A situação é “a todo o título excecional”. E isso exige medidas excecionais. O primeiro conjunto dessas medidas foi anunciado por António Costa esta quinta-feira à noite, numa declaração ao país em que, por exemplo, confirmou a decisão de encerrar os estabelecimentos de ensino a partir da próxima segunda-feira mas também anunciou uma compensação parcial dos salários para os pais e encarregados de educação que se vejam obrigados a ficar em casa por força desse encerramento das escolas num momento inesperado. Já madrugada dentro, vários membros do Governo explicaram em detalhe as medidas aprovadas para responder à pandemia do Covid-19.
António Costa apelou a um “esforço coletivo para enfrentar esta pandemia” que ainda estará longe de revelar a sua faceta mais violenta. “Temos de partir do principio de que a pandemia, no continente europeu e em Portugal, ainda não atingiu o seu pico, está em fase de evolução, de modo que é muito provável que, nas próximas semanas, mais pessoas venham a ser contaminadas, por ventura com mais graves consequências para a sua saúde e para a sua vida”, mas também admitir que “o surto possa ser mais duradouro do que se tenha estimado inicialmente”. O quadro estava colocado de forma inequívoca em cima da mesa. Faltavam as medidas para responder a essa situação excecional.
O primeiro-ministro começou por confirmar a interrupção das aulas presenciais em todos os níveis de ensino. A partir da próxima segunda-feira, e pelo menos até à interrupção letiva na Páscoa, as escolas ficam de portas fechadas. António Costa apela, no entanto, a que se encontrem “alternativas” ao ensino em sala de aula. Dia 9 de abril, o encerramento das escolas será reavaliado, até para perceber de que forma os alunos poderão cumprir o terceiro período e concluir o ano letivo com o menor impacto possível.
A decisão era esperada há alguns dias e a expectativa avolumava-se depois de, esta quarta-feira, o Conselho Nacional de Saúde Pública ter assinado um parecer em sentido contrário – isto é, desaconselhando ao encerramento generalizado das atividades letivas presenciais e sugerindo uma avaliação casuística da aplicação dessa medida. Costa explicou o que mudou. “Hoje mesmo, o Centro Europeu para a Prevenção e Combate às Doenças emitiu um parecer onde, inequivocamente, recomenda a todos os Estados-membros da União Europeia o encerramento de estabelecimentos de ensino e em todos os graus de ensino.”
Discotecas encerradas e portos fechados
O detalhe do plano mais alargado do Governo para responder à pandemia do Covid-19 ficou a cargo de vários membros do Governo, no final da reunião do Conselho de Ministros que foi retomada depois das 21h, após a audição em São Bento dos vários partidos com assento parlamentar. Mas António Costa avançou já tinha avançado algumas medidas.
O Governo vai dar ordens para que todas as discotecas do país sejam encerradas (medida que surge depois de ter sido divulgada uma festa promovida por um bar de Santa Maria da Feira, batizada com o nome Corona-party). Vai ser limitada a um terço da capacidade máxima a presença de clientes em espaços de restauração, para que se garanta a distância de segurança entre os clientes, tal como será “limitada” a frequência de centros comerciais e de espaços de serviço público (o objetivo é, também aqui, garantir que não há “excesso de pessoas”, ao mesmo tempo, no mesmo espaço fechado).
E os navios que se desloquem aos portos nacionais serão autorizados a atracar, mas apenas para efeitos de reabastecimento de combustível e bens alimentares; turistas não entram e apenas os passageiros residentes em Portugal poderão entrar em território nacional. A pensar num dos grupos de maior risco, os idosos, o Governo avança com a “limitação de visitas a lares de idosos”, na linha das recomendações do Centro Europeu para a Prevenção e Combate às Doenças. Marta Temido acabaria por admitir que a proibição de visitas a estabelecimentos prisionais, já decretada na região norte, poderá ser alargada ao resto do território nacional.
Há, depois, um conjunto de medidas destinadas a reforçar a capacidade de resiliência das empresas a um contexto em que se prevê que a capacidade de produção, por um lado, mas também a procura de bens e serviços, por outro, venha a sofrer um forte impacto.
É aqui que entra um apoio parcial ao pagamento de salários, por parte do Governo português. O primeiro-ministro sublinhou a importância de “assegurar a proteção do emprego, contribuindo para a viabilidade das empresas que estão a ser atingidas” pelos efeitos da pandemia. Admite-se, por isso, a criação de um “mecanismo especial que assegure a remuneração parcial”, dos trabalhadores afastados do seu local de trabalho, e que será definida “em conjunto com as entidades patronais, de forma a minorar impacto negativo nos rendimentos das famílias”.
Costa mencionou ainda, sem entrar em detalhes (que seriam concretizados na conferência de imprensa da madrugada desta sexta-feira), a intenção de criar “medidas alternativas”, especialmente dirigidas aos profissionais de saúde, elementos dos serviços de emergência e das forças de segurança. Profissionais que não podem deixar de responder a uma situação de emergência mas que precisam, ao mesmo tempo, de acautelar as respetivas situações familiares – também eles terão filhos em idade escolar que precisam de acompanhamento nesta fase.
Noutra linha desse mesmo capítulo, o primeiro-ministro referiu-se à intenção de “reforçar a capacidade do Serviço Nacional de Saúde para responder à crise”. São já vários os relatos de falhas na linha de apoio médica, dentro da Saúde24, que tem revelado incapacidade de responder ao acréscimo de solicitações por parte da população – com tempos de espera excessivos e, em muitos casos, sem qualquer resposta às chamadas.
Partidos contra o vírus
Este primeiro conjunto de medidas foi anunciado assim que terminaram as audições de Costa aos vários partidos com assento parlamentar. Além de partilhar com os vários líderes o plano de ataque ao Covid-19 que o Governo tinha em mãos, o primeiro-ministro queria ouvir propostas que servissem de “aperfeiçoamento ou mesmo aditamento” às medidas já ponderadas pelos seus ministros.
“Senti, por parte de todos os partidos, um empenho e determinação comuns em partilharmos esta batalha, que é batalha de todos”, porque “não há o partido de vírus e partido anti-vírus”, sublinhou António Costa. “É a luta pela nossa sobrevivência e estamos todos juntos nesta luta.”
Antes de deixar a sala da lareira, na residência oficial do primeiro-ministro, António Costa voltou a insistir na mensagem que já tinha partilhado ao início da tarde. “O primeiro dever de cada um e cada uma é cuidar do próximo, evitar que, por negligência ou desconhecimento, punhamos em risco a saúde do outro”. Quando já havia notícia de que centenas de pessoas – sobretudo jovens – tinham trocado a faculdade ou a empresa pelo areal, à primeira informação de que as instituições fechavam portas para permitir o isolamento social, Costa avisou: “Cada um de nós se julga estar em situação saudável, mas nenhum de nós sabe se não é portador de vírus que está a passar ao outro.” Contenção e cuidados redobrados é a a palavra de ordem.
O plano de ataque ao Covid-19 aprovado pelo Governo, medida a medida
Da longa reunião de Conselho de Ministros saíram 30 medidas especialmente desenhadas para responder ao impacto do novo coronavírus em Portugal, que foram anunciadas e explicadas pelos ministros da Saúde, Educação, da Economia e do Trabalho numa conferência de imprensa que se prolongou pela madrugada desta sexta-feira. E, no final, o anúncio de que será decretado o “estado de alerta” que colocará os serviços de segurança e de proteção civil em prontidão.
As medidas para o setor da Saúde são as seguintes:
- Foi criado um regime excecional em matéria de recursos humanos, que contempla:
(i) suspensão de limites de trabalho extraordinário; (ii) simplificação da contratação de trabalhadores;(iii) mobilidade de trabalhadores;(iv) contratação de médicos aposentados sem sujeição aos limites de idade.
- Foi também criado um regime de prevenção para profissionais do setor da saúde diretamente envolvidos no diagnóstico e resposta laboratorial especializada.
- O Governo aprovou a criação de um regime excecional para aquisição de serviços por parte de órgãos, organismos, serviços e entidades do Ministério da Saúde.
- Além de passar a vigorar um regime excecional de composição das juntas médicas de avaliação das incapacidades das pessoas com deficiência.
No plano dos apoios à Economia, entram em vigor no início da próxima semana as seguintes medidas:
- Uma linha de crédito de apoio à tesouraria das empresas de 200 milhões €;
- Outra linha de crédito para microempresas do setor turístico no valor de 60 milhões €;
- A introdução de regras para um lay off simplificado: assegura-se o apoio extraordinário à manutenção dos contratos de trabalho em empresa em situação de crise empresarial, no valor de 2/3 da remuneração, assegurando a Segurança Social o pagamento de 70% desse valor, sendo o remanescente suportado pela entidade empregadora;
- É criada uma bolsa de formação do IEFP;
- É introduzido, no âmbito contributivo, de um regime excecional e temporário de isenção do pagamento de contribuições à Segurança Social durante o período de lay off por parte de entidades empregadoras;
- introduzem-se medidas de aceleração de pagamentos às empresas pela Administração Pública;
- E, no âmbito do programa PT 2020, prevê-se: o pagamento de incentivos no prazo de 30 dias; a prorrogação do prazo de reembolso de créditos concedidos no âmbito do QREN ou do PT 2020; e a elegibilidade de despesas suportadas com eventos internacionais anulados.incentivo financeiro extraordinário para assegurar a fase de normalização da atividade (até um Salário Mínimo por trabalhador).
- Haverá um reforço da capacidade de resposta do IAPMEI e do Turismo de Portugal na assistência ao impacto causado pelo COVID-19.
- É aplicada a prorrogação de prazos de pagamentos de impostos e outras obrigações declarativas.
No que toca aos serviços públicos, entre medidas para a área da Educação e outros setores da vida social, o Governo determinou:
- A suspensão de todas as atividades letivas e não letivas presenciais nas escolas de todos os níveis de ensino a partir da próxima segunda-feira dia 12 de março;
- A organização dos serviços públicos, nomeadamente o reforço dos serviços digitais, o estabelecimento de limitações de frequência para assegurar possibilidade de manter distância de segurança e a centralização de informação ao cidadão sobre funcionamento presencial de serviços;
- A aceitação, por parte das autoridades públicas, e para todos os efeitos legais, da exibição de documentos cujo prazo de validade expire durante o período de vigência da presente legislação ou nos 15 dias imediatamente anteriores ou posteriores;
- A restrição de funcionamento de discotecas e similares;
- A proibição do desembarque de passageiros de navios de cruzeiro, exceto dos residentes em Portugal;
- A suspensão de visitas a lares em todo o território nacional;
- Os centros comerciais e supermercados vão estabelecer limitações de frequência para assegurar possibilidade de manter distância de segurança.
Para a área do Trabalho e da Segurança Social, o plano de resposta concretizou as medidas que já tinham sido pelo primeiro-ministro e detalhou outras:
- A atribuição de faltas justificadas para os trabalhadores por conta de outrem e trabalhadores independentes que tenham de ficar em casa a acompanhar os filhos até 12 anos;
- O apoio financeiro excecional aos trabalhadores por conta de outrem que tenham de ficar em casa a acompanhar os filhos até 12 anos, no valor de 66% da remuneração base (33% a cargo do empregador, 33% a cargo da Segurança Social);
- O apoio financeiro excecional aos trabalhadores independentes que tenham de ficar em casa a acompanhar os filhos até 12 anos, no valor de 1/3 da remuneração média;
- O apoio extraordinário à redução da atividade económica de trabalhador independente e diferimento do pagamento de contribuições;
- A criação de um apoio extraordinário de formação profissional, no valor de 50% da remuneração do trabalhador até ao limite do Salário Mínimo Nacional, acrescida do custo da formação, para as situações dos trabalhadores sem ocupação em atividades produtivas por períodos consideráveis;
- A garantia de proteção social dos formandos e formadores no decurso das ações de formação, bem como dos beneficiários ocupados em políticas ativas de emprego que se encontrem impedidos de frequentar ações de formação;
- A equiparação a doença da situação de isolamento profilático durante 14 dias dos trabalhadores por conta de outrem e dos trabalhadores independentes do regime geral de segurança social, motivado por situações de grave risco para a saúde pública decretado pelas entidades que exercem o poder de autoridade de saúde. Com esta alteração, os trabalhadores a quem seja decretada, pela autoridade de saúde, a necessidade de isolamento profilático terão assegurado o pagamento de 100% da remuneração de referência durante o respetivo período;
- A atribuição de subsídio de doença não está sujeita a período de espera;
- A atribuição de subsídios de assistência a filho e a neto em caso de isolamento profilático sem dependência de prazo de garantia.
Para já, e ao contrário do que já foi determinado noutros países europeus, o Governo português não está ponderar avançar com o encerramento de fronteiras. Mas, tal como António Costa já tinha sublinhado, será necessário uma colaboração ativa de todos os cidadãos para conseguir conter uma maior disseminação do Covid-19 entre a população. O ministro de Estado e da Economia fez questão de sublinhar isso mesmo.