“Quando o Presidente veta, a única coisa que é apreciado [no PArlamento] é o veto. O diploma não volta a ser reapreciado”, garante Isabel Moreira, do PS. Não querendo “contradizer” a colega de hemiciclo, Duarte Pacheco, do PSD, esclarece que serão reapreciados os diplomas, tendo em conta a argumentação do Presidente da República. A votação, que será feita de imediato, poderá confirmar os decretos ou propôr alterações. “Já têm acontecido as duas coisas”, esclarece.
Independentemente da forma de apresentar a sessão, a verdade é que, na quarta-feira, os partidos com assento parlamentar discutirão e votarão os dois diplomas devolvidos pelo Presidente à Assembleia da República: o primeiro sobre a Interrupção Voluntária da Gravidez (nomeadamente o fim das taxas moderadoras, da consulta prévia de aconselhamento psicológico e da consulta, posterior, de planeamento familiar, introduzidas pela maioria PSD-CDS na última sessão da passada legislatura e que a nova maioria quis desde logo reverter); e o segundo, sobre a eliminação das discriminações no acesso à adoção, permitindo-a a casais do mesmo sexo.
A defesa da posição do PS sobre a IVG está a cargo de Isabel Moreira, que não tem pudor em dizer que “o veto, neste caso, não serviu para nada.”
Por um lado, o diploma foi “aprovado por mais de maioria absoluta”. De facto, mereceu os votos a favor dos deputados do PS (com exceção do deputado Ascenso Simões, que votou contra), BE, PCP, PEV, PAN e da deputada do PSD Paula Teixeira da Cruz (ao arrepio da disciplina de voto imposta pelo seu partido) e os votos contra do PSD e CDS-PP. E nenhum dos partidos pretende alterar, agora, o seu sentido de voto.
Por outro lado, porque não se trata de matérias de inconstitucionalidade (caso contrário o Presidente teria encaminhado o diploma para o Tribunal Constitucional e o Parlamento teria de o expurgar da inconstitucionalidade). Tratando-se de um veto político, os deputados deverão apenas confirmar a sua posição sobre a matéria e devolver o diploma a Belém. Perspetivando-se uma repetição da votação, ao Presidente não restará alternativa senão promulgá-lo, no prazo de oito dias.
“Três coisas incompreensíveis” do Presidente
No entender da deputada socialista, há “três coisas incompreensíveis” nestes vetos de Cavaco Silva:
Primeiro, e em relação ao “regresso à normalidade em relação ao IVG”, o Presidente “vetou uma lei que tinha promulgado em outubro e que sido muito debatida.”
Segundo, devolve-o à Assembleia da República, “sabendo que vai ser derrotado.” Ora, prossegue a deputada, o Presidente justificou a promulgação do diploma sobre casamento entre pessoas do mesmo sexo com o facto de ter sido aprovado por “maioria absoluta”, pelo que o veto “só atrasaria o processo legislativo e prejudicaria os portugueses”, recorda. Mas “agora, faz o contrário!”
Por fim, “faz o que em direito chamamos ‘desvio de veto’: invoca jurisprudência de constitucionalidade, para fazer um veto político. Ou seja, veta politicamente, enxertando na fundamentação do veto uma questão de constitucionalidade porque sabe que o Tribunal Constitucional não lhe daria razão.”
Isabel Moreira pode não compreender as razões do Presidente, mas não tem dúvidas sobre o efeito: “o Presidente demonstrou, de forma bastante visível, que não quis ser derrotado no Tribunal Constitucional – mas acaba o mandato com uma derrota no Parlamento.”
PAN sem voz no debate
André Silva, o único deputado do PAN, não terá tempo para debater um diploma por que o seu partido “tanto tem lutado.”
Mas, se o regimento lhe permitisse falar sobre a adoção por casais do mesmo sexo, o deputado (que representa 75 mil votos) erguer-se-ia contra o veto, porque “estão em causa direitos e discriminações”. Erguer-se-ia ainda contra os prazos para as decisões políticas e parlamentares: “Passaram mais de dois meses desde o dia em que os projetos de lei do PAN, do Bloco de Esquerda, do PS e dos Verdes, foram aprovados na generalidade e o dia em que o Presidente da República Portuguesa anunciou o veto incompreensível”, refere, numa nota enviada à comunicação social.
A posição do PAN, garante André Silva, continua a mesma: a de que, “em Portugal existe uma clara e evidente discriminação em relação à parentalidade. E o tempo urge para estas famílias. O tempo urge para estas crianças. Por isso, devemos discutir, reapreciar e votar este decreto conscientes de que a discriminação vive, de facto, à velocidade da luz.”
Discussão e votações seguem dentro de momentos – na quarta feira, depois da terça de carnaval.