Aos 72 anos, o britânico Dave Smith, de Bristol, Inglaterra, tem para contar uma experiência rara com a Covid-19. Desde que ficou infetado pela primeira vez, no início da primeira vaga da pandemia no Reino Unido, em 2020, testou positivo para o coronavírus 42 vezes – leu bem -, tendo sido internado sete vezes. Este não é um caso de Covid de longa duração, em que longos meses após terem sido infetadas, algumas pessoas continuam a ter sequelas físicas da doença, principalmente fadiga e dificuldades respiratórias.
No caso de Smith, o vírus não deixou apenas sequelas, mas manteve-se vivo e persistiu durante mais de 290 dias, quase 10 meses. Ao The Guardian, o britânico conta que chegou a sentir-se tão mal, tantas vezes, que a sua mulher preparou o seu funeral cinco vezes.
Dave Smith, que é o protagonista da mais longa e ativa infeção por Covid-19 registada até hoje, acabou por ser tratado com um “cocktail” de anticorpos monoclonais desenvolvido pela empresa de biotecnologia Regeneron, o mesmo que foi utilizado para tratar Donald Trump quando ficou infetado, em outubro de 2020. Em novembro do ano passado, a Food and Drug Administration (FDA), entidade reguladora norte-americana, concedeu autorização urgente à farmacêutica para a utilização nesse país do tratamento com anticorpos monoclonais.
Já em junho deste ano, um novo ensaio clínico desenvolvido no Reino Unido concluiu que o mesmo “cocktail” de anticorpos desenvolvido pela Regeneron reduz o risco de morte em doentes graves hospitalizados com Covid-19 e que não conseguiram produzir os seus próprios anticorpos contra o vírus. Atualmente, este tratamento está disponível para doentes com Covid-19 nos EUA e na Europa, mas apenas com a forma leve a moderada da doença.
No Reino Unido, apesar de este tratamento não estar autorizado, Dave Smith teve acesso a ele a partir de um programa de uso compassivo, que permitiu a disponibilização do medicamento. Os médicos que acompanharam Smith pedem, agora, acesso geral a esse tratamento, assim como a outros semelhantes, de forma a conseguirem agir mais rapidamente com doentes em condições parecidas.
Outros casos pelo mundo
Há casos por todo o mundo de pessoas que ficam infetadas com Covid-19 ou hospitalizadas devido à doença durante muito tempo. Deanna Hair, americana de 67 anos e residente no Estado do Michigan, nos EUA, recebeu alta hospitalar em outubro de 2020, depois de ficar internada 196 dias no hospital, após ficar infetada com Covid-19 durante uma viagem à Califórnia. George Kelakos saiu do Hospital Greenwich, em Connecticut, EUA, no início de abril deste ano, depois de passar 146 dias internado com Covid-19, assim revelou a administração do hospital. O homem estava internado desde novembro do ano passado e conseguiu resistir à doença. Já Geoffrey Woolf, britânico de 74 anos, foi para o hospital no fim de março de 2020, infetado com Covid-19. Depois de 306 dias hospitalizado em dois hospitais e muitas complicações devido ao impacto da doença no seu corpo, pôde regressar a casa.
Um grupo de cientistas brasileiros está, agora, a estudar um caso de infeção pelo novo coronavírus que durou pelo menos 218 dias, período em que o vírus se replicou e até sofreu mutação. O homem, de 40 anos, testou positivo para a doença desde setembro de 2020 até abril deste ano. A investigação foi conduzida por cientistas da Universidade de São Paulo (USP) e concluiu que o vírus não só estava presente no corpo do doente, como também se replicou durante esse tempo. Além disso, os autores referiram que “durante todo esse período, existiu risco de transmissão para outras pessoas”.
María Mendes-Correa, principal autora do estudo, explicou ainda que a “capacidade de replicação do vírus foi observada de forma contínua e persistente por um período de 196 dias consecutivos”, de um total de 218 dias de infeção. Este processo evolutivo vírus é preocupante, uma vez que favorece o surgimento de variantes virais mais adaptadas ao organismo humano.