Quem é Prigozhin, o oligarca à frente de “um dos mais experientes exércitos do mundo”

Quem é Prigozhin, o oligarca à frente de “um dos mais experientes exércitos do mundo”

É desbocado, gabarolas, usa e abusa do vernáculo, mas, quando quer, tem um talento especial para dissimular intenções. Aos 61 anos, Yevgeny Prigozhin é visto como um “empreendedor geopolítico”, um dos homens mais poderosos da Rússia, que comanda, nas suas próprias palavras, “talvez um dos mais experientes exércitos do mundo”. Os seus recrutas são “heróis” e “patriotas” a quem enaltece as proezas bélicas e trata de forma paternalista – “molodets”, “bons rapazes” – por, alegadamente, estarem a desempenhar um papel decisivo na “operação militar especial” desencadeada a 24 de fevereiro.

De acordo com Joseph Henrotin, um politólogo belga especialista em questões de defesa, a companhia militar privada de Prigozhin é responsável pelos “únicos sucessos táticos das últimas semanas”, no Sul e Leste da Ucrânia, em particular na região de Donetsk, onde se concentra uma das principais frentes de batalha, junto a Bakhmut. Uma opinião partilhada por Sergei Markov, politólogo e antigo conselheiro do Kremlin, que, por diversas vezes, tem elogiado a “elevada eficiência” do grupo. Pelo contrário, no entender de John Kirby, porta-voz do Conselho de Segurança Nacional dos EUA, os 50 mil soldados da fortuna contratados pelo empresário russo são maioritariamente ex-presidiários sem capacidade operacional, simples malfeitores dispostos a cometer todo o tipo de atrocidades. Nas contas da Administração Biden, as tropas ucranianas, só no último mês, terão provocado mais de 14 mil baixas (quatro mil mortos e dez mil feridos) a esta milícia – classificada por Washington como uma “organização terrorista transnacional” –, que tem o apelido do compositor favorito de Adolf Hitler.

Duelos Soldados do Grupo Wagner na sede, inaugurada em novembro, em São Petersburgo, e militares ucranianos na frente de combate, perto de Bakhmut

Não consta que Yevgeny Prigozhin seja um melómano ou um conhecedor da obra do músico que criou a Cavalgada das Valquírias. O antigo praticante de esqui de fundo, que ficou órfão na infância e que foi, por duas vezes, condenado por furto – passou quase nove anos detido (1981-1990) –, parecia condenado a uma existência discreta, até à implosão da União Soviética. Graças aos contactos no submundo da sua terra natal, São Petersburgo, e à venda ambulante de cachorros quentes, conseguiu entrar nos negócios do jogo e do retalho, até se tornar coproprietário dos primeiros casinos e da maior cadeia de mercearias da antiga Leninegrado.

Inspirado nos restaurantes parisienses junto ao Sena, replica o modelo no rio Neva e abre o Velha Alfândega e o Nova Ilha, dois estabelecimentos que chegaram a incluir espetáculos de striptease nas respetivas ementas. É destes tempos que lhe vem o título de cozinheiro de Putin. O agora Presidente da Federação Russa era então número dois da autarquia e, tal como a fina flor da elite local, era cliente assíduo – com direito a descontos especiais. “Prigozhin teve a chance de encontrar um nicho [económico] e de alinhar os seus passos com os de Putin. É o oportunista perfeito”, afiançou, em 2020, ao diário Le Monde o britânico e ilustre kremlinólogo Mark Galeotti.

A relação entre o empresário e o autarca torna-se ainda mais próxima quando o segundo se instala na Praça Vermelha, na mudança de milénio, como delfim de Boris Ieltsin. Daí em diante, os banquetes em honra dos altos dignitários estrangeiros – de Jacques Chirac a George W. Bush – ficam arrematados, e os interesses recíprocos multiplicam-se.

Em 2012, Prigozhin e as suas firmas de catering têm já contratos milionários com os ministérios da Educação, da Saúde e da Defesa, entre outros, abastecendo escolas, hospitais e quartéis em todo o país. Aparentemente, está disposto a tudo para corresponder às expectativas e solicitações do poder político, e, dois anos mais tarde, na sequência da invasão da Crimeia, as milícias Wagner integram as colunas de “homens verdes” que ocupam o território ucraniano e promovem o conflito separatista no Donbass. Apesar das especulações e das estórias à volta do alegado chef e do antigo espião do KGB, só em setembro acabou o segredo de polichinelo. O empresário admitiu, nas redes sociais, ser ele o fundador e “financiador” do exército privado que, na última década, tem participado em diferentes missões em África, no Médio Oriente e na América Latina. No vídeo em causa, assume uma nova postura pública e, em nome da liberdade, revela a intenção de contribuir cada vez mais para a derrota do regime de Volodymyr Zelensky, enquanto recruta detidos na república de Mari El. “Só duas pessoas vos podem tirar daqui, Deus ou Alá, mas num caixão. Eu dou-vos a oportunidade de saírem daqui vivos”, prometendo-lhes uma “segunda oportunidade”, a troco de cumprirem seis meses de mobilização na Ucrânia. Alguns dos que se deixam seduzir acreditam que, findo esse período, ficam sem cadastro e podem até vir a ganhar bolsas universitárias ou um emprego no aparelho de Estado. A realidade demonstrou que um número significativo jaz agora em cemitérios remotos, como o de Bakinskaya, no Sul da Rússia, como revelou o New York Times, na passada semana.

Ramzan Kadyrov, o líder da Chechénia, é um aliado de Prigozhin, a quem chama “querido irmão”, e diz que quer também criar uma empresa de mercenários

No final de outubro, Andrei Kolesnikov, comentador e antigo diretor do Novaya Gazeta, escreveu que o patrão dos Wagner era uma eminência parda com uma influência no Kremlin só equiparável à de Rasputin, o polémico místico que conviveu com o último czar e acabou afogado, e com um tiro na cabeça, no rio Neva.

O crescente protagonismo do oligarca da restauração não lhe augura um futuro brilhante. É o que pensam vários académicos e jornalistas. Estará ele em condições de desafiar Putin e constituir uma alternativa credível? Ivan Krastev, Marie Mendras e Tatiana Stanovaya acham que não; consideram-no uma marioneta que ganhou vida própria, mas que pode ser esmagada a qualquer momento. “Prigozhin é uma estrela-cadente. Exagerou nas críticas aos militares e às outras elites. As suas asas estão a ser cortadas”, escreveu Dmitri Alperovitch no Twitter, referindo-se às recentes declarações do empresário sobre o ministro da Defesa e o comandante-chefe das Forças Armadas russas, acusando-os de incompetência na condução da guerra e de quererem ficar com os louros da conquista de Soledar (pequena cidade ucraniana, no Donbass) pelos Wagner. A isto acresce a fanfarronice com que Prigozhin admitiu ter interferido nas eleições dos EUA (através da sua Internet Research Agency, em 2016, a favor de Donald Trump) e se filmou a comentar as execuções e as deserções dos seus próprios soldados. Razões para ter sido proibido de visitar penitenciárias federais, de mobilizar mais gente para a Ucrânia, de se implicar nas questões que não lhe dizem respeito e, sobretudo, de formar um movimento político ou filiar-se num partido já existente. Os “avisos” do Kremlin obrigaram-no a dizer que tem “zero ambições” de atingir cargos oficiais, só que a sua máquina de propaganda parece ter ainda aliados de peso, como Vladimir Soloviov, uma vedeta dos debates televisivos, e Ramzan Kadyrov, o líder checheno. Este último chama-lhe “querido irmão” e, na plataforma Telegram, anunciou que pretende seguir-lhe o exemplo e formar uma companhia militar privada. Algo que a maior empresa da Rússia, a energética Gazprom, também quer fazer, noticiou o jornal Kyiv Independent, por ser uma atividade lucrativa e que encaixa bem no esquema de “poder vertical” promovido pelo Presidente do país, com várias personalidades e instituições a competir entre si. Quanto mais não seja porque Putin ainda tem a força e a lei do seu lado. Quanto a Prigozhin, deve conhecer de cor e salteado o artigo 359 do Código Penal russo, que define que o “recrutamento, treino e financiamento” de mercenários pode levar à aplicação de penas de quatro a oito anos de prisão.

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