Desde o começo da guerra na Ucrânia que o ocidente tem combatido Putin através de sanções económicas. O principal objetivo destas medidas é dissuadir o Presidente russo das suas intenções, mas os meios para o atingir implicam, muitas vezes, considerar outros alvos. Os oligarcas russos são um deles: países como os EUA, Reino Unido ou França têm tomado medidas no sentido de restringir muitas das liberdades destas personalidades, nomeadamente bloqueando o acesso a bens como mansões ou iates, congelando contas bancárias, confiscando empresas ou suspendendo o polémico sistema de vistos gold.
Não há dúvida que a elite russa tem sido fortemente impactada pelas sanções económicas do Ocidente, cujas consequências já se têm feito sentir, mas o mesmo não se pode dizer, com certeza, sobre Putin. O Presidente russo não deixa de ser o principal alvo das sanções até porque tem o poder de alterar o curso de todo um país, o que, inclusive, já fez com o começo de uma guerra. Torna-se, por isso, importante garantir que o objetivo das sanções está a ser cumprido. O que impacta os oligarcas, impacta Putin?
Responder “sim” ou “não” pode parecer tentador, mas a resposta talvez seja mais complexa ou, pelo menos, não consensual. Os oligarcas são vistos como elementos próximos do Presidente russo e peças essenciais aos seus jogos de poder, mas isso pode não ser suficiente.
Segundo um relatório publicado em 2020 pela Atlantic Council, uma organização focada no estudo das relações internacionais, cerca de um bilião de dólares, ou seja, aproximadamente 900 mil milhões de euros, estão escondidos no estrangeiro, sendo que pelo menos um quarto será controlado não só pelos oligarcas, como pelo próprio Presidente da Rússia que “parece ser capaz de persuadir os oligarcas dependentes a ajudá-lo financeiramente nos seus empreendimentos de política externa”.
Ao atacar os oligarcas, o Ocidente procurava criar um obstáculo a esta relação financeira entre Putin e alguns dos homens mais ricos do país, pressionando-o, dessa forma, a acabar com a guerra.
Dinheiro é poder e, na Rússia, tanto um como outro se encontra dividido por um número reduzido de pessoas: a elite russa. Segundo um estudo realizado o ano passado pela Boston Consulting Group cerca de 40% de toda a riqueza do país está concentrada em apenas 500 pessoas. O que se torna importante perceber é até que ponto o poder que vem dessas fortunas se traduz em poder político.
Quem são os oligarcas e de onde vem a sua riqueza?
Compreender a relação que possa existir entre os oligarcas e o Kremlin implica recuar no tempo até ao início da década de 1990 quando se declarou o fim da União Soviética e múltiplos ativos antes detidos pelo Estado foram vendidos por quantias significativamente inferiores ao seu valor, abraçando, com isso, o capitalismo até então considerado uma ideia ocidental.
Indústrias de petróleo, fundições de metal ou direitos de exploração de minas eram apenas algumas das oportunidades que estavam a ser oferecidas. Os principais beneficiários desta política foram alguns indivíduos próximos do governo de Boris Yeltsin, o então presidente russo.
Mikhail Kordekovsky, um magnata russo, ficou em controlo da empresa de gás Yuko por apenas 310 milhões de dólares, cerca de 283 milhões de euros, quando se estima que a mesma valha cerca de 5 mil milhões. Como Kordekovsky muitos outros procuraram aproveitar os preços diminutos dos até então ativos do Estado para construírem o seu império. Deu-se, assim, início à era dos oligarcas.
As fortunas destes empresários foram construídas, na sua grande maioria, a partir de acordos como este, baseados no interesse mútuo das partes. Yeltsin teve, inclusive, a sua campanha de reeleição financiada pelos oligarcas que iam acumulando participações em ativos recentemente privatizados. Daqui surgiram múltiplas acusações de corrupção que até hoje foram negadas pelos oligarcas.
Putin foi nomeado primeiro-ministro durante o mandato de Yeltsin e em 2000 apresentava-se ao mundo enquanto o novo presidente da Rússia. Os oligarcas que tinham vindo a enriquecer durante a presidência de Yeltin, e que eram agora membros poderosos da sociedade russa, foram convocados pelo novo Presidente para uma reunião na qual foi esclarecido qual era exatamente o seu papel no país.
Os meses seguintes ajudaram a compreender os tópicos abordados na reunião. Muitos dos oligarcas mantiveram a sua fortuna, mas outros foram perseguidos, investigados e até presos. O ponto diferenciador entre uns e outros parecia ser a existência ou não de influência política. Indivíduos que iam contra as ideias de Putin, principalmente a nível político, rapidamente sentiram as consequências das suas ações.
Kordekovsky, por exemplo, manteve-se no país e foi um dos financiadores da oposição de Putin. Apenas três anos depois do Presidente da Rússia ter assumido o seu cargo, o empresário foi preso por fraude e evasão fiscal durante 10 anos. Desde então, muitos acusam Putin de ser o responsável pela morte de vários membros da oposição e, apesar de o mesmo o negar, o medo não deixou de se instalar, acompanhado de uma mensagem subentendida: estás comigo ou contra mim.
Por outro lado, vários oligarcas que têm acompanhado Putin ao longo da sua carreira encontram-se hoje em posições de poder e à frente de importantes empresas. Aleksej Miller trabalhou com Putin quando este era apenas vice-presidente da câmara municipal de São Petersburgo e hoje é presidente do conselho de administração da companhia de energia russa Gazprom, como recorda a Channel 4 News.
Oligarcas como Miller são considerados parte do círculo íntimo de Putin e existem suspeitas de que em troca de o Presidente russo permitir que continuem a enriquecer sob o seu governo, estes empresários devem financiá-lo quando necessário. Segundo dados partilhados pelo Kremlin, o salário do Presidente é de cerca de 128 mil euros, no entanto, alguns dos seus bens, como o polémico palácio com vista para o mar Negro, não registado sob o seu nome, são significativamente mais caros e existem, inclusive, suspeitas de que Putin possa ser uma das pessoas mais ricas do mundo.
Com isto em mente, e na esperança de que os oligarcas tenham algum tipo de influência sobre as decisões de Putin, foram implementadas as sanções económicas, mas existem dúvidas de que os ataques aos oligarcas sejam significativos no panorama geral da guerra.
O que parece acontecer é que a maioria dos bens de Putin e parte da sua fortuna permanecem sob a alçada de alguns oligarcas russos, que respondem depois aos seus pedidos, como explica no seu livro “Kleptopia”, sobre lavagens de dinheiro internacionais, Tom Burgis. Os próprios oligarcas escondem o seu dinheiro utilizando um vasto conjunto de técnicas ilegais, de que Putin tira partido. Em resposta à CNN, o autor explica: “Em última análise, eles (os oligarcas) devem tudo o que têm ao chefe. E com o estalar de um dedo, como ele mostrou no passado, Putin pode levar tudo”. “Por mais influentes que possam parecer, eles são, em última análise, dependentes dele”, acrescenta.
“Nacionalização das elites”
Quando, em 2014, Putin avançou sobre a Crimeia o mundo reagiu também com recurso a um conjunto de sanções cujos alvos incluíam alguns oligarcas russos. O objetivo destas medidas não foi, no entanto, cumprido e a região foi atacada por tropas russas.
A ideia de que Putin depende de alguma forma deste grupo de magnatas pode ser verdade, mas muitos duvidam de que essa relação seja de algum modo decisiva no futuro da guerra até porque, e segundo um relatório desenvolvido pelo economista russo Vladislav Inozemtsev, e citado pela Slate, a estratégia e mentalidade de Vladimir Putin tem sofrido alterações e o que antes poderia ser, eventualmente, verdade, agora não o é.
As sanções aplicadas aos oligarcas têm colhido os seus frutos, mas pode ser que não sejam aqueles que eram esperados. De facto, vários oligarcas têm, nas últimas semanas, quebrado o silêncio em que até então se encontravam para apelarem publicamente ao fim a guerra. Mikhail Fridman, cofundador do Alfa Bank, um dos maiores bancos russos, foi um dos alvos das sanções económicas do Ocidente e terá admitido, segundo o Financial Times, ter um “desejo fervoroso (…) de que o derramamento de sangue termine”. Abramovich, outro conhecido oligarca russo, terá, segundo o mesmo órgão de comunicação, pedido a Putin para que terminasse a guerra, assumindo, depois, o cargo de mediador nas negociações de paz. No Telegram, Oleg Deripaska escreveu : “A paz é muito importante! As negociações devem começar o mais rápido possível!”.
Inozemtsev não questiona o sucesso das sanções económicas do ponto de vista dos oligarcas, mas antes do ponto de vista de Putin. De acordo com o economista, o Presidente russo tem vindo a promover, nos últimos anos, uma política a que se refere no relatório como “nacionalização das elites”. “Este programa estipulava que os oficiais do governo e empreendedores com fortes ligações ao governo deveriam reduzir a sua dependência dos ativos estrangeiros ou abandoná-los na sua totalidade”, explica.
Esta política foi “bastante bem-sucedida”. “Hoje, cada vez mais os frutos da corrupção são investidos internamente e ex-funcionários adquirem cadeias russas, prédios de escritórios, empresas industriais e cadeias de restaurantes em vez de castelos franceses e luxuosos iates”, escreve no relatório Inozemtsev, acrescentando: “Ultimamente, a maioria dos funcionários do governo, chefes de empresas estatais e empresários que atendem aos interesses das elites políticas federal e regional abandonam os seus laços com o Ocidente”.
Assim sendo, e posto isto, o economista acredita que as sanções impostas a oligarcas com ativos estrangeiros podem acabar por ter um “efeito contraproducente” já que pode “podem atingir empresários que durante anos legitimaram os seus ativos construindo um sistema legal de propriedade de ativos tanto na Rússia como no exterior e, mais importante de tudo, criando as suas fortunas na Rússia de Putin sem procurar capitalizar com recurso a conexões políticas”.
As “sanções contra os oligarcas afetariam a parte das grandes empresas russas cujos proprietários são mais críticos do regime atual e resultariam num efeito oposto ao desejado: o valor dos ativos dos ‘oligarcas sancionados’ cairia drasticamente e as suas empresas seriam rapidamente compradas pelo Estado ou por funcionários corruptos que estão no mercado há muito tempo”, explica Inozemtsev. Aqueles próximos a Putin, por sua vez, “seriam cobertos pelas novas leis russas, estabelecendo que o orçamento do Estado deve compensá-los pelas perdas causadas pelas atividades de nações estrangeiras”.
De 117 russos nomeados na lista da Forbes dos Milionários do Mundo de 2021 “apenas 10 a 15 pessoas se tornaram ricas devido a ligações ao Kremlin”, como salienta o relatório. Isto porque Putin parece estar hoje mais próximo de alguns militares e membros do governo que partilham das suas noções nacionalistas e afastando-se, com isso, dos oligarcas do país.
“É difícil entender exatamente o que está a acontecer dentro do Kremlin e dentro da mente de Vladimir Putin. Mas ele cada vez mais está a apostar num relacionamento estreito com um grupo muito pequeno de pessoas, e eles tendem a estar mais do lado militar e dos serviços secretos do que do lado dos empresários”, disse Jill Dougherty, ex-chefe do departamento da CNN em Moscovo, “porque, obviamente, que se Putin se importasse com negócios, ele não estaria a prosseguir com esta guerra na Ucrânia”.
“Relação de sentido único”
“Estas são realmente as sanções certas? Estão direcionadas às pessoas certas? E, crucialmente, já tiveram algum efeito sobre o comportamento de Putin?”, questiona Angus Roxburgh, ex-correspondente da BBC em Moscovo e consultor do Kremlin num artigo escrito para o The Guardian. A sua resposta foi simples: “não”.
Roxburgh considera que a relação mantida entre Putin e os oligarcas é uma “relação de sentido único”. “Putin permite que eles (os oligarcas russos) prosperem sob duas condições: que eles paguem o dinheiro quando ele precisar e que fiquem fora da política. A ideia de que eles influenciam as suas políticas é pura fantasia”, escreve o ex-correspondente. A prova disso? “As sanções regularmente impostas aos oligarcas desde 2014 não fizeram a menor diferença nas políticas de Putin”, acrescenta, e vai mais longe ainda dizendo que só contribuíram para “aprofundar o ódio já latente de Putin pelo ocidente”.
As sanções são, segundo Roxburgh, importantes meios de combate à corrupção, mas falham em alterar o rumo da guerra já que “nenhum deles (dos oligarcas) tem voz na tomada de decisões do Kremlin”.
Segundo o Financial Times, alguns oligarcas sancionados já terão, inclusive, admitido não ter qualquer tipo de poder de decisão no que toca ao futuro da Ucrânia ou mesmo da Rússia. Fridman, embora tenha apelado ao fim da guerra, não teceu nenhum comentário concreto sobre Putin até porque isso “não teria nenhum impacto nas decisões políticas da Rússia” e poderia colocá-lo não apenas a ele, mas aos seus funcionários, em perigo.
Ainda assim, e mesmo que não existam repercussões diretas das sanções nas decisões do Kremlin, a posição marcada pelos oligarcas pode refletir a forma como as próprias elites estão a começar a percecionar uma guerra que já foi alvo de protestos pelos cidadãos do país que a iniciou.
Outras soluções
Desde o começo da guerra que várias opiniões têm surgido sobre quais as sanções certas a aplicar ou sobre quem deviam ser aplicadas. O facto de as listas de oligarcas sancionados variarem de país para país é a prova de que não existe um consenso sobre quem deveria ser, de facto, sancionado. Alexei Navalny, um opositor de Putin e ativista pela liberdade de expressão, redigiu a sua própria lista de nomes que considerava que deveriam ser sancionados pela sua proximidade ao Presidente russo e enviou-a a Joe Biden, mas nem todos se encontram atualmente na lista dos EUA.
Para Roxburgh, os oligarcas sancionados atualmente não são a chave para atingir Putin. Uma solução “mais ousada e imaginativa” e possivelmente mais eficaz seria sancionar “os membros da Duma, o Senado, o conselho presidencial, os altos escalões dos serviços de segurança e defesa, os principais funcionários da televisão estatal”. Ser membro da Duma ou do Senado tem as suas regalias: “és bem pago, podes fazer um discurso ocasional se quiseres, mas basicamente estás lá para votar nas decisões do Kremlin e, acima de tudo, podes extorquir os subornos que quiseres”, explica Roxburgh “essas são as pessoas a serem alvejadas”.
Já Inozemtsev não acredita que o problema esteja em quem sancionar. Segundo o economista, o segredo está antes em romper todas as ligações com a Rússia, nomeadamente no que toca “à importação de energia”.