A ida de Paulo Portas e dos seus dois secretários de Estado para o Palácio das Laranjeiras criou, no final da semana passada, uma tremenda confusão. Quem passasse pela Estrada das Laranjeiras, em Lisboa, aperceber-se-ia do enorme rebuliço causado por homens a carregarem caixas e mais caixas em camiões. Os investigadores que costumavam ir ao edifício consultar a documentação do Arquivo Histórico do Ministério da Educação eram despachados com a indicação de que o serviço estava a ser transferido para o número 107 da Av. 5 de Outubro.
A mesma morada de onde saíra há cerca de um ano, por falta de condições condignas uma transferência que obrigou a um investimento avultado nas Laranjeiras, para serem instaladas salas de arquivo modernas, dotadas de estantes rolantes e uma espaçosa sala de leitura. Mas, pelo menos na sexta-feira, quem lá bateu com o nariz na porta foi-se embora sem uma resposta quanto à data a partir da qual as novas-velhas instalações da 5 de Outubro estão a funcionar. A semana de trabalho terminou, assim, com um grande sururu no palácio, onde também funcionam as secretarias de Estado do Ensino Superior e da Ciência e Tecnologia, tuteladas pelo ministro Nuno Crato, que ali mantém um gabinete.
Isso quando na quinta-feira, 1, um porta-voz de Paulo Portas dizia à VISÃO (e a outros órgãos de comunicação social) que a opção do vice-primeiro-ministro assentara em dois critérios: “Primeiro, tinha de ser um espaço já equipado, que não implicasse custos com obras de adaptação. Em segundo lugar, não podia obrigar ao desalojamento de nenhum serviço existente.” Ora, 24 horas depois, estava a ser desalojado o Arquivo Histórico, acarretando o custo do regresso às Avenidas Novas de centenas de caixas de documentação. E a mudança, a executar entre sexta-feira e domingo, tinha de ser célere porque Paulo Portas, provisoriamente instalado na Presidência do Conselho de Ministros, tencionava mudar-se logo na semana seguinte.
Na sexta-feira, 2, à tarde, do gabinete de Nuno Crato chegava-nos um e-mail: “Nenhum serviço do Ministério da Educação e Ciência sairá do Palácio das Laranjeiras, mantendo-se aí os Gabinetes do Senhor Ministro, do Secretário de Estado do Ensino Superior e da Secretária de Estado da Educação e Ciência.”
História de um palácio
Longe do cinzentismo da Gomes Teixeira, Portas vai poder encher o olho com o magnífico jardim de simetria clara que se espraia à frente do palácio, com ruas que irradiam do lago central, figuras de buxo e vasos de mármore.
Uma perspetiva que já deliciou outros governantes, pelo menos desde a segunda metade dos anos 80, quando Couto dos Santos ali se instalou como secretário de Estado da Juventude e Desporto, num Governo de Cavaco. Também Ramalho Eanes escolheu ter o seu gabinete nas Laranjeiras, depois de ser Presidente da República. O socialista Alberto Martins refletiu ali sobre a reforma do Estado, enquanto ministro de Guterres responsável por essa pasta. Nas últimas décadas, o bonito edifício está mais ou menos entregue a ministros encarregues da Educação, Ensino Superior e Ciência. Por lá, passaram Pedro Lynce, Graça Carvalho, e Mariano Gago.
Não sendo um ex-líbris da cidade, o Palácio dos Condes de Farrobo é um “edifício muito importante da capital”, diz a olisipógrafa Marina Tavares Dias, autora da coleção Lisboa Desaparecida, entre outras obras. Em 1830, foi o primeiro local da capital a ter iluminação a gás, vinte anos antes de a cidade a adotar para os candeeiros públicos. E dado o tamanho da quinta onde se inseriu, acabou por moldar a expansão de Lisboa com a criação das estradas da Luz e de Benfica a delimitarem a propriedade. Foi nesses terrenos que se instalou o Jardim Zoológico, em 1905.
Construído em 1779 e projetado pelo padre Bartolomeu Quintela fora dos limites da cidade, o edifício ganhou grande notoriedade após ter sido herdado por Joaquim Pedro de Quintela, 2.º barão de Quintela e 1.º conde de Farrobo, que ali organizava sumptuosos festejos que marcariam o clima cultural de várias décadas do século XIX lisboeta.
Quintela herdara a propriedade de seu pai, conferindo ao palácio a divisa Otia Tuta (para todos os ócios). O conde de Farrobo era um amante das artes, sobretudo da música, à qual que se dedicava de corpo e alma tocava vários instrumentos, sendo a trompa o seu predileto.
Os principais cantores de ópera europeus da época atuaram no seu Teatro Thalia, anexo ao palácio, onde invariavelmente terminavam todas as festas, nas quais a família real marcava presença, em especial o rei D. Fernando e a sua filha Maria Ana. Foi com estas festas opulentas que, reza a lenda, lembrada por Marina Tavares Dias, Quintela estoirou uma fortuna que demorara dez gerações a criar. Foi por causa delas que surgiu também a expressão popular “farrobodó”.
O palácio mudou várias vezes de mãos, tendo sido comprado pelo Estado, em 1940, para aí instalar o Museu da Marinha. Desde então, foi o local de trabalho de vários ministros.
Portas faz agora uma ruidosa entrada, entre caixotes e camiões.