Dezembro de 2019. A Universidade da Madeira (UMa) abre um concurso para preencher uma vaga de professor associado no departamento de Ciências da Educação. Apresentam-se três candidatos: os professores Nelson Veríssimo, Alice Mendonça e Liliana Rodrigues; a última, recém-chegada ao Funchal, depois de cumprir um mandato como deputada no Parlamento Europeu (2014 – 2019) eleita pela lista do Partido Socialista, como independente. O lugar na instituição académica ainda não foi atribuído, mas Liliana Rodrigues está já a ser acusada de falsificar informações na sua candidatura.
A denúncia parte dos dois colegas candidatos à mesma vaga: “Detetámos várias declarações falsas, que não poderiam ser simples lapsos”, diz, à VISÃO, Nelson Veríssimo. Refere-se a duas disciplinas que a professora indica ter lecionado ou coordenado (2018-2019) e à orientação de uma dissertação (2011-2012) que, no portal dos docentes da UMa – a que VISÃO teve acesso –, surgem atribuídas a outra docente: Jesus Maria Angélica Fernandes.
As disciplinas em causa – descritas no despacho do processo do Ministério Público, assinado pelo procurador da República Tiago Rendeiro de Matos – são a de Políticas Curriculares e Inovação e a de Ética e Deontologia. Os professores queixosos alegam também que Liliana Rodrigues não poderia sequer ter lecionado estas cadeiras, uma vez que coincidem com o seu mandato no Parlamento Europeu. No caso da segunda, acresce estar integrada no curso Técnico Superior Profissional de Proteção Civil, disponível na universidade, pela primeira vez, no ano letivo 2020/2021, como se pode confirmar pelo despacho n.º 4293/2020 da Direção-Geral do Ensino Superior. As queixas continuam. E estendem-se à criação de um curso de mestrado que alegadamente não tem o seu nome na génese (Ciências da Educação e Desenvolvimento Comunitário), sendo que este também não chegou a sair da gaveta; e o rol continua com sebentas e livros que não terão sido editados.
Contactada pela VISÃO, a professora universitária repetiu a resposta já dada aos órgãos de comunicação social madeirenses, que têm acompanhado a polémica: não se pronuncia sobre as declarações dos colegas até o concurso estar terminado. Isto sem deixar de sublinhar que apresentou “provas documentais do percurso profissional e que cabe ao júri do concurso verificar essas provas”. O reitor da UMa, José Carmo, – o único represente da instituição académica no júri que avalia os currículos – não adianta mais. “A universidade não faz quaisquer declarações sobre concursos que estão a decorrer”, afirmou, por escrito.
Sócrates, Relvas & Feliciano Lda.
Os dois professores quiseram levar o caso à Justiça, mas o departamento de Investigação e Ação Penal do Ministério Público da Madeira optou por arquivar o processo, em setembro. “Um currículo (e a sua subsequente apresentação no âmbito de uma candidatura) não são subsumíveis ao conceito de ‘declarar falsamente’, admite o procurador, no despacho. “Embora seja civil e moralmente relevante, a mentira, por si só, ainda não é criminalizada no nosso ordenamento jurídico”, continua o documento. A última palavra sobre a alegada fraude curricular pertencerá ao júri da Universidade da Madeira.
Os casos de políticos com currículos, no mínimo, imprecisos, têm-se multiplicado. José Sócrates teve o célebre caso do Inglês Técnico e do diploma de Engenharia emitido a um domingo, pela Universidade Independente, circunstância que colocou fortes dúvidas sobre as suas habilitações. Miguel Relvas, ministro de Passos Coelho, viu ser-lhe retirada a licenciatura da Lusófona, em Ciência Política e Relações Internacionais, por ter tido equivalências suspeitas e obtido aprovações sem ir às aulas. E, mais recentemente, o ex-secretário-geral do PSD, de Rui Rio, Feliciano Barreiras Duarte, foi obrigado a retirar do currículo a inexistente passagem como “visiting schoolar” da Universidade de Berkeley, da Califórnia. De secretários de Estado a um ex-diretor da Proteção Civil, a tentação de exagerar nas habilitações tem sido grande… e fatal.