Em entrevista à Lusa, Gowan, um especialista no sistema das Nações Unidas, Conselho de Segurança e em operações de manutenção da paz, observou que o Conselho de Segurança da ONU estava já “em má forma” antes dos ataques de 07 de outubro perpetrados pelo Hamas contra Israel, mas a situação agravou-se, tendo “perdido ainda mais credibilidade desde então”.
Ao longo do meio ano que já dura este conflito, o Conselho de Segurança teve sérias dificuldades em reunir consenso para aprovar resoluções sobre a guerra, e enfrenta ainda mais desafios na implementação das mesmas.
A relevância da ONU voltou a ser questionada, especialmente depois de os Estados Unidos — um dos membros permanentes do Conselho de Segurança – terem considerado como “não vinculativa” a resolução aprovada no mês passado pelo Conselho e que exige um cessar-fogo imediato em Gaza durante o Ramadão.
A posição norte-americana, embora rejeitada por outras missões diplomáticas, gerou perplexidade e duras críticas, uma vez que, ao abrigo da Carta da ONU, os Estados-membros concordam em aceitar e executar as decisões do Conselho de Segurança.
De acordo com Gowan, a própria embaixadora norte-americana junto da ONU, Linda Thomas-Greenfield, está “obviamente preocupada” com os danos à reputação que os EUA estão a sofrer em Nova Iorque.
Contudo, para o analista, Washington não considera que o Conselho de Segurança ou a Assembleia-Geral da ONU desempenhem um papel útil nesta guerra.
“A Casa Branca tem sido muito cética quanto ao valor – mesmo das limitadas – resoluções da ONU sobre questões humanitárias”, considerou Gowan, que é diretor do departamento da ONU no ICG, organização não-governamental voltada para a resolução e prevenção de conflitos armados internacionais.
À medida que o Governo de Joe Biden se tornou mais frustrado com a duração e os custos humanos da guerra de Israel em Gaza, os Estados Unidos tornaram-se ligeiramente mais flexíveis no Conselho de Segurança, notou o especialista.
Contudo, “não é provável que os EUA permitam que o Conselho tome medidas que coloquem qualquer pressão real sobre Israel, tais como sanções ou a concessão à Palestina da adesão plena à ONU”, avaliou.
A Palestina retomou oficialmente esta semana o procedimento para se tornar um Estado-membro de pleno direito da ONU, tendo recebido o apoio de pelo menos 120 países, apesar da grande probabilidade de os Estados Unidos vetarem essa aspiração.
Em declarações à Lusa, Gowan observou também que a Rússia tem estado bastante interessada em explorar na ONU a impopularidade dos EUA sobre Gaza, tendo conseguido, pela primeira vez desde o início da invasão da Ucrânia, em fevereiro de 2022, “desviar as atenções da ONU” do conflito em solo ucraniano.
O analista considera ainda “pouco provável” que a ONU ainda venha a desempenhar um papel significativo nesta guerra, mas, uma vez cessadas as hostilidades, acredita que a organização multilateral “terá quase certamente um papel central na restauração dos serviços e no início da reconstrução de Gaza”.
“Embora Israel esteja a apelar ao desmantelamento da Agência das Nações Unidas para os Refugiados da Palestina (UNRWA), até os responsáveis israelitas reconhecem que a ONU terá, de alguma forma, um papel no ‘dia seguinte’ à guerra em Gaza”, disse.
“Como tantas vezes acontece na história do conflito israelo-palestiniano, a ONU é fraca, mas terá de limpar a confusão que a guerra deixa para trás”, sublinhou Gowan.
Prestes a completar seis meses, a guerra na Faixa de Gaza foi iniciada com um ataque sem precedentes do Hamas contra Israel em 07 de outubro, onde fez 1.163 mortos, na maioria civis, e 250 reféns, cerca de 130 dos quais permanecem em cativeiro e 34 terão entretanto morrido, segundo o mais recente balanço das autoridades israelitas.
Em retaliação, Israel declarou uma guerra para “erradicar” o Hamas, que começou por cortes ao abastecimento de comida, água, eletricidade e combustível na Faixa de Gaza e bombardeamentos diários, seguidos de uma ofensiva terrestre ao norte do território, que depois se estendeu ao sul, estando agora iminente uma ofensiva à cidade meridional de Rafah, onde se concentram mais de um milhão de deslocados.
A guerra entre Israel e o Hamas provocou até agora na Faixa de Gaza mais de 33 mil mortos e quase dois milhões de deslocados, mergulhando o enclave palestiniano sobrepovoado e pobre numa grave crise humanitária, com mais de 1,1 milhões de pessoas numa “situação de fome catastrófica” que já está a fazer vítimas – “o número mais elevado alguma vez registado” pela ONU em estudos sobre segurança alimentar no mundo.
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