Tinham passado 30 anos desde a Batalha de Aljubarrota e uma nova geração habituara-se a viver em paz dentro das relativamente apertadas fronteiras do reino. Para cimentar a aliança com a Inglaterra, D. João I casara com Philippa of Lancaster, a nossa “Filipa de Lencastre”, e o casal tivera uma série de filhos, todos eles, como hoje se diria, sobredotados, que ficaram conhecidos por “Ínclita Geração”. E não é que ninguém tirava da cabeça desses “ínclitos” a ideia de fazerem-se ao mar e irem conquistar Ceuta, uma importante praça-forte muçulmana do outro lado do estreito de Gibraltar?
Hoje, muita gente vai a Ceuta comprar aparelhagens e material informático a bom preço e, simultaneamente, encher os olhos com o relativo exotismo daquela cidade do Norte de África. Mas naquele princípio do século XV não se viajava por turismo. Ceuta era o destino de uma das mais importantes rotas de caravanas que atravessavam o deserto do Sara carregadas de ouro e de marfim da Guiné, e quem a possuísse ficaria – em princípio – senhor de muitas riquezas. Estes eram os argumentos usados pelos infantes para tentarem convencer o real pai, mas o que eles queriam mesmo era combater à espadeirada. Eram jovens e queixavam-se do “azar” de não terem vivido três décadas atrás, no tempo dos cercos de Lisboa e da Batalha de Aljubarrota. Bom mesmo, pensavam, teria sido a sua passagem pelo mundo ter coincidido com o tempo das guerras contra os mouros, dois ou três séculos antes… Os rapazes teimavam nisto porque, tal como o fictício D. Quixote de Cervantes, eram leitores compulsivos de romances de cavalaria e gostavam de se comparar aos lendários cavaleiros da Távola Redonda do Rei Artur e aos Doze Pares de França de Carlos Magno.
Por fim, D. João I, que ia então nos 58 anos de idade, lá se decidiu a enviar a Ceuta dois espiões, uns tais Afonso de Mendonça e Álvaro Camelo. Para disfarçar, estes homens de confiança iam no comando de uma embaixada à Sicília que, no caminho, faria escala na cidade norte-africana. Quando voltaram, vinham carregados de informações preciosas: Mendonça contou uma profecia que ouvira segundo a qual Ceuta ainda haveria de ser portuguesa; Camelo construiu com areia e pedrinhas uma maqueta da cidade, mostrando ao rei os seus pontos fracos defensivos.
D. João lá se deixou convencer e, obtida a concordância do vizinho reino de Castela (com o qual Portugal não queria ter mais conflitos), autorizou os preparativos da expedição. Um exército de 20 mil homens, incluindo mercenários ingleses, galegos e bascos, embarcou então em Lisboa no dia 25 de junho de 1415, esperançado em que o assalto iria correr bem. Como os navios eram então muito pequenos, foram precisos quase 200 para transportar aquela tropa toda.
E, efetivamente, a coisa correu bem. A 21 de agosto, a soldadesca desembarcou nuns areais e os mouros foram a correr fechar as portas da cidade, mas a surpresa destes fora tal que no dia seguinte Ceuta já era portuguesa. E foi-o até a Espanha se apropriar dela, a pretexto da União Ibérica de 1580-1640, e nunca mais a devolver. Agora, os espanhóis têm naturais problemas com os marroquinos, que pretendem que a cidade lhes seja devolvida.
Costuma considerar-se o ano de 1415 como sendo o do início da expansão portuguesa para outros continentes, e por este motivo a data de 22 de agosto daria um belo feriado.
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