A rede social TikTok não ficou indiferente à guerra entre a Rússia e a Ucrânia. Desde que as ameaças de uma possível invasão começaram a aumentar, que os hashtags #Rússia e #Ucrânia se tornaram cada vez mais recorrentes. Na quinta feira da semana passada, quando a Ucrânia acordou com a notícia de que as tropas russas haviam invadido o seu país, ambos adquiriram o estatuto de virais. Por toda a plataforma começaram a ser partilhados vídeos sobre o conflito que se desenrolava no território ucraniano.
A facilidade na partilha de informação tem, de facto, sido uma das principais características diferenciadoras entre os conflitos do século XXI e aqueles que ocorreram antes da era digital. Com a chegada do smartphone, o cidadão deixou de ser um mero observador para contribuir ativamente no fluxo informacional, seja enquanto criador de conteúdo ou através dos gostos e partilhas.
Através das câmaras dos seus telemóveis, os cidadãos começaram a mostrar o outro lado dos acontecimentos, a sua versão da história, e cada uma das suas contribuições passou a ser também uma peça importante na construção da narrativa da guerra ucraniana. Seja por meio de gravações que mostram, através da janela, ataques russos à cidade, seja por meio de vídeos de testemunhos ucranianos ou de apelos para terminar a guerra, as redes sociais têm sido uma forma de cada um partilhar a sua experiência única.
Mas o que significa isto no panorama geral da guerra? De que forma podem as redes sociais mudar os eventos?
O potencial das redes sociais e a sua facilidade em chegar ao cidadão comum têm sido explorados em várias frentes. A presença digital tornou-se uma mais-valia quer do ponto de vista do recetor que, naturalmente, quer ter um fácil acesso à informação, quer do ponto de vista do criador que quer chegar ao máximo de pessoas possível. Atualmente, e posto isto, a maioria dos conflitos são travados nas duas frentes: física e digital.
Também a guerra na Ucrânia se tem desenvolvido nesse sentido. Aos avanços russos sob território ucraniano, alia-se a presença online de grupos pró-russos e mesmo de canais de informação do país já criticados pela sua parcialidade em favor do governo russo. Do outro lado, está a resistência, tanto a nível físico através do combate das forças russas no terreno, como nas plataformas online com apelos de ajuda à Ucrânia e partilha de vídeos filmados no território ucraniano por civis.
Uma das plataformas preferidas para a partilha de vídeos sobre a guerra russo-ucraniana é o TikTok. Lançada em 2016, esta plataforma conquistou muitos utilizadores no começo da pandemia da Covid-19 e, desde então, tem continuado a crescer. Aí conseguimos facilmente aceder a vídeos que retrataram a realidade daqueles que estão a ser alvo dos ataques russos. Mas a facilidade de acesso vem com um preço e a guerra não se combate apenas contra os avanços russos no terreno, mas também contra a desinformação. E a desinformação vem de todos os lados.
O combate à desinformação
O ataque russo à Ucrânia tem gerado uma onda de desinformação nas várias redes socias, incluindo o TikTok. Vídeos do confronto russo-ucraniano de 2014 têm sido reutilizados e republicados na plataforma com descrições que indicam que correspondem aos atuais eventos.
Como este caso, outros vídeos que não correspondem à realidade dos acontecimentos têm sido publicados e partilhados na plataforma TikTok tanto descrevendo falsos avanços russos, como ucranianos. De facto, a partilha de desinformação é, segundo Abbie Richards, investigadora do TikTok na organização sem fins lucrativos Accelerationism Research Consortium, potenciada pela sua “infraestrutura – o design a sua plataforma”, explica ao Media Matters. Mas também pelas próprias filmagens que, através da escolha dos ângulos e da forma como são gravadas, podem levar o espectador a acreditar que se trata de algo que, na verdade, não é.
Um exemplo deste tipo de manipulação de imagem e áudio seriam as filmagens partilhadas pelos apoiantes russos nas regiões de Donetsk e Luhansk que mostram vídeos de ataques alegadamente levados a cabo pelo exército ucraniano, que nega, por sua vez, ter feitos tais avanços. De facto, já foram apontadas algumas falhas aos vídeos que terão sido acusados, inclusive, de usar um áudio não original com sons de tiroteios retirado de um antigo vídeo do youtube.
Também alguns vídeos de supostos ataques russos – que não aconteceram – têm corrido a plataforma TikTok, mas tratam-se, na verdade, de filmagens tiradas de outros conflitos ou, como já referido, de antigas imagens do conflito russo-ucraniano decorrido aquando da anexação da Crimeia.
A estas publicações juntam-se, ainda, imagens de conflitos aéreos que, embora realistas, quer pelo ângulo a partir do qual são supostamente filmadas, quer pela forma tremida como são gravadas, sugerindo terem sido captadas no telemóvel de um civil, estes segmentos de vídeo são, na verdade, provenientes de videojogos como “Digital Combat Simulator World” ou “Arma 3”, tendo atingido as 600 mil visualizações.
Além da sua construção que, segunda a investigadora, facilita a partilha da desinformação, o TikTok apresenta ainda uma outra característica que tem contribuído para uma fácil e acessível manipulação de vídeo: a reutilização de áudio. Esta componente permite colocar sobre qualquer vídeo um outro áudio à escolha. Aproveitando esta característica da plataforma, vários utilizadores têm partilhado vídeos que recriam cenas de guerra. Sobre uma imagem estrategicamente filmada de forma tremida, são colocados áudios seja de explosões, tiroteios ou mesmo gritos, de modo a dar a entender que algo se passa. Este género de gravações é depois visto como se se tratasse de testemunhos de civis em território ucraniano embora, grande parte das vezes, os vídeos sejam feitos em outros locais do mundo.
Este tipo de comportamentos tem-se tornado cada vez mais comum e a partilha de vídeos cuja origem não é certa pode ser uma forma de fomentar a desinformação. Sejam em favor da Ucrânia, ou da Rússia, a informação não verificada pode ser sempre prejudicial e ser usada, inclusive como uma arma de propaganda política.
As novas formas de ataque
As guerras são agora também travadas no online e, sendo uma das plataformas mais populares do mundo, o TikTok é também uma das frentes de batalha. Na rede social os apelos para terminar a guerra têm sido amplamente divulgados num movimento de apoio à Ucrânia que acaba por se assumir, também, como uma forma de chamar a atenção para o conflito e mesmo de mobilizar ajudas.
Ainda assim, a investigadora do TikTok Abbie Richards, que trabalha para a organização sem fins lucrativos Accelerationism Research Consortium explicou ao Media Matters que, embora seja importante mantermo-nos informados, o design do TikTok – que poderia ser uma ferramenta de alerta social -“é incompatível com as necessidades do momento atual”.
Posto isto, as novas formas de ataque são, principalmente, contra a verdade e devem ser combatidas em todos os seus formatos e contextos. Algumas redes sociais já procuraram juntar-se a esta luta introduzindo melhorias nos seus algoritmos e nas políticas de empresa e de funcionamento. O TikTok promete, na sua plataforma, banir vídeos que “que cause danos a indivíduos” como o são vídeos que incitam a violência e o ódio. No entanto, a desinformação associada, neste caso, a vídeos que representam erradamente a guerra na Ucrânia, não parece ser especificamente abordada nas suas políticas, de modo que é indeterminado se de facto vão, ou não, contra estas regras.
O que explica o diretor do programa da Witness, uma organização sem fins lucrativos focada no uso ético do vídeo em crises humanitárias, Sam Gregory, em resposta à NPR, é que o TikTok desenvolve-se em torno de um paradoxo. Se te preocupares em rever um vídeo várias vezes numa tentativa de decifrar a sua origem e assegurar a sua veracidade, a plataforma, ou os algoritmos da plataforma, vão interpretar essa ação como sendo uma resposta positiva do usuário ao vídeo em causa, assumindo que o mesmo quer continuar a ver conteúdo como o apresentado e aumentando, assim, a quantidade de vídeos semelhantes e, com isso, a própria desinformação.
Gregory acredita que o TikTok enquanto empresa pode fazer mais no sentido de oferecer ferramentas que permitam ao utilizador identificar facilmente a origem dos vídeos publicado na sua plataforma, percebendo se serão fidedignos ou se já seriam vídeos antigos que se tornaram novamente virais.
Ainda assim, o diretor não subestima o papel das redes sociais e, concretamente, do TikTok nas atuais guerras. “Podem existir formas de o TikTok ajudar as pessoas envolverem -se e dialogarem com as pessoas na linha de frente”, disse Gregory. “Mas o desafio é encontrar esses momentos no meio de toda a manipulação”.
A proximidade como forma de mobilização
Apesar de toda a manipulação e desinformação que possa nascer da partilha de vídeos não factuais, as redes sociais continuam a ser uma ferramenta de comunicação e, também por isso, de aproximação. Hoje, plataformas como o TikTok permitem que todos possam contar as suas experiências, permite criar uma comunidade além das barreiras geográficas e trazer para a linha da frente pessoas que poderiam estar, de outra forma, alienadas dos acontecimentos ou mesmo colocadas à margem dos mesmos. O TikTok tem o potencial para ser também uma plataforma de discussão e é aí que muitas pessoas têm também escolhido partilhar as suas opiniões.
Um desses exemplos seria o tiktoker russo Niki Proshin que, com 750 mil seguidores, escolheu usar a sua plataforma de TikTok para abordar a invasão ucraniana. Num dos seus vídeos, o jovem de 27 anos responde a todas as questões que terá recebido dos seus seguidores sobre a sua opinião no tópico. No vídeo, o tiktoker não deixou de expressar o seu descontentamento perante os avanços russos e as atitudes de Vladimir Putin.
“Dar a minha opinião publicamente ajuda os estrangeiros a perceber melhor o povo russo e ajuda a manter a ponte entre as pessoas normais fora da Rússia e as pessoas normais na Rússia”, diz Proshin no seu discurso. O jovem acrescenta ainda que as suas publicações não têm qualquer intuito político, mas antes procuram focar-se na humanidade que nos une. “Espero que façamos as pessoas perceber que o ‘povo russo’ não é igual ao governo russo”, diz. “Alguns russos apoiam as decisões políticas do nosso governo, mas, do meu ponto de vista pessoal, são uma minoria. Nesta situação, “Rússia” é igual a “pessoas que podem tomar decisões”. A maioria dos meus amigos não tem o poder de tomar decisões.”
A Proshin juntam-se muitos outros influencers de várias nacionalidade, incluindo ucranianas, que se têm unido contra a guerra e as ações de Putin. No caso concreto dos influencers russos, as suas ações poderão chamar a atenção da polícia russa, conhecida no passado por prender ou eliminar personalidades consideradas inimigas do governo, estando, por isso, também em perigo. Apesar dos riscos, a plataforma do TikTok tem provado ser também uma forma de o próprio povo russo mostrar a sua descontentação face à situação atual, unindo-se à comunidade internacional em defesa da Ucrânia.