A iniciativa, da Cão Lilás Associação Cultural, à qual está ligado o maestro luso-brasileiro Ricardo Bernardes, o organizador dos dois concertos, insere-se no âmbito das comemorações dos 200 anos da independência do Brasil e conta com o apoio de várias entidades, entre as quais a missão diplomática brasileira junto da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e a Direção-Geral das Artes, do Ministério da Cultura.
Em declarações à Lusa por telefone o maestro Ricardo Bernardes disse esperar que com os dois concertos “se venha a conhecer o reportório e o contexto em que esteve imerso D. Pedro”. Um contexto ainda pouco conhecido, por diversos fatores.
“D. Pedro era uma pessoa tão multifacetada, que, para além de todas as ocupações que tinha, enquanto gestor de toda a sua vida e de todas as suas coisas, ainda tinha tempo para dedicar-se com assiduidade à música”, frisou Bernardes.
Além disso, na opinião do maestro, é importante perceber-se “quem foram os seus mestres, as suas influências e as suas consequências”.
“Todo esse mundo musical à volta do D. Pedro, seja quando ele esteve em São Paulo, ou quando passou por Minas Gerais – que sabemos que esteve lá em 1817 -, ou então o D. Pedro da capital do Rio de Janeiro, que convive com três grandes músicos, Neukomm, Nunes Garcia e Marcos Portugal, e que depois vem morrer cá [em Portugal], em Queluz, também rodeado de música e atividades”, sublinhou.
Assim, “D. Pedro e a Música após o ‘Grito do Ipiranga'” é o tema do primeiro concerto, na abertura da 34.ª Temporada de Música em São Roque, iniciativa da Santa Casa de Misericórdia de Lisboa, em 21 de outubro de 2022, na Igreja de São Roque, e que reunirá cerca de 30 músicos.
O programa integra obras do compositor lisboeta André da Silva Gomes (1752-1844), que foi responsável pela música na Sé de São Paulo logo após o “Grito do Ipiranga” (o grito da independência do Brasil), e de João de Deus de Castro Lobo (1794-1832), principal compositor em atividade em Vila Rica, no estado brasileiro de Minas Gerais, que dirigiu a música para a visita de D. Pedro aquela localidade, em 1817.
“Um Reino e Um Império – A música na Capela Real do Rio de Janeiro no tempo de D. Pedro” é o tema do segundo concerto, agendado para 07 de janeiro, em sítio ainda por confirmar, mas que o maestro admite que possa ocorrer também na Igreja de São Roque.
Este concerto apresentará obras musicais inéditas compostas no Rio de Janeiro durante a permanência da corte portuguesa no Brasil da autoria de D. Pedro IV (1798-1834) e dos compositores Marcos Portugal (1762-1830), Sigismund Neukomm (1778-1858) e José Maurício Nunes Garcia (1767-1830) e reunirá mais de 60 músicos e solistas de renome internacional, portugueses e brasileiros, mas também de outras nacionalidades, explicou à Lusa Ricardo Bernardes.
“Marcos Portugal e Sigismund Neukomm foram professores de música de D. Pedro no Rio de Janeiro, enquanto Nunes Garcia foi um compositor muito admirado por D. João VI. As suas obras ajudarão a criar o contexto musical bastante rico e variado em que D. Pedro esteve imerso no Brasil”, refere o maestro também numa nota enviada à Lusa.
“A Capela de Música da corte portuguesa no Rio de Janeiro foi das mais importantes capelas principescas de seu tempo, contando com numerosos músicos, entre os melhores cantores e instrumentistas vindos de Portugal e de outros países europeus, tendo sido o maior agrupamento musical fora da Europa no período”, acrescenta.
Em 07 de setembro de 1822 foi proclamada a independência do Brasil pelo príncipe D. Pedro de Bragança e ocorre “Grito do Ipiranga” nas margens do rio com o mesmo nome, mas a declaração de independência só foi assinada alguns dias depois, na corte do Rio de Janeiro, pela princesa Leopoldina de Habsburgo.
“A celebração de tão importante acontecimento teve de ser realizada sem muita preparação”, referiu o maestro.
“Como teriam sido as comemorações apressadas? Quais teriam sido as festas, as odes declamadas, os teatros encenados e a música executada?”, questionou, explicando que foi com base nestas celebrações imaginárias que propôs um programa para os dois concertos, com obras que considerou terem sido aquelas que “muito bem poderiam ter sido executadas nas celebrações da independência do Brasil em duas das vilas mais importantes” do recém-independente país.
Se houvesse obras remanescentes das comemorações da independência em arquivos na Bahia, no Recife, no Pará e em tantas outras localidades, certamente fariam parte do programa.
“Mas só podemos trabalhar com as obras que o tempo e os homens permitiram sobreviver”, sublinhou.
“Propomos, portanto, ao público da Lisboa de 2022 uma viagem musical e estética no tempo, aos idos de 1822, com obras que certamente poderiam ter figurado nessas cerimónias, ao modo como dizem os italianos: ‘Se non è vero, è ben trovato’ [se não é verdade, é bem provável]”, apontou Ricardo Bernardes.
Quanto ao repertório, “é ainda pouco conhecido”, assegurou, devido ao “escasso número de gravações e concertos propostos com esta temática”.
Uma questão que se explica pelas poucas partituras editadas e disponíveis, assim como pela dificuldade técnica e de meios para a execução dessas obras, que requerem um efetivo vocal e instrumental de maior porte, rematou.
ATR // LFS