Contei oito cigarros, mas podem ter sido mais os fumados durante as mais de duas horas de conversa, na esplanada do quiosque da Praça do Município, em frente à Câmara Municipal de Lisboa. Daqui até 1 de janeiro, José Sá Fernandes estará a queimar os últimos cartuchos em matéria de vício: prometeu que se Lisboa ganhasse o importante prémio da Capital Verde Europeia deixaria de fumar. Para surpresa e gáudio geral, Lisboa arrebatou mesmo o galardão, e para um homem de fé, as promessas são mesmo para cumprir. Tal como, garante, os acordos estabelecidos e os apertos de mão dados. O anúncio, nesta sexta-feira (29), da programação da Capital Europeia Verde que meterá todo o País a discutir o ambiente deu o mote para uma entrevista, em que passámos em revista os últimos 12 anos de José Sá Fernandes como vereador deste pelouro. Uma missão que sente praticamente cumprida.
Como um menino da Avenida de Roma se transformou num homem defensor do ambiente?
Bom, eu era um menino da Avenida de Roma, mas rebelde! [Risos.] Formei-me em Direito e, quando acabei o curso, estive 10 meses em Macau. Foi o meu primeiro choque com a realidade. Pensava: “Há aqui qualquer coisa que vai correr mal.” Quando voltei, estava já a exercer advocacia, interessei-me muito por Lisboa. Passava a vida a dar grandes voltas pela cidade e vi muitas coisas degradadas ou abandonadas, como o Convento da Graça, as arcadas do Terreiro do Paço, que eram armazéns. Senti que não queria a minha cidade assim e comecei a estudar o tema do património cultural e do ambiente. Tinha saído a Lei de Ação Popular, que permitia que qualquer pessoa pudesse intervir em defesa de interesses difusos, e achei que era um bom mecanismo para fazer qualquer coisa. Nesse âmbito, conheci o Gonçalo Ribeiro Telles [arquiteto paisagista e ecologista].
De que falavam?
Reuníamo-nos, para discutir a cidade de Lisboa, de uma maneira quase secreta, no Estrela da Sé que tem uns gabinetes. Dava um ar…
… de uma certa conspiração antissistema.
Sim! O Gonçalo é um mestre extraordinário… Nós, durante muitos anos, almoçávamos sempre de 15 em 15 dias – só nos últimos dois anos em que ele já não está em forma é que deixámos de o fazer.
Não tinha uma ligação à terra?
A minha primeira mulher tinha uma quinta em Tondela, e eu comecei a tratar dela porque o meu sogro tinha morrido. Ao mesmo tempo, o meu irmão estava a investir numa propriedade de família em Trás-os–Montes e a minha irmã numa do marido em Meda. Começámos os três ao mesmo tempo a ter uma ligação forte à terra; discutíamos o azeite, as vindimas, as batatas, as couves. Eu sempre fui muito curioso em relação às árvores, à botânica – não como o Bagão Félix, de quem eu gosto imenso e que é mesmo um “barra” naquilo, mas gostava muito de aprender.
E o irmão rebelde, o mais novo, era também o mais criativo, como dizem os estudos?
Na altura, era eu claramente o que tinha mais piada! Agora não sei. [Risos.] Mas eu estava sempre a inventar coisas. Cheguei a candidatar-me com duas ideias de negócio, mas deram-me logo “sopa”. Andava sempre a correr o País. Acho que sou de trato fácil, o que ajuda muito a falar e a conhecer pessoas e a dar-me bem com elas. Acho que quando me conhecem gostam de mim, mas também sei que há quem me odeie – normalmente, essas pessoas não me conhecem.
Criar empatia e construir pontes é essencial para se fazer trabalho?
Sim. E tenho sempre algumas máximas que me acompanham. Sou o mais novo de três juristas, cresci com um grande sentido de justiça. E uma pessoa para fazer justiça não pode olhar apenas para uma das partes, tem sempre de olhar para os dois lados de um problema. E no ambiente isso é essencial: não podemos ser completamente contra uma coisa; temos de perceber o que está em causa, e é preciso discernir e ter equilíbrio. Depois comecei a perceber o que resulta e o que não resulta: basta ver uma floresta bem cuidada e outra mal cuidada, uma paisagem protegida e outra destruída com um mastodonte, uma cidade que perde a sua silhueta… comecei a estudar. Às tantas disse: sou advogado, ninguém anda a trabalhar nisto, vou dedicar–me ao tema. Mas se há um interesse difuso, então não devo levar dinheiro. Passei a abrir o meu escritório às sextas-feiras, dia em que recebia pessoas, vindas de norte a sul do País, para tratar de questões ambientais ou do património cultural, e passei a ajudá-las a meter as ações.
Então como ganhava a vida se não cobrava dinheiro?
Ganhava à segunda, terça, quarta e quinta! O escritório era pequeno, e eu era um advogado generalista, fazia de tudo. Um dia por semana, dedicava-me a tratar do que gostava realmente. Fiz coisas de Ponte de Lima até ao Algarve. Depois, claro, começou a não chegar a sexta-feira… Percebeu-se que era possível fazer alguma coisa em defesa do património e do ambiente, porque antes havia a sensação de que era impossível, de que não se podia fazer nada contra um despacho da câmara ou uma deliberação. Comecei a ter os primeiros ganhos de causa, com reconhecimento. Sempre que passo numa zona de Ponte de Lima, onde iam fazer uma ponte em cima de uma ponte romana, fico todo contente. Outra grande vitória foi quando consegui parar a autoestrada, que chamavam “panorâmica”, em cima da arriba fóssil da Costa da Caparica – como é possível alguém pensar em construir ali uma coisa dessas!? Com o Terreiro do Paço, foi a mesma coisa. Achava escandaloso que o Estado estivesse a ocupar as arcadas com garagens e armazéns. E queriam construir ali um túnel que eu embarguei e que, antes da decisão do tribunal, inundou. Isso deu-me notoriedade.
Como preparava as ações?
Não era uma coisa “parece-me bem, parece-me mal”. Socorria-me sempre de técnicos bons, estudava a história dos sítios e dos solos. Esta frente ribeirinha, por exemplo, é só lodo, como todos sabemos. Até que há a ação mais mediática do Túnel do Marquês.
Quando hoje anda pelas ruas de Lisboa, como as pessoas interagem consigo? Ainda há muita gente zangada por causa do Túnel do Marquês?
Algumas sim. E há pessoas que tenho conhecido ao longo dos últimos 12 anos que me têm uma aversãozinha por causa do túnel. Depois eu explico e elas dizem: “Eh, pá, então se foi assim, está bem.”
E o que lhes explica?
É muito simples, porque é a verdade. Tinha tido a experiência do túnel do Terreiro do Paço. Quando começaram a anunciar o do Marquês, pedi para ver o processo. Não me deixaram consultá-lo, o que era estranho. Pus uma ação em tribunal para pedir a consulta, e foram obrigados a mostrar-mo. Levei um engenheiro e um arquiteto para verem o processo: constatámos que não havia projeto; havia uma espécie de estudo prévio com umas plantas e mais nada. Não havia projeto de execução: ia-se fazendo e logo se ia decidindo! Mas, mesmo no estudo prévio, o túnel esbarrava no metropolitano. Ponho a ação por causa disso e com o argumento jurídico de que havia uma norma na lei que dizia que era preciso haver estudos de impacto ambiental. No julgamento que durou pela noite adentro, que parecia uma cena do Orson Wells, estava um desses grandes escritórios de advogados com um batalhão de gente a defender a câmara e, do outro lado, estava eu. E quem foi a grande testemunha que eu tive? O construtor que confirmou que não existia projeto e que o túnel esbarrava no metro, mas que isso era uma coisa que eles iriam ver. Os três juízes estavam boquiabertos e não tinham outra hipótese senão parar a obra. Durante o momento em que ela esteve parada, foram estudando e resolvendo estas coisas: a inclinação, a ventilação, a iluminação, tudo o que devia ter sido feito anteriormente. Mas uma coisa eles nunca resolveram: o metro. O LNEC, entretanto, sai com um parecer a dizer que para o túnel passar por ali teria de se reforçar o metro todo e, por isso, é que o túnel é inaugurado até ao Marquês, mas aquela passagem a seguir dura mais um ano.
É uma história que ainda o persegue. Valeu a pena?
Persegue, sim, mas valeu a pena. Aquilo de facto perturbou a vida de muitas pessoas durante um ano; sei que parar uma obra chateia toda a gente. Entretanto, saiu uma sentença do Supremo Tribunal que não analisa os factos, apenas vê se é preciso um estudo de impacto ambiental ou não, porque esse era o argumento jurídico que eu utilizei. Como a lei era dúbia, mandou desembargar a obra. E meteram-se grandes cartazes na rua: este homem é responsável por ter parado isto. Este malandro! Foi uma propaganda como eu nunca vi contra uma pessoa sozinha.
E a obra custou mais 40 por cento.
Isso não é verdade. Há coisas que custaram mais, porque eles não tinham o estudo feito e tiveram de mudar muita coisa para reforçar os túneis do metro. Mas a campanha foi muito intensa e as pessoas interiorizaram esta informação falsa.
Acha que se fosse hoje, com os temas do ambiente na ordem do dia e com as redes sociais, o desfecho teria sido diferente em termos de imagem pública?
Perdi, sim. Mas não sei se teria sido diferente – as redes funcionam com radicalismos… Se calhar era a mesma coisa. E a vida também nos ensina que temos de sofrer com as consequências do que fazemos com consciência, mesmo que essas consequências sejam injustas. O Presidente da Câmara de Paredes de Coura, que é um homem incrível, que faz daquele território milagres, costuma dizer-me: “Ó Zé, a gente tem de ter toucinho.” No fundo, o que ele quer dizer é que temos de ter caráter. Eu acho que tenho toucinho.
E hoje fala com Santana Lopes?
Cumprimento-o. Só há duas pessoas com quem eu não falo.
Quem são?
Aquele homem que me tentou corromper e o advogado que o defendeu, porque disse coisas inacreditáveis [Domingos Névoa, da Bragaparques, e Artur Marques]. E há um juiz com quem eu não falo, que anda aí e que também já foi acusado de umas coisas…
Rui Rangel?
Não aperto a mão a essa gente. Não faço fretes para parecer bem.
Espantaram-no algumas críticas que recebeu na altura, quando denunciou a tentativa de corrupção, através do seu irmão Ricardo, para viabilizar o negócio do Parque Mayer?
Bom, aquilo foi claríssimo, ficou provado em tribunal. O homem foi condenado e só não foi preso porque o crime prescreveu.
O seu irmão gravou tudo, foi um episódio de filme.
Sim, demos a cara por aquilo. Além disso, este é um País onde há complacência para com a corrupção, mas o meu irmão fez um trabalho extraordinário de firmeza e de caráter – ficou bem claro o quão podre isto andava.
Quando metia as ações populares, assinava sempre como “um homem de Lisboa”. Ainda é isso que o move hoje na política?
Sim, completamente. Eu não queria entrar na política; tinha uma ação cívica completamente descomprometida. Mas, nessa altura, Lisboa tinha vários projetos terríveis: construções no Vale da Montanha, no Casal Ventoso, em linhas de água… E havia caminhos extraordinários onde se devia investir, porque valorizariam a cidade, e onde nada era feito. Estava tudo num estado caótico e com problemas financeiros graves. E o Gonçalo, que já estava a desligar-se do Partido Monárquico, disse-me: “Ó Zé, tem de meter-se nisto. Temos de fazer aqui um movimento.” Eu disse que nem pensar, que não tínhamos estrutura, nada. Mas é nessa altura, em 2005, que me aparecem o Francisco Louçã, o Luís Fazenda e o Miguel Portas, no meu gabinete, a dizerem que gostavam muito que eu fosse candidato, uma coisa independente.
Qual foi a sua reação inicial?
Fiquei um bocado pasmo, porque não tinha nenhuma ligação ao Bloco de Esquerda (BE). Disse que ia pensar e, logo nesse dia, fui falar com o Gonçalo, ao Restaurante Paris. Telefonei para o meu irmão e para o António Barreto, falei com os três. “Tem de ir. Isto está o caos e é preciso meter o pé dentro da câmara”, disse-me logo o Gonçalo. “Mas, de certeza? Isto é pelo BE”, contrapunha eu. “Isso não interessa nada. O que interessa é lá entrar e termos o nosso programa”, dizia-me o Gonçalo. O meu irmão também me deu força, disse-me que eu devia deixar de ser Dom Quixote a lutar contra moinhos de vento e ir tentar mudar as coisas por dentro. O António Barreto, a mesma coisa, avisando-me: “Cuidado Zé, porque vai ficar com a cruz de o identificarem com o BE pelo menos durante 10 anos.” Fizemos um acordo escrito com o BE e lá fui. Nessa altura, já tinha posto a ação do Túnel do Marquês, mas não era ainda conhecida a decisão.
Como foram os primeiros anos?
Quando cheguei à câmara comecei a ver os processos
e a descobrir uma série de coisas inacreditáveis. O executivo não aguentou dois anos e houve eleições intercalares. A nossa associação, Lisboa é Muita Gente, foi com o BE. Mas disse sempre que, se houvesse hipótese de fazermos um acordo com o PS, o devíamos fazer. Eu sou eleito outra vez e liga-me António Costa.
Que já nessa altura mostrou ser um negociador hábil.
Sim. Fomos todos – eu, o tipo do BE, o António Costa, o Manuel Salgado e o Marcos Perestrelo – tentar um entendimento escrito: reunimos em casa do meu irmão e chegámos a um acordo, que foi sempre o mesmo e que assentava na estrutura ecológica da cidade: o que se pode e o que não se pode fazer, e como se liga a cidade toda em verde. A base era esta, e depois acrescentaram–se as questões da água, da energia, etc.
Ou seja, o plano que tem vindo a executar já estava delineado nessa altura?
Sim, com evoluções, mas a base era essa. Trago-lhe aqui os acordos assinados naquela época e pode meter um certo em tudo: está tudo feito! É muito gratificante. Quem me dera que o Gonçalo pudesse ir passear comigo agora e ver esta coisa… Mas isto fica e é um legado também dele.
Como foi a sua relação com o Bloco de Esquerda?
A pessoa vai aprendendo e apercebendo-se de como a política é traiçoeira. Percebeu-se logo que o BE não queria que se assinasse o acordo com o PS. É curioso… Antes disso, tinha apertado a mão, várias vezes, a Maria José Nogueira Pinto, do CDS, e a Rúben de Carvalho, do PCP, porque havia coisas que saltavam tanto à vista que concordávamos todos. E com eles bastou apertarmos a mão.
Infelizmente, já nenhum dos dois está cá.
Sim, eram duas figuras a quem apertávamos a mão e que cumpriam, porque era um caminho que tinha de se cortar. Eu avisava, ligava ao Carmona Rodrigues e dizia: “Olha que isso é um erro crasso.” Podem dizer de mim o que quiserem, mas não podem acusar-me de falta de transparência nem de deslealdade.
Como aconteceu a rutura com o Bloco de Esquerda?
Vou contar, porque acho que é muito sintomático da política e de como se fazem as traições e se inventam argumentos. Todas as semanas, reuníamos quatro pessoas do BE e quatro da minha confiança, que não estavam ligadas ao partido, para discutir como se aprovavam as propostas que iam à reunião de câmara. E pensou-se em entregar a medalha de mérito a Durão Barroso que, entretanto, tinha sido nomeado comissário europeu. Nesse encontro semanal, os representantes do BE disseram “sim, senhor, que nunca se pode estar contra uma medalha”. E eu apontei “votar a favor”.
Muito estranho, conhecendo o Bloco de Esquerda…
Pois! Quando cheguei à reunião de câmara, estava a achar aquilo suspeito e decidi não votar. Era uma reunião sem público, e eu saí da sala. Não votei…
Teve faro político?
Foi puro instinto. Mas ninguém sabia que eu não tinha votado! Quando chego lá a cima, já estava em todos os emails da concelhia: “Como é possível o nosso vereador ter votado a favor do Durão Barroso?”
Isso é uma bela história.
Isto é uma vergonha! Reuni a minha associação e disse-lhes: “Estes tipos querem fazer-me a folha.” Mas combinámos que resistiria, apesar da canalhice, e que nos iríamos preparar para a próxima. Fizemos um acordo, assinado por António Costa, e se ele não falhar no acordo, seguimos com o que era preciso fazer. Claro que o BE queria era acabar com o acordo e desfez aquilo.
Porquê, consegue agora perceber à distância?
Era uma questão nacional: o facto de eles estarem aliados ao PS em Lisboa trazia-lhes problemas e dava argumentos aos adversários na guerrinha com o PCP. Mas não se deve fazer isto a ninguém. Preparar armadilhas para não cumprir um acordo. Foi uma grande lição: percebi que há pessoas que apertam a mão sem querer e que há pessoas que apertam a mão com convicção.
Já António Costa é um homem conciliador mas de palavra?
O aperto de mão de António Costa é um bom aperto de mão: ele cumpriu com tudo o que tinha combinado comigo e com a minha associação. E é um homem muito sensível. Tenho reparado numa campanha que há agora para se passar a ideia de que ele não tem coração, e isso é mentira.
Vamos falar da Lisboa Capital Verde Europeia. Como se lembraram de concorrer a estes prémios, se nenhuma cidade do Sul da Europa alguma vez os tinha ganho?
Começámos a perceber que este trabalho feito era uma coisa única: unir o verde na cidade gastando pouco dinheiro. Conseguimos levar gente para os jardins: a ideia dos quiosques, que é minha, tinha como objetivo levar as pessoas para os jardins e fazer com que a cidade fosse apropriada pelas pessoas. Além disso, fizemos redução do consumo da água, utilização de energias renováveis com os painéis fotovoltaicos, introduzimos as bicicletas, tínhamos coisas para mostrar. Candidatámo-nos uma vez em 2015 e perdemos para Oslo, na final. Mas aprendemos como fazer. Apresentámos uma candidatura baseada na evolução, que foi enorme, e foi assim que ganhámos.
Quais foram os argumentos que mais pesaram?
A estrutura ecológica foi essencial: sendo uma cidade pequena e consolidada, para o ano conseguimos fazer mais 350 hectares novos face ao que existia há 12 anos. Isto impressiona e tem consequências noutras coisas: mais área verde, mais árvores, melhor combate às ondas de calor, mais zonas silenciosas, menos zonas poluídas, mais zonas de infiltração, melhor captura de águas. E temos mais áreas verdes e gastamos muito menos água do que gastávamos há 10 anos. E, um ponto fundamental, temos mais coesão social, porque a cidade está ligada, e os parques e jardins são zonas de toda a gente: não há sítio com mais liberdade.
Onde estava quando soube que ganhámos o prémio? E a quem ligou logo: ao seu mestre Gonçalo?
Eu estava lá! Infelizmente, o Gonçalo já não estava bem, mas teria ficado muito feliz por saber desta conquista da cidade para a qual dei um contributo de que me orgulho. Do que acordei detalhadamente em 2013, para o ano está tudo feito, à exceção de uma coisa ou outra de pormenor. E isso enche-me de orgulho, claro.
Como é a sua relação com Manuel Salgado, vereador do Urbanismo?
Eu e o Manuel Salgado tínhamos e temos muitas divergências na maneira de olhar para a cidade. Mas aí está a habilidade de António Costa. O que ele fazia? Ia passear connosco pela cidade, à meia-noite, à uma da manhã, durante horas. Íamos andando e vendo as coisas, e ele dizia: “Ó Manel, ele é capaz de ter razão nisto! Ó Zé, não sejas assim, olha que aqui isto fica bem!” Ele tem jeito para isto, não há dúvida alguma. E a aprovação do Plano Diretor Municipal foi essencial para abrir caminho para tudo o que foi feito depois. No meu pelouro ou não, há coisas visíveis e que ficaram feitas ou que ficam para o ano: Cais do Sodré, Campo das Cebolas, Praça de Espanha e ligação ao Corredor de Monsanto, Praça Humberto Delgado com a de Sete Rios; para o ano conseguimos ir de Belém até à Ameixoeira sempre em verde.
E há um número impressionante: 76% da população vive a 300 metros de uma zona verde.
Penso que até já estamos mais à frente. Tenho mais dois orgulhos: as bicicletas na cidade e os mercados renovados, onde tive sorte de ter bons parceiros: o da Ribeira e o de Campo de Ourique.
Mas as trotinetes estacionadas por todo o lado não perturbam a paisagem?
A mim não me perturbam nada. Acho que este boom foi uma coisa inesperada; agora só temos de arrumá-las. Se me perguntar se tudo correu bem… Nestes 12 anos, claro que nem tudo correu bem. Há coisas com que eu não concordo, evidentemente. Mas nestes apertos de mão que se dão – e eu dei dois a António Costa e outro a Medina –, há uma lealdade que se deve ter.
O que não correu bem?
Não posso dizer. Para o ano vou falar muito mais do que falei até agora, porque até aqui tive de manter alguma reserva, naturalmente. Vou dar-lhe um exemplo.
O projeto para o Rato?
Sou contra e votei contra! O edifício da Almirante Reis, sou contra. Há casos que eu não calo, e há outros que condescendo com contrapartidas. Condescendi por exemplo na Matinha, acho que a edificação aprovada é excessiva mas já vinha de antes. Então temos de ter um grande jardim na frente ribeirinha que está quase pronto e é espetacular.
No que diverge mais com Manuel Salgado?
É neste tipo de coisas. Eu acho que há sítios onde não se pode construir e ele tenta sempre arranjar um argumento de que é possível, porque depois não sei quê…
E ele tem consciência ambiental?
É muito melhor vereador do que os outros que estiveram cá. Estive em reuniões com vereadores, não vou dizer quem, que nem sabiam olhar para uma planta! O Manuel Salgado, como arquiteto, trouxe essa mais-valia para a câmara, além de outra: um belíssimo conhecimento da cidade e dos processos. Mas não é um ambientalista. Acho que podíamos ter feito muito mais construção sustentável do que a realizada até agora, mas ainda estamos a tempo de fazer isso. Acredito que a lealdade é importante e, apesar das divergências que são públicas e afirmadas mutuamente, acho que a última discussão sobre Manuel Salgado ser presidente da Sociedade de Reabilitação Urbana não faz sentido nenhum: é uma questão de coerência política, ele já era e continua a ser, deixa só de ser vereador da cidade.
Não devíamos ter feito mais para a evitar a gentrificação? Para que serve uma cidade cheia de espaços verdes se não tem habitantes lisboetas a viver no centro da cidade?
Lisboa está com mais habitantes do que quando eu cheguei. Mas a questão da habitação é um problema gravíssimo que tem de ser atacado e já o devia ter sido há mais tempo. Sempre defendi a renda condicionada e a renda acessível, isso está também nos nossos acordos. Percebia-se que depois da crise vinha aí um boom, e demorámos tempo a reagir. O plano que a câmara tem em mãos é bom, mas vai demorar uns anos. Precisamos de dez mil casas…
O que tem previsto de programação a partir de janeiro para marcar a Lisboa Capital Verde Europeia?
A programação vai assentar em cinco pilares. O primeiro é a informação: dizer às pessoas como estamos numa série de parâmetros essenciais – água, ruído, zonas verdes, poluição do ar – e ensinar-lhes como podem poupar água, energia, etc. Espero poder ter a maior coleção de livros de botânica alguma vez feita por portugueses. Vamos ter grandes exposições, algumas imersivas, em Lisboa sobre vários temas: reservas e parques naturais de todo o País, no Museu Nacional de História Natural e da Ciência, mas também sobre água, no Pavilhão do Conhecimento, jardins históricos, energia, oceanos, resíduos… E envolvemos todas as instituições nisto: Oceanário, CCB, Gulbenkian, Culturgest. O segundo é a participação: das empresas, escolas e universidades. Vamos lançar uma série de concursos para envolver as pessoas. Por isso, aumentámos o orçamento participativo de 2,5 milhões para 5 milhões de euros. O terceiro e o quarto eixos são a valorização e o debate: vamos mostrar as coisas boas feitas em todo o País, em várias áreas, através de dezenas de conferências e conversas. A gestão das mais-valias é um bom debate para o Interior: mostrar as histórias boas que temos e como podemos fazer ainda melhor. E depois, para terminar, o compromisso: vamos assumir metas para 2030, para a câmara, para as empresas e para as pessoas.
Quando foi anunciado o prémio fez uma promessa. Pode contar?
Entrei na catedral da cidade e prometi que, se ganhasse, ia deixar de fumar a partir de dia 1 de janeiro.
É um homem de fé?
Sou, tenho essa coisa. Sou católico e, normalmente, não gosto de prometer nada, mas aquela saiu-me e agora é cumprir. Aqui na câmara ninguém acredita, todos se metem comigo. Mas eu sei o que prometi. É só no início do ano, quando começar a Capital Verde. [Risos.] Já viu o que eu fumo?
Vão apanhá-lo de mau humor, está visto!
Não, sou muito bem-disposto. Posso mesmo dizer que sou a pessoa mais bem-disposta do executivo da câmara – eles vão ficar furiosos, mas não faz mal. [Risos.]
E depois de Lisboa Verde? Está disponível para continuar na câmara nas próximas autárquicas ou quer fazer outras coisas?
Acho que depois de a estrutura ecológica estar feita, de o processo de água reciclada estar a andar, para o ano vamos ter a primeira central fotovoltaica para abastecer autocarros elétricos, terei a sensação de missão cumprida, mas também tenho uma grande necessidade de intervenção. Acho que os rios portugueses são lindos e há muito a fazer. A começar pelo Tejo.
E não gostava de fazer a mesma coisa numa outra grande câmara, como, por exemplo, no Porto?
Não, o meu pai era do Porto e eu tenho família lá, mas sou um homem de Lisboa e só consigo mesmo ser autarca aqui. Nem me vejo com cargos governativos. Sou uma pessoa de ação, e formar uma equipa para tratar de uma coisa ou outra entusiasma-me. Para já, quero que o ano corra bem e que haja uma discussão séria sobre o ambiente. Há muita desinformação, muito radicalismo, muito pouco equilíbrio na análise das questões.
E Fernando Medina seria um bom substituto para Mário Centeno, como recentemente se falou?
Acho que foi alguém que inventou isso, nunca falei sobre esse assunto com o Medina. Creio que o Centeno tem características que o Medina não tem. Mas um presidente de câmara tem um cargo muito exigente e uma agenda infernal, maior do que um ministro. É chamado para tudo.
Alguma vez se imaginaria presidente de câmara?
Nem pensar! O presidente da Câmara Municipal de Lisboa, no estado em que está a política, tem de estar ligado a um partido grande. E eu não me vejo num partido grande: essas coisas internas dos partidos, eu não saberia geri-las. Não percebo como dentro dos próprios partidos dizem tão mal uns dos outros. Em todos eles tenho assistido a ódios e a deslealdades. Não saberia fazer isso, não sei lidar com as tricas e os grupinhos. Para mim, são todos do mesmo partido e todos têm de trabalhar para o bem comum, mas nem sempre é assim. Também sei de irmãos que se odeiam, e eu e os meus irmãos damo-nos muito bem, não concebo outra forma.
Estes anos na política não domesticaram o homem da luta? Via-se a meter mais ações populares?
Ao longo destes 12 anos, tive muita vontade de meter uma ação popular sobre isto ou sobre aquilo! Mas não podia. O Tejo é um rio fantástico, cheio de sítios lindos, e qual é a única coisa que se ouve na última década acerca do rio?
A poluição?
A poluição em Vila Velha de Ródão! Apetecia-me pôr uma ação popular para acabar com aquela porcaria, para se falar do resto do rio. Mas o que posso fazer como vereador? Mostrar agora tudo o que de bom há, e por isso vamos falar muito do Tejo: a nascente, as lezírias… Acredito, se calhar ingenuamente, que se mostrar o bom, é mais fácil não acontecer o mau. Tenho tentado fazer isto na vida, mas também tenho defeitos. E se agora estivesse como advogado gostava de meter uma ação contra o Bolsonaro. É um crime o que está a acontecer na Amazónia.
Um ecocídio.
Sim, exatamente. Tenho tido vários “apetites” para meter ações populares. E há coisas que não me saem da cabeça. Como acabámos com as linhas do Tua, por exemplo, é uma delas. Um crime!
Ainda sente essa inquietude de fazer coisas?
Completamente. Houve muita coisa que se conseguiu fazer, outras nem por isso. Mas até posso dizer que houve uma ou outra que se passou aqui na Câmara Municipal de Lisboa que eu gostava de ter posto uma ação popular, mas não posso!
E não pode dizer que coisas foram essas?
Pois não… [Risos.]
Então, e os defeitos?
Sou muito ansioso. Muito. Estou a aprender a domar a minha ansiedade, mas é muito difícil…
As suas caminhadas na Natureza não o ajudam? Vai a Fátima a pé muitas vezes.
Sim, quase todos os anos. Andar a pé na Natureza faz muito bem. Sempre andei muito. Gosto de desfrutar das paisagens, tentar identificar as flores, perceber porque aquela rocha é assim… Andar a pé em peregrinação é diferente, há um foco no destino, e não penso em mais nada: há um vazio do pensamento durante quatro a cinco dias.
Que balanço faz destes últimos 12 anos?
Aconteceu muita coisa, é uma vida. Tive dois grandes amigos que morreram; a um já plantei uma árvore que visito sempre, a outro ainda não plantei, mas vou plantar. A minha filha cresceu imenso, tive duas netas… Casei-me, ganhei dois enteados que adoro. E cruzei-me com pessoas que foram muito importantes neste percurso: Pedro Bidarra, que inventou o slogan “O Zé Faz Falta”, Duarte Cordeiro – senti muito quando ele saiu do executivo camarário para ir para o Governo –, Ângelo Mesquita, um dos funcionários mais antigos da CML e que me acompanha desde a primeira hora nesta aventura, Susana Carvalho, que desenhou esta campanha para a Capital Verde por amor à causa ecológica… E ainda tenho amigos no BE: tinham, é um facto, aquele culto da tolerância com o outro que é extraordinário.
Como ficou a sua relação com Francisco Louçã? Também se cumprimentam?
Cumprimentamo-nos. E um dia destes convidei-o para plantar uma árvore: apesar de tudo, fez parte deste percurso. Gostava muito de ter todos os partidos a plantar árvores em Lisboa.