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A solução, além de inédita, era altamente improvável. PS e PCP, esses inimigos de longa data, juntos, no mesmo barco? Onde estava a memória das aproximações, das conversas falhadas, das portas fechadas e das desconfianças mantidas ao longo de 40 anos de democracia? A perspetiva de juntar o Bloco à equação tornava a situação à beira do risível.
No entanto, na cabeça de António Costa, naquelas semanas que antecederam as legislativas de 2015, a ideia fazia o seu caminho. O líder socialista vai deixando cair sinais mas nada de ser claro. Costa conhece bem o povo. “Se dissesse antes das eleições, de forma taxativa, que a sua intenção era apoiar-se no PCP e no BE [caso PSD e CDS, na coligação Portugal à Frente, não tivesse maioria], sabia que podia perder de vez os votos do eleitorado mais ao centro ou naqueles que votariam nele a 4 de outubro apenas porque não queriam continuar com a dupla Passos/Portas”, escrevem Márcia Galrão e Rita Tavares, no livro com lançamento marcado para quinta feira, 29.
Só no domingo, 4 de outubro, horas antes de se dirigir ao Hotel Altis, onde acompanharia a abertura das urnas, é que António Costa abriu o jogo. Juntou, no Largo do Rato, um “secretariado alternativo”, uma “cúpula clandestina”. As sondagens davam conta da vantagem da direita. Costa queria colocar todos cenários em cima da mesa e preparar a reação aos resultados eleitorais. As conclusões dessa reunião (para a qual Sérgio Sousa Pinto, amigo pessoal e companheiro de longa data de Costa, não tinha sido convidado) seriam apresentadas, dois dias depois, ao Secretariado (oficial) e Comissão Política do PS.
Mas antes de lá chegarmos, houve a noite eleitoral.
Uma derrota com sabor a vitória
Encerrando a noite eleitoral, da qual tinha saído derrotado, António Costa falara, num curioso ambiente de vitória. Já passava da meia noite quando é publicado, no site da VISÃO, uma notícia que passa despercebida à maioria dos leitores. Dando por encerrada a noite eleitoral, a notícia dizia, entre outras coisas: “Costa estará a preparar-se para criar um entendimento com os partidos à sua esquerda, cujos líderes deixaram claro (pela voz de Jerónimo de Sousa e Catarina Martins), nos seus discursos de encerramento da noite eleitoral, não estarem dispostos a viabilizar um governo de direita no Parlamento.
Recusando embarcar na “maioria negativa”, Costa tinha de ter outra opção na manga: convidar os partidos à sua esquerda a sentarem-se à mesa e criarem uma alternativa. E, neste contexto, o líder socialista deixou claras as suas condições – um virar de página na política de austeridade, a defesa do Estado Social, relançar ciência e inovação e o respeito pelos compromissos europeus.”
Na segunda feira, os jornais davam conta dos resultados eleitorais. O Portugal à frente ganhara, mas sem maioria absoluta.
Na terça, Costa começa a preparar a sua equipa. Ao almoço, convida Pedro Nuno Santos (que se mostrava cético) para seu braço direito nas conversações à esquerda. Pouco depois, desafia Centeno (o homem do cenário macroeconómico) para o acompanhar nesta batalha. Mais tarde, junta o Secretariado numa reunião que ficou célebre pela violenta discussão com Sérgio Sousa Pinto (que, por discordar frontalmente do caminho seguido, abandonaria o Rato e, mais tarde, se demitiria do Secretariado). Carlos César, também pouco convencido com a solução, apenas insistiu que “no texto que Costa ia tentar validar na Comissão Política dali a pouco estivessem não só as conversações com a esquerda, mas também com a direita.”
Mas o dia não se centrou apenas nas hostes socialistas. Nesse dia, Cavaco recebia Passos Coelho em Belém, onde estas movimentações não passavam despercebidas. Na Soeiro Pereira Gomes, sede do PCP, o Comité Central reunia e, já em conferência de imprensa, Jerónimo dava o mote para as notícias do dia seguinte: “O PS só não forma governo porque não quer.” Era a forma de “assumir a dianteira nas negociações”. Não se podia deixar ultrapassar pelo Bloco, que tinha tido “a subida mais significativa em número de votantes”. Dias depois, Luís Fazenda, do BE, repetiria a ideia, ao Observador: “Nada impede o PS de formar governo, não será pelos partidos à sua esquerda que isso não acontece”.
Como Costa montou a geringonça em 54 dias conta, relata, com a cadência diária, como o PS perdeu as eleições mas constituiu governo com o apoio parlamentar do PCP, do BE e do PEV, ou como, dizem as autoras, “António Costa conseguiu, em 38 dias, segurar-se no PS [quando já havia movimentações para a sua sucessão] e negociar uma inédita solução de poder à esquerda”. Dezasseis dias depois, Cavaco Silva, já em fim de mandato e muito a contragosto, nomeava-o primeiro ministro de Portugal.
Pelas 334 páginas do livro, com prefácio de Pacheco Pereira, as jornalistas Márcia Galrão (da VISÃO) e Rita Tavares (do Observador) percorrem esses 54 dias loucos, descobrindo que se “chegou a falar de um programa de governo conjunto, ou algo parecido”, explicando porque foram assinados três acordos e não apenas um ou porque é que PCP e BE não integraram o governo liderado pelo PS.