Fez-se ouvir logo que a Organização Mundial da Saúde reconheceu que o mundo estava perante uma pandemia. Alguém que, numa Ted Talk, em 2015, já dera voz aos cientistas que há muito avisavam para o que aí vinha. Agora, Bill Gates, 64 anos, entrevistado pela Wired, volta a dizer de sua justiça. Aponta, claro, o dedo a Trump, à falta de testes e às medidas desadequadas de combate à pandemia. Mas não só.
“Se nos tivéssemos preparado para isto, construindo plataformas de diagnóstico, terapêutica e vacinas, e se tivéssemos feito as simulações para compreender quais eram os passos-chave, estaríamos dramaticamente melhor”, sublinha.
Mas os erros, insiste, não ficaram por aqui: primeiro, foi o volume de testes muito baixo, quando os casos de infeção rebentaram um pouco por todos os EUA. Depois, uma proibição de viajar que chegou demasiado tarde. E ainda, claro, e ainda a desvalorização do uso de máscara, que afinal faz tanta diferença. “Surpreendeu-me muito que tivesse sido assim porque as pessoas que mais sabem sobre epidemiologia em todo o mundo estão no Centro de Controlo de Doenças nos EUA. Esperava que se tivessem feito ouvir mais, em vez de Trump e da Casa Branca, ou mesmo Anthony Fauci, cuja ação acabou por ser, como se viu, bastante limitada”.
Um otimista, mas com reservas
Na longa conversa que manteve com o jornalista da Wired, Gates assume-se otimista. “Há um enorme investimento económico e financeiro à procura de uma saída, e para já parece sobretudo prejuízo. Mas acredito que a inovação alcançada em termos de diagnóstico e novas terapêuticas, além da tão almejada vacina, vão fazer a diferença, muito em breve. Nos países ricos, será certamente em 2021, no resto do mundo no ano só lá para 2022”. Mas é, sublinha, um otimista com reservas: “vamos demorar anos até voltarmos ao ponto em que estávamos no início de 2020.”
Sobre as vacinas, Gates assume-se ainda preocupado que se possa aprovar algo não seguro e eficaz. Um discurso a apontar o dedo à China e à Rússia, que parecem avançar a toda a velocidade. “Receio que isso possa fazer com que algumas vacinas cheguem a muitos doentes sem a devida revisão regulamentar”. Porém, nos EUA, a falta do apoio político à busca de uma solução – com Trump sempre a dar voz a conhecidos elementos dos movimentos antivacinas… – também não lhe têm facilitado a vida. Convicto das possibilidades do Remdesivir, e de outros antirretrovirais, Gates lamenta sobretudo que os “ensaios nos EUA estejam a ser tão caóticos”.
TikTok na mira
Na mesma conversa, outro tema ocupa bastante espaço, que é esse da desinformação e do controlo ( ou falta dele…) sobre vídeos e afins com grande visibilidade nas redes sociais. O alvo do seu discurso é, como não poderia deixar de ser, o TikTok. Assume que gosta de Mark Zuckerberg (“Penso que ele tem bons valores”), mas que discordam na abordagem à questão. “As mentiras que mostram são tão perigosamente apelativas que é preciso poder vê-las antecipadamente e tentar, pelo menos, atrasar a forma como se espalham”, defende – acusando ainda a anunciada aquisição do TikTok pela Microsoft de ser um presente envenenado. “Ser grande no negócio dos media sociais não é um jogo simples, como da a entender a questão da encriptação.”