No final daquele dia abrasador de junho de 2017, foi um Presidente da República devastado que se enterrou num dos vetustos sofás do palácio de Belém, aonde regressara depois de uma viagem que preferia não ter feito. “Estava envelhecido, parecia ter mais 20 anos em cima”, conta uma testemunha. Na véspera, ao princípio da noite, numa conversa telefónica de quase três quartos de hora, com um dos seus assessores mais próximos, ele tinha já embargado a voz: “Não é só um morto, é mais do que isso, vou já para lá.” As notícias de final do dia, nesse sábado, davam já conta de uma catástrofe humana potenciada pelos gigantescos incêndios com ignição no concelho de Pedrógão Grande. Marcelo tinha partido, sem assessores, apenas com a obrigatória segurança pessoal. “É um padrão”, dizem-nos os que com ele trabalham. “Neste tipo de deslocações, para estar presente em cenários de emergência ou drama, não leva ninguém.”
Os incêndios não marcam apenas o momento mais dramático da presidência de Marcelo Rebelo de Sousa, 72 anos, eleito em 2016 e recandidato nas presidenciais de 24 de janeiro de 2021. Pedrógão é um ponto de viragem, na relação com o Governo e com o primeiro-ministro, António Costa. Retrospetivamente, o Presidente arrepende-se da instantânea cobertura política ao Governo: “Tudo o que devia ser feito está a ser feito”, proclamou. Mas as notícias da competência das autoridades eram manifestamente exageradas, como comprovaram investigações e relatórios posteriores. Desconfiado e desiludido, Marcelo sente-se enganado.
Marcelo e Costa, confiança e desconfiança
E, no entanto, quem o diria? O Presidente marcara o primeiro ano e meio de mandato pela “descarada” colagem a António Costa e ao seu Governo, deixando descalços os que, à direita, seus eleitores, confiaram numa magistratura mais vigilante. Fica icónica a imagem das comemorações do 10 de Junho de 2016, captada em França. O que vemos é um instantâneo, conseguido nos bastidores do palanque, de duas figuras, de costas, a saudarem a multidão virada para nós. As silhuetas de António Costa e de Marcelo evocam a imagem do cliente de hotel que é esperado, à porta, por um groom de chapéu de chuva aberto. O primeiro-ministro segura a umbela e protege da chuva o Presidente, que fala aos compatriotas. Poucos meses antes, o ex-aluno de Marcelo preparara os acordos que viabilizariam a solução governativa que viria a ficar conhecida como Geringonça. Perante os receios de um deputado mais apreensivo, face à iminente eleição do professor para Belém, o líder socialista descansava-o: “O Marcelo? Com o Marcelo vai tudo correr bem.”
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