Até ao mês passado, o Estado de Nova Iorque proibia a publicação dos registos disciplinares dos agentes, fazendo com que denúncias de casos de abuso policial fossem muitas vezes ignoradas.
A lei 50-a, assim denominada devido à secção que se insere, considerava os registos como sendo documentos confidenciais que não podiam ser submetidos a inspeção ou revisão, sem a autorização do agente em causa.
Aprovada na década de 1970, pretendia proteger os oficiais que testemunhassem em tribunal, de eventuais ofensas por parte de advogados de defesa. Mas, servindo inicialmente como uma ferramenta de proteção da vida de tantos profissionais, acabou por encobrir um excerto de ilegalidades cometidas por aqueles que prometeram proteger os cidadãos de Nova Iorque.
Em 2014, o Departamento de Polícia de Nova Iorque citou a 50-a como maneira de se abster de divulgar o histórico disciplinar de Daniel Pantaleo, o polícia que matou Eric Garner a 17 de julho do mesmo ano, depois de o sufocar. As suas últimas palavras, “Não consigo respirar”, ecoaram e fizeram muitos outros questionar o interesse desta lei.
Seis anos depois, as mesmas palavras foram ouvidas, desta vez na voz de George Floyd. E se em 2014 se apelou-se à mudança, em 2020, o movimento Black Lives Matter ganhou força e levou à revogação desta lei.
Após esta decisão, a ProPublica pediu ao Conselho de Revisão de Queixas Civis de Nova Iorque (CCRB), uma lista dos agentes e das queixas realizadas acerca dos mesmos e, caso tivessem sido aplicadas, das ações disciplinares.
“Estamos a tornar esta informação pública e a revelar uma imagem sem precedentes das queixas dos cidadãos acerca do abuso por parte dos agentes do Departamento de Polícia de Nova Iorque, dando ainda a conhecer os limites do atual sistema que é suposto responsabilizar os agentes pelas suas ações”, escreve Eric Umansky, editor-chefe adjunto da ProPublica.
A base de dados, publicada este domingo, apresenta nomes de oficiais no ativo que tiveram pelo menos uma queixa realizada contra eles, tendo esta sido verificada pelo CCRB. No total estão presentes, nesta lista, 3996 agentes, num total de 12 056 queixas.
Esta lista não possuem todas as queixas realizadas contra agentes, sendo que só estão presentes as denúncias que foram investigadas pelo CCRB, tendo sido excluídas alegações que os investigadores concluíram como sendo infundadas.
Os investigadores são muitas vezes incapazes de chegar a conclusões quanto a certos casos, visto que, por vezes, o Departamento de Polícia não faculta as provas necessárias, tal como imagens das câmaras usadas pelos agentes, apesar da obrigação legal de colaborar com o CCRB.
Noutros casos (que foram incluídos na base de dados), os investigadores concluíram que os relatos dos civis eram verídicos, porém, a conduta era permitida de acordo com as regras da polícia. Casos destes, em que é dada uma certa liberdade e discrição aos polícias, são classificados como “dispensados”.
“Eu dispensei imensos casos que envolviam uma conduta terrível, mas que se enquadravam dentro das diretrizes da polícia”, confessou Dan Bodah, ex-investigador do CCRB.
Vários sindicatos opuseram-se à divulgação destas informações, o que levou um juíz federal a emitir uma ordem de restrição temporária que proíbe a divulgação dos registos disciplinares. A ProPublica, não fazendo parte da ação judicial, decidiu avançar com a divulgação dos registos.