No sábado passado, no final de um comício no Porto, um simpatizante do Chega cantou o hino nacional fazendo a saudação nazi. O momento foi filmado por um membro do público que estava numa zona mais recuada da sala, e revela apenas uma figura masculina de costas, de braço no ar.
O assunto serviu de rastilho a acaloradas discussões nas redes sociais, e colocou de novo a sombra da dúvida a pairar sobre André Ventura, que há duas semanas tinha desmentido ter como dirigentes figuras ligadas a movimentos nacionalistas (aceitou apenas a demissão de Tiago Monteiro, que dirigia o núcleo de Mafra, por ter pertencido a grupos de Mário Machado, na sequência de uma notícia da revista Sábado).
Afinal, há ou não lugar no Chega para neonazis? “Não há”, diz André Ventura à VISÃO, afirmando que, enquanto for líder, “não haverá nenhuma possibilidade de o partido ser conotado ou associado com quaisquer movimentos extremistas ou racistas”.
Teve noção do que se passava na sala, quando cantava o hino nacional em palco? Viu aquela saudação nazi?
Vi sim. Já tinha visto antes alguns comportamentos mais estranhos na sala, algumas altercações, mas tudo se foi resolvendo e por isso a segurança não teve de intervir.
Reconheceu a pessoa que estava a fazer essa saudação?
Não era pessoa que eu conhecesse, não. Aliás, sei que a organização ainda está a tentar identificá-lo, para o caso de haver algum problema legal decorrente desta situação. Estavam ali mais de 400 pessoas, era um evento público, é impossível controlar tudo.
O que lhe passou pela cabeça naquele momento? Percebeu logo que seria uma situação delicada, sobretudo à luz das notícias das últimas semanas?
Sim, pensei em muitas coisas. Devia chamar os seguranças? O uso da força ali talvez fosse contraprudecente, a situação poderia descontrolar-se. Além disso, não queria interromper o hino nacional, é uma questão de respeito.
Mas afinal há ou não lugar no Chega para neonazis?
Não há. Não há lugar para quem não respeite o espírito democrático, dentro do que é um Estado de direito. Enquanto eu for líder do Chega não haverá nenhuma possibilidade deste partido ser conotado ou associado com quaisquer movimentos extremistas ou racistas. Agora, há duas situações: uma prende-se com o que eu posso fazer como líder do partido, outra diz respeito ao passado dos militantes. Não conseguimos controlar quem é que se inscreve no partido, mas no casos em que se suspeite de ligações desse género, os casos serão entregues ao conselho de jurisdição. Como líder, o que posso assegurar é que nenhum elemento desses grupos será nomeado por mim para cargos de confiança política.
Viu a mensagem de Mário Machado, quando suspendeu a Nova Ordem Social, indicando o Chega como um partido que poderia fazer sentido para os que até aí o seguiam?
Não, não tenho conhecimento. O que posso dizer é que essa não é a ideologia do Chega, que respeitamos o espírito democrático e somos um partido político, com regras. No final do mês já teremos uma ficha de inscrição nova, que pedirá informações sobre a ideologia e o passado dos candidatos. O partido está a crescer muito depressa, é difícil controlar tudo. Em seis meses tivemos já mais de oito mil inscrições, o que comprova que as pessoas estavam sedentas de um partido antisistema.
Os “órfãos” da Nova Ordem Social
Mário Machado é um dos líderes nacionalistas mais conhecidos do país. Foi líder dos hammerskins (ala mais radical do movimento skinhead ) e teve o seu nome associado a vários episódios de violência racial. Está neste momento em liberdade condicional depois de ter cumprido dois dos dez anos de prisão em cúmulo jurídico a que foi condenado, por crimes de extorsão, roubo, sequestro, coação e posse ilegal de armas, entre outros. Nos últimos cinco anos foi ele a cara da Nova Ordem Social (NOS), que classifica como “o melhor movimento nacionalista em Portugal desde 1974”. Contudo, como não surgiu ninguém com vontade de o substituir, decidiu dar como “suspensa” a atividade do movimento, há dois meses.
No vídeo publicado no YouTube, Mário Machado refere que o Chega pode ser uma alternativa para aqueles que até agora militavam na Nova Ordem Social:
“Apareceu um partido novo, que apesar de não estar na nossa linha ideológica, perfilha grande parte das nossas ideias e esse partido novo foi um autêntico dizimador de outro partido que já existia mais ou menos na nossa área, e é um partido que, a bem ou a mal, tem aglomerado grande parte dos nacionalistas portugueses e grande parte da direita nacional. E nós temos a certeza que esse partido [vai acolher os militantes do NOS], apesar de ter linhas ideológicas diferentes, como disse e volto a realçar. Posso dar exemplos: primeiro ,não são nacionalistas-étnicos; depois, a nível nacional, a sua posição em relação ao serviço nacional de saúde é completamente contrária à nossa, e a nível internacional, a sua preocupação de dizer no programa do partido que Jerusalém devia passar a ser a capital de Israel… são duas questões, entre muitas, em que estamos literalmente no campo oposto. Mas ainda assim existe essa alternativa, se passássemos a partido político estaríamos nós, o PNR e o Chega a concorrer praticamente na mesma área, o que seria altamente contraprudecente.”