“Este ato pode configurar uma ameaça contra a liberdade de imprensa (…) O Estado de direito democrático não se configura com intimidações”, referiu a direção da televisão, numa nota lida no principal jornal, alertando para tentativas de “coartar a liberdade de expressão”.
Embora sem qualquer agente da Polícia da República de Moçambique (PRM) identificado naquele perímetro, a viatura blindada foi estacionada especificamente no passeio que dá acesso à porta principal do edifício da televisão, quase que bloqueando a entrada, durante o período em que decorria a cerimónia de proclamação, pelo Conselho Constitucional (CC), dos resultados das sextas eleições autárquicas do país.
A televisão sublinhou que o episódio ocorreu num momento em que o presidente do órgão de informação, Gabriel Júnior, deputado pela Frelimo (partido no poder) no parlamento, tem denunciado ameaças, associadas à “cobertura crítica” das sextas eleições autárquicas em Moçambique, principalmente durante escaramuças entre manifestantes que protestavam contra os resultados e as forças policiais.
O Instituto para a Comunicação Social da África Austral — (Misa Moçambique), uma organização não-governamental de defesa da liberdade de imprensa, considerou que “esta pode ser uma ação intencionada”.
“Assim, no lugar de um acto desinteressado, este acontecimento pouco comum pode configurar uma ameaça contra a liberdade de imprensa e de expressão. Aliás, numa altura em que o PCA [Presidente do Conselho de Administração] da televisão já vem sofrendo ameaças, associadas à forma crítica como o órgão fez a cobertura das eleições, atos como a colocação de uma viatura armada em frente à estação televisiva adensam, ainda mais, o sentimento de intimidação contra o órgão”, refere a ONG em nota de repúdio.
“Colocar viaturas armadas em frente de órgãos de comunicação social que não representam nenhuma ameaça (…) vai contra todos os alicerces das democracias e não pode, de forma alguma, ser tolerada”, conclui o Misa.
A Lusa tentou, sem sucesso, obter um esclarecimento da Polícia da República de Moçambique.
O CC, a última instância de recurso em processos eleitorais, proclamou hoje a Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), partido no poder, vencedora das eleições autárquicas de 11 de outubro em 56 municípios, contra os anteriores 64, com a Renamo a vencer quatro, e mandou repetir eleições em outros quatro.
Segundo o acórdão aprovado por unanimidade, lido ao longo de uma hora e 45 minutos pela presidente do CC, a juíza conselheira Lúcia Ribeiro, a Frelimo manteve a vitória nas duas principais cidades do país, Maputo e Matola, em que a Resistência Nacional Moçambicana (Renamo) reivindicava vitória, apesar de cortar em dezenas de milhares de votos o total atribuído ao partido no poder.
Em 26 de outubro, a Comissão Nacional de Eleições (CNE) de Moçambique, após realizado o apuramento intermédio e geral, anunciou a vitória da Frelimo em 64 das 65 autarquias que foram a votos.
Na decisão do acórdão lida hoje, o CC reverteu ainda os resultados em Quelimane e Alto Molócuè, província de Zambézia, Vilankulo, em Inhambane, e em Chiúre, em Cabo Delgado, dando a vitória à Renamo, além de manter a vitória do Movimento Democrático de Moçambique na Beira, província de Sofala.
As ruas de algumas cidades moçambicanas, incluindo Maputo, têm sido tomadas por consecutivas manifestações da oposição contra o que consideram ter sido uma “megafraude” no processo das eleições autárquicas e os resultados anunciados pela CNE, fortemente criticados também pela sociedade civil e organizações não-governamentais.
A Renamo, que pela primeira vez foi a votos totalmente desmilitarizada, e que nas anteriores 53 autarquias (12 novas autarquias foram criadas este ano) liderava em oito, ficou sem qualquer município no primeiro anúncio feito pela CNE, apesar de reclamar vitória nas maiores cidades do país, com base nas atas e editais originais das assembleias de voto, tendo recorrido para o CC.
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