se por vários fatores, como o facto de ainda estarem na escola, ou enquadradas na vida em família”, explica João Cancela, “e isso tem um efeito nos jovens a longo prazo: as pessoas que votam nas primeiras eleições com 16 e 17 anos tendem a votar nas eleições seguintes também. Considero-a uma experiência bem-sucedida.”
Por outro lado, o investigador também refere o bom exemplo das simulações de eleições. Em países nórdicos como a Noruega, a Suécia, a Dinamarca e a Islândia, são realizados simulacros de eleições reais, em que os alunos do ensino secundário têm oportunidade de votar algumas semanas antes das eleições propriamente ditas. “Estas simulações permitem aos jovens participar em debates com representantes dos partidos, em particular de juventudes partidárias.”
Apesar de os votos destes alunos não terem consequências diretas no resultado eleitoral, há dois grandes efeitos positivos: “por um lado, socializa as pessoas para a política e para os próprios partidos, mobilizando-as a votar quando estiverem perante eleições a sério. Por outro lado, os meios de comunicação dão-lhes importância porque as simulações funcionam como uma espécie de barómetro das eleições reais nestes países – o que leva os partidos políticos a fazerem um esforço de aproximação destes jovens através dos seus programas”, conclui João Cancela.
Baixas expetativas para as eleições presidenciais
Em novembro, Marina Costa Lobo tinha alertado para “uma situação de despolitização e descredibilização das eleições presidenciais, em que estão todas as condições reunidas para haver uma alta taxa de abstenção.” Neste sentido, João Cancela diz que “as eleições presidenciais para o segundo mandato tendem a ter uma menor participação eleitoral que as primeiras, porque costumam atrair apenas os eleitores mais assíduos – os que têm um forte sentimento de dever cívico enraizado ou ligações políticas mais fortes a um candidato ou partido.”
Tendo em conta estas conjuntura – não esquecendo todo o contexto da pandemia da Covid-19, que pode ser outro entrave a uma ida às urnas – e juntando-se o facto de os jovens, em circunstâncias normais, já terem pouca propensão para ir votar nas eleições, “parece provável que a tendência de baixa participação eleitoral se vá acentuar nas eleições de dia 24 de janeiro”, afirma o investigador.
Os eleitores que pretenderem votaram de forma antecipada nas eleições presidenciais de 2021 poderão fazê-lo online, através do portal do Ministério da Administração Interna, ou na Junta de Freguesia onde o eleitor está recenseado, dentro dos prazos definidos.