“As coisas não estão a sair como se queria”, afirma o presidente da Fundação Tzu Chi em Moçambique, Dino Foi, em entrevista à Lusa, recordando que o Governo pediu 3,2 mil milhões de dólares (2,9 mil milhões de euros), mas a comunidade internacional prometeu apenas 1,2 mil milhões (mil milhões de euros).
Dino Foi duvida mesmo que tenham ser sido desembolsados pelo menos 500 milhões de dólares (457 milhões de euros). “Significa que há um grande défice financeiro”, declarou.
Em março de 2019, a região centro de Moçambique foi devastada pelo ciclone Idai, que provocou mais de 600 mortos e afetou mais de dois milhões de pessoas, e a Fundação Tzu Chi tem sido um dos rostos mais visíveis à reconstrução.
Há ainda muitas famílias a residir em tendas e muitas infraestruturas públicas e privadas por construir, disse o presidente da fundação.
A juntar-se à escassez de recursos financeiros para a reconstrução, prosseguiu, chegou a covid-19 em março de 2020, também em Moçambique, desacelerando o ritmo de reabilitação dos danos causados pelo ciclone.
“Reconhecemos que perdemos dois anos [devido à pandemia], aquelas pessoas que ainda estão nas tendas, não tivesse acontecido a covid-19, já estariam nas suas casas”, sublinhou.
O presidente da Fundação Tzu Chi alertou que a cidade da Beira e a vila do distrito de Búzi, que foram arrasadas pelo Idai, continuam muito vulneráveis a ciclones e inundações e podem mesmo desaparecer, se se abaterem sobre aqueles territórios temporais de intensidade severa.
“Não precisa ter um doutoramento em clima ou em meio ambiente para perceber que Búzi, um dia, vai desaparecer”, lamentou, alertando que “a mesma coisa vai acontecer com a Beira” se não acontecerem intervenções de vulto, para a adaptação ao impacto das mudanças climáticas.
Dino Foi assinalou que as cidades costeiras moçambicanas estão cada vez mais desprotegidas, devido à destruição de mangais e florestas e a construções em zonas que deviam servir de barreira ao impacto das mudanças climáticas.
“Nós não respeitamos os mangais, não respeitamos sítios que estão propensos a intempéries, aqui em Maputo, estamos a construir em mangais, às vezes, até se fica sem saber se temos uma procuradoria, um tribunal, porque não se sabe exatamente em que moldes foram autorizados a construir em mangais”, realçou.
O mesmo responsável sublinhou que o país não pode depender apenas de grandes instituições internacionais para restaurar a vida devastada das vítimas das calamidades naturais, devendo manter e reforçar a mobilização de pequenas organizações e dos cidadãos.
Nesse sentido, aquela fundação mantém o compromisso de entregar três mil novas casas a igual número de famílias desalojadas pelo Idai e de 23 escolas, na província de Sofala.
“Há um acordo com aquela população, a população esperava passar para as suas casas, nós vamos entregar as três mil casas e 23 escolas, não dentro do período estipulado, mas nós vamos entregar”, assegurou Dino Foi, cuja organização foi das primeiras a marcar presença em Sofala, logo após a passagem do ciclone Idai, através da mobilização de um contingente de voluntários moçambicanos e estrangeiros.
Foi defendeu que o reassentamento das vítimas das intempéries deve ser acompanhado da restauração do modo de vida das populações, para que não se sintam obrigadas a regressar a zonas baixas e propensas a inundações.
“A Beira levou muito bem com Idai e vai levar muitas vezes”, enfatizou, admitindo, porém, “que o semblante” das vítimas mudou, depois da “desolação e tristeza” que se via nas vítimas logo após o ciclone.
Moçambique é considerado um dos países mais severamente afetados pelas alterações climáticas no mundo, enfrentando ciclicamente cheias e ciclones tropicais durante a época chuvosa, que decorre entre outubro e abril.
O período chuvoso de 2018/2019 foi dos mais severos de que há memória em Moçambique: 714 pessoas morreram, incluindo 648 vítimas dos ciclones Idai e Kenneth, dois dos maiores de sempre a atingir o país.
Já no primeiro trimestre do ano passado, as chuvas intensas e a passagem do ciclone Freddy provocaram 306 mortos, afetaram no país mais de 1,3 milhões de pessoas, destruíram 236 mil casas e 3.200 salas de aula, segundo dados oficiais do Governo.
PMA // JMC