Uma centena de inspetores da Polícia Judiciária juntaram-se, num gesto inédito, em meados de dezembro, para denunciar a falta de meios para investigar a corrupção. Fizeram-no através de um abaixo-assinado entregue à ministra da Justiça e ao diretor–nacional da PJ pela Associação Sindical dos Funcionários de Investigação Criminal. Ao longo do documento, os inspetores concretizavam as carências: carros com pneus carecas que se desligam no meio da autoestrada, equipamento informático inadequado ou da Idade da Pedra, poucos profissionais para tantas diligências.
A gota de água para esta atitude foi, de acordo com o Diário de Notícias, a falta de meios evidenciada numa operação de buscas sem precedentes, realizada a residências, escritórios e sedes do BES e do Novo Banco, no final de novembro.
Nessas diligências, que envolveram 200 agentes de diversas polícias, terá havido um momento embaraçoso, com os responsáveis do banco a emprestarem caixas e discos externos para os inspetores armazenarem provas importantes para a investigação.
As buscas ao universo BES foram apenas um exemplo das muitas, do mesmo tipo, que aconteceram nos últimos meses, no âmbito de alguns dos inquéritos mais mediáticos de sempre, como a Operação Marquês, o BESgate ou o caso dos Vistos Gold.
Mas afinal, como funcionam estas diligências? Quem as leva a cabo? Que regras têm? É o que lhe explicamos a seguir.
Normas para buscar
As buscas como as que têm sido realizadas nos inquéritos referidos estão reguladas pelo artigo 177.º do Código do Processo Penal (CPP) e só podem ser ordenadas pela autoridade judicial competente. Quando se trata de entrar num escritório de advogado ou num consultório médico, por exemplo, a operação é presidida pessoalmente por um juiz e comunicada à Ordem dos Advogados ou dos Médicos, sob pena de ser declarada a sua nulidade.
As autoridades consideradas competentes para ordenar buscas são o juiz, o juiz de instrução e os magistrados do Ministério Público, consoante o ato processual em causa. E os operacionais que as realizam são geralmente órgãos da polícia criminal, que podem incluir elementos da GNR e da PSP, mas também da PJ, da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica, da Autoridade Tributária ou da Polícia Marítima.
Horas proibidas
Uma regra de ouro para as buscas é a hora. Diz a Lei Fundamental que “ninguém pode entrar durante a noite no domicílio de qualquer pessoa”. E o número 1 do artigo 177.º do Código de Processo Penal acrescenta que “a busca em casa habitada ou numa sua dependência fechada só pode ser efetuada entre as sete e as 21 horas”, salvo exceções que se relacionam com ao flagrante delito e a defesa do direito à vida e à integridade pessoal.
Por isso é que, quando José Sócrates foi detido à chegada de Paris, ainda no aeroporto, na noite de 21 de novembro, a ida do juiz a sua casa, para procurar provas documentais sobre os supostos crimes praticados pelo antigo primeiro-ministro, foi adiada para a manhã seguinte, na presença do suspeito.
Apesar das limitações horárias, estas operações podem, por vezes, durar horas. Como a recente maratona de buscas à PT SGPS, que começou às onze da manhã e só terminou às nove da noite. Nesse inquérito estavam em causa, de acordo com um comunicado oficial da Procuradoria-Geral da República, “suspeitas de participação económica em negócio e burla qualificada, investigando-se aplicações financeiras realizadas pela empresa”.
Ai as perícias!
De uma diligência tão longa como esta, se a operação não for cirúrgica, podem resultar centenas de quilos de papel ou gigabytes de informação virtual. E aí é introduzida uma questão das mais relevantes: a das perícias.
No tipo de crimes que estão em causa em inquéritos como a Operação Marquês, o caso dos Vistos Gold ou o BESgate, as perícias são usadas para validar as buscas e podem ser informáticas ou bancárias, por exemplo. Noutro tipo de casos, podem ser médico-legais, de balística, forenses, de caligrafia, psiquiátricas, toxicológicas, etc. ?O problema é que, tendo em conta a quantidade de supostas provas muitas vezes apreendida, estas intervenções técnicas podem levar meses.
Em 2008, o jornal Público noticiava a situação extrema de terem sido libertados vários presos “sem que se pudesse apurar se podiam ou não ser responsabilizados criminalmente, devido a atrasos na realização de perícias psiquiátricas, que ultrapassavam o prazo da prisão preventiva”, limite legal para a realização destes atos.
O jornal acrescentava, pela voz do procurador-adjunto Rui Cardoso, que “um teste de balística chega a demorar anos, ao passo que um pedido de informação bancária pode levar dois meses e uma carta rogatória, com pedido de diligências no estrangeiro, pode tardar um ano a ser cumprida”.
Em 2014, a resposta pericial ainda não é tão rápida como nas séries policiais, mas melhorou bastante. “As coisas têm uma morosidade necessária. A celeridade não pode tornar-?-se em precipitação. Temos como objetivo nosso, interno, chegar ao final deste ano sem perícias que ultrapassem os 60 dias”, assumia Carlos Farinha, diretor do Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária, aos jornalistas, à margem da conferência internacional CSI-Lab Mitos e Desafios, em julho.