“Na nossa empresa nem conseguimos trabalhar, aqui está-se mal. Durante a noite nem dormimos, dormimos cá fora”, relata à Lusa António Macucule, de 22 anos, enquanto carrega às costas, a troco de 20 meticais (30 cêntimos de euro), quem quer atravessar – sem arriscar ou sem se molhar – o lago que se formou em toda a rua e à porta da incubadora de ovos para pintos onde trabalha, no bairro do Choupal, arredores de Maputo.
“Estou a carregar pessoas por causa da água, para ajudar”, explica, para logo a seguir garantir: “Nunca aconteceu. Desta vez é muito pior”.
A forte chuva da madrugada deixou ruas de terra batida, esburacadas, em vários bairros da capital, completamente intransitáveis em que poucas viaturas se aventuraram, literalmente, a passar, e invadiu as casas e empresas. Vale a força de braços para retirar a água do interior, quando é possível.
No bairro do Choupal, a incubadora onde também trabalha Hamza Atinai, 22 anos, está inoperacional e com centenas de pintos em risco.
“Está parada, está cheia de água lá dentro. É tudo desperdício, não há nada seguro”, conta o trabalhador, depois de ter tentado entrar, até que a água pela cintura o obrigou a recuar.
“Os pintos estão a morrer de qualquer maneira”, lamenta.
O Instituto Nacional de Meteorologia (Inam) confirmou que a tempestade tropical severa “Filipo” entrou no continente pelas 05:00 (03:00 em Lisboa) de terça-feira, pelo distrito de Inhassoro, província de Inhambane, seguindo para sudoeste, nomeadamente Maputo, com rajadas de vento até 120 quilómetros por hora.
Na capital, os primeiros efeitos sentiram-se com o cair da noite e prolongaram-se madrugada fora, com chuvas torrenciais que praticamente isolaram bairros já com poucas condições, como Maxaquene, onde a vala ali existente não conseguiu reter a água e transbordou, inundando várias dezenas de casas.
“A noite foi muito difícil aqui no bairro, as águas entraram nas casas. A minha casa ficou péssima, tivemos de tirar tudo, camas, sofás, para cima. As chapas [cobertura] também saíram do lugar”, explica à Lusa França Binchelene, de 16 anos, logo após passar a pé, por entre quedas, o enorme lago formado no centro do bairro e que o divide.
Tal qual dezenas de outras famílias, na sua casa, onde vivem seis pessoas, não se dormiu e a noite foi passada junto de vizinhos. Como Ângelo Salomão, de 32 anos, que ao início da manhã observa um trator que vai tentando retirar água da rua, em viagens consecutivas e quase sem efeito, tal a quantidade, por entre a chuva que continua a cair e o forte vento.
“Dentro destas casas é pior. Nem sei o que dizer”, aponta, confessando que a noite foi passada na rua, por receio: “Dormimos aqui fora (…) foi uma noite péssima”.
“Muitos quarteirões estão a sofrer, as casas, como se pode ver, estão alagadas”, afirma.
Do outro lado de uma rua intransitável, em que nem as carrinhas mais altas arriscam cruzar, está Daniel Júnior, 35 anos, que passou a noite em casa dos pais, receando o pior.
“Sempre que acontece tenho de estar aqui para dar aquele apoio, porque isto é um caos. Sempre que chove são estas inundações, esta vala não suporta. As famílias ficam fora”, conta, junto à barricada de sacos de areia que colocou à entrada na noite de terça-feira.
“A água foi até ao quintal, porque tinha estas barricadas”, disse ainda.
Além de Maputo, com ruas alagadas no centro da cidade e árvores caídas, também a vizinha cidade da Matola, a mais populosa do país, tem várias vias intransitáveis devido à queda de chuva.
A tempestade tropical severa “Filipo” destruiu parcialmente 510 casas nas primeiras horas em Moçambique, afetando 2.780 pessoas, além de 14 unidades sanitárias e seis escolas, com 30 salas de aulas destruídas, de acordo com balanço oficial preliminar.
O balanço divulgado hoje pelo Instituto Nacional de Gestão e Redução do Risco (INGD) refere que nas primeiras horas, até às 18:00 (16:00 em Lisboa) de terça-feira, Vilankulo, província de Inhambane, foi a localidade mais afetada pelas chuvas fortes e rajadas de vento da tempestade “Filipo”, com 1.450 pessoas atingidas, seguida de Morrumbene (1.000).
As autoridades moçambicanas estimam que cerca de 525 mil pessoas poderão ser afetadas pela tempestade “Filipo”, entre as províncias de Sofala, no centro de Moçambique, Inhambane, Gaza e Maputo, a sul.
Moçambique é considerado um dos países mais severamente afetados pelas alterações climáticas no mundo, enfrentando ciclicamente cheias e ciclones tropicais durante a época chuvosa, que decorre entre outubro e abril.
PVJ/EAC/LN // JMC