O assunto é tão quente como os dias que correm. E não foi de férias. Petróleo e gás de xisto no Algarve? Os autarcas estão unidos e dizem a uma só voz: rasguem esses contratos! A palavra a quem está à frente dos destinos de Aljezur e também defende os interesses da região, como um todo:
Os membros da AMAL, a comunidade intermunicipal do Algarve, da qual é vice-presidente, chegaram a um consenso em relação à questão do petróleo, repudiando qualquer tentativa de prospeção na região. É muito comum porem-se assim de acordo?
Quando se trata de defender a região, não temos qualquer problema em nos acertarmos. Neste momento, e em relação ao problema do petróleo, o Algarve está mais unido do que nunca.
O que os atormenta mais nesta questão?
O facto de o anterior Governo ter assinado, mesmo no final da legislatura, e nas nossas costas, os contratos de exploração direta de duas plataformas de terra, sem concurso público. Depois de sermos apanhados de surpresa, tivemos de estudar bem o assunto. Depressa percebemos que não se tratava apenas de um problema de Tavira ou Aljezur, mas de 14 dos 16 municípios algarvios.
Como assim?
Porque chamam-lhe bloco de Aljezur, que inclui todo o Barlavento, e o bloco de Tavira, onde estão todos os concelhos do Sotavento. Só Albufeira, que fica no meio, é que está de fora, assim como Alcoutim.
O que fizeram a seguir a estudarem os dossiês?
Começámos a trocar impressões com quem já andava no terreno, como a Plataforma Algarve Livre de Petróleo (PALP) e a Associação de Surf e Atividades Marítimas do Algarve (ASMAA), para perceber a dinâmica do problema. Chegámos logo à conclusão de que tínhamos em mãos um presente envenenado.
Presente envenenado?
Percebemos que mais não se quer do que fazer experimentalismo industrial em pleno Algarve, em terra e no mar, uma região que tem a economia alicerçada no turismo – em alguns locais, como é o caso de Aljezur, focada no turismo de natureza, onde existe uma rede em espaço rural extremamente valiosa e que começa a quebrar a sazonalidade. Estamos perante um modelo energético ultrapassado e obsoleto, ao arrepio de tudo o que andamos a defender há anos.
E o que defendem?
O desenvolvimento sustentável nos nossos concelhos. Quando o mundo assiste a uma transição definitiva dos combustíveis fósseis para uma economia mais verde, de baixo carbono, de energias renováveis, somos confrontados com isto – sem sermos consultados, sem haver estudos, sem se consultar a população. Nas câmaras municipais apostamos cada vez mais na transparência e na gestão participativa, e depois criam-nos um problema desta dimensão, decidem por nós, com algo que não pedimos.
Se for uma exploração em terra, de que forma isso afetará o Algarve?
Do ponto de vista de todos os impactos. Em águas profundas sabemos que poderá estar uma plataforma a 35 ou 40 quilómetros da costa, mas se essa plataforma estiver numa zona menos profunda, pode ser visível das praias. Em terra, terão de nascer postos de extração e serão sempre intrusivos.
Os contratos preveem a consulta pública, mas apenas se, de facto, a coisa avançar…
Nós não trabalhamos no condicional. Sabemos que a prospeção é uma porta aberta para a exploração e não queremos isso. Além de ser intrusivo, contraria o modelos de desenvolvimento sustentável que queremos. Em algumas vertentes, estamos a tentar corrigir erros do passado – só faltava agora fazer mais um disparate destes!
Como responde quando lhe dizem que os primeiros trabalhos serão apenas científicos?
Digo que é mentira. A prospeção é o primeiro passo para o desenvolvimento e exploração. Esses trabalhos de avaliação da estrutura geológica devem ser feitos, sim, mas por quem sabe e onde se fomenta o conhecimento e a investigação. Ou seja, nas universidades. Permitir que uma companhia petrolífera ou uma associada faça esse trabalho é estar a passar-lhes um cheque em branco – “se encontrares, depois exploras”.
Não considera importante para Portugal que, existindo petróleo ou gás natural, ele seja explorado?
Está a perguntar no Algarve?
Se fosse no Norte já não havia problema?
Não sou daqueles que não gosto do meu quintal e mando para o quintal dos outros. Acho é que se a entidade nacional para o mercado dos combustíveis diz que não há nada disto em Portugal…
Não dizem que não há…
Mas se já não conseguimos consumir a energia que produzimos, por que carga de água vamos produzir mais?!
Para deixarmos de depender dos países produtores de petróleo…
Mas isso é uma hipocrisia. Porque é que a COP XXI (conferência do clima da ONU) demorou dias e dias para chegar a uma conclusão? Porque toda a gente acena com a cabeça quando se fala na descontinuação dos fósseis, mas depois ninguém se faz nada. Eu só não ando num carro elétrico porque não tenho dinheiro, mas é para aí que me empurram as minhas preocupações de preservação ambiental.
Trata-se de uma questão de princípios?
De princípios e de política. Só vejo hipocrisia por parte dos líderes mundiais. Porque é que as petrolíferas, em vez de investirem tanto dinheiro neste tipo de prospeção, não preferem outro tipo de energia? Não basta dizer que mudámos o paradigma, temos de ser consequentes com o que afirmamos.
António Costa está a alinhar nessa hipocrisia?
Não estou a dizer isso. Mas o senhor primeiro-ministro tem a capacidade de acabar com aquilo que foi mal feito, de acordo com aquilo que afirmou e com o Governo que constituiu.
Poderia acabar com estes contratos facilmente?
Acho que seria possível, muito particularmente os dois contratos de onshore assinados em setembro do ano passado. Bastava coragem e vontade política para isso. Até agora, António Costa tem mostrado que não tem preconceito ou tabu para reverter a privatização da TAP, os feriados, a lei das 35 horas…. Aliás, o secretário de Estado da Energia está ciente da posição dos algarvios e comprometeu-se a analisar os contratos do ponto de vista jurídico.
E em relação aos offshore?
Tanto quanto sabemos são em águas profundas.
Esses preocupam-vos menos?
O grau de preocupação é igual.
Mas acham que os onshore serão mais fáceis de reverter?
Exatamente. Sabemos que têm havido pedidos de prorrogação para o início dos furos – esses adiamentos terão a ver com a conjuntura atual e a baixa do preço do petróleo.
Já não é um negócio rentável?
Muito menos rentável. Além disso, eventuais resultados económico-financeiros que possam advir para o Estado não justificam os danos ambientais, a quebra da paz social e as pedras que isto coloca no principal motor de desenvolvimento económico do Algarve, que é o turismo.
Mesmo que compensasse de um lado, descompensaria sempre no futuro?
Pois… Técnicas como o fracking – que não estão explícitas, mas implícitas nos contratos – têm um enorme impacto ambiental. É por isso que digo: hoje, nós, socialistas, que somos Governo, temos a obrigação moral de reverter estes contratos. Haja coragem política, que eu sei que não falta a este primeiro-ministro.