Bandi ‘Apai Janggut’, líder da comunidade Sungai Utik, na Indonésia, é um dos três vencedores da quarta edição do Prémio Gulbenkian para a Humanidade, que reconhece a liderança climática no restauro de ecossistemas na Indonésia, Camarões e Brasil.
Horas antes de receber o galardão, Bandi falou com os jornalistas, agradecendo o prémio, que “é muito importante para a comunidade”, e que reconhece o seu trabalho na proteção da floresta e ajudará na sua continuidade.
Nos últimos 40 anos, Bandi foi o mentor da luta da sua comunidade pelo reconhecimento do direito à terra onde vivem.
Bandi explicou que a floresta tem de ser protegida porque esta foi oferecida pelos antepassados.
“Precisamos de protegê-la, não só porque a terra é fonte de vida, mas também porque é algo que passa de geração para geração e temos de proteger o futuro da próxima geração”, indicou.
E recordou a filosofia que a comunidade segue: “A terra é uma mãe, a floresta um pai e a água é o sangue. Por isso temos de respeitá-la, porque são a nossa família”, indicou.
Na opinião de Cécile Bibiane Ndjebet, natural dos Camarões e defensora da igualdade de género e o direito das comunidades à floresta e aos seus recursos naturais, são as mulheres que estão a conduzir a mudança e são dela “embaixadoras”.
“Especialmente em África, ignorar as mulheres é ignorar mais de metade da população e isso não faz sentido”, disse à agência Lusa a ativista e igualmente vencedora do prémio.
E prosseguiu: “Quando temos uma árvore, a mulher sabe como a tratar geração após geração, garantindo uma prática sustentável. Não podemos tirar a mulher deste processo, ela tem muita experiência, conhece a floresta e o seu desenvolvimento na vida e depende da floresta para comida, para habitação, para tudo”.
Para o sucesso nesta luta contra o tempo que é a resposta às alterações climáticas, Cécile Bibiane Ndjebet defende o envolvimento das mulheres e que isso esteja espelhado nas políticas que “não são sensíveis em questões de género”.
“É muito importante mobilizar os recursos para suportar iniciativas que estão no terreno e que são levadas a cabo por mulheres e raparigas. Temos muito boas iniciativas. Temos de mobilizar recursos para que essas iniciativas tenham impacto”, referiu.
Nas árvores também está o futuro, segundo Lélia Wanick Salgado, uma ambientalista, designer e cenógrafa brasileira, outra vencedora do Prémio Gulbenkian para a Humanidade.
Lélia cofundou, em 1998, o Instituto Terra, dedicado à recuperação da floresta atlântica do Brasil. A organização já plantou mais de 2,7 milhões de árvores e recuperou mais de 700 hectares de terra degradada. Em colaboração com pequenos agricultores, mais 2.000 hectares foram reflorestados e 1.900 nascentes recuperadas.
Em declarações à agência Lusa, Lélia Wanick Salgado elegeu a humanidade como o maior predador na terra, alertando para o impacto do consumo desenfreado.
“A única coisa que fabrica oxigénio, que capta o CO2 [dióxido de carbono] e fabrica água são as árvores. Não tem outra solução”, disse.
E defendeu a participação do campo nas reuniões ao mais alto nível sobre o ambiente.
“Não sou contra as reuniões e sim contra os convites para as reuniões”, disse, preconizando a presença do campo, porque “não são os urbanos que vão plantar”.
A solução para reverter o estado preocupante do ambiente na terra passa, segundo disse, pela plantação de árvores, pelo que os governos devem financiar esta prática.
No valor de um milhão de euros, o Prémio Calouste Gulbenkian distingue pessoas ou organizações que “contribuem com a sua liderança para enfrentar os grandes desafios atuais da humanidade — as alterações climáticas e a perda de biodiversidade”.
O júri, liderado pela antiga chanceler alemã Angela Merkel, selecionou estas três personalidades entre 143 nomeados, oriundos de 55 países e de todos os continentes.
Os vencedores foram escolhidos pela sua liderança e trabalho incansável, ao longo de décadas, no restauro de ecossistemas vitais – florestas, paisagens e mangais -, e na proteção de territórios em conjunto com as comunidades locais.
Para a presidente do júri, Angela Merkel, “os ecossistemas suportam toda a vida na terra. A saúde do planeta e dos seus habitantes depende deles e só os ecossistemas saudáveis nos permitirão combater as alterações climáticas”.
O presidente do conselho de administração da Fundação Calouste Gulbenkian, António Feijó, considera que o prémio “presta homenagem ao trabalho e à dedicação que estas personalidades mostraram nos seus esforços de recuperação de ecossistemas vitais, que são cruciais para a mitigação das alterações climáticas”.
“São um exemplo de liderança excecional, com impacto significativo, em harmonia com a natureza e as comunidades locais”, disse António Feijó.
Esta é a quarta edição do prémio, que foi atribuído pela primeira vez em 2020 à jovem ativista sueca Greta Thunberg.
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