Não se pode escrever que a surpresa tenha sido total – os sinais de desconforto estavam à vista há vários meses. Mas foram as declarações do príncipe Harry e da sua mulher, Meghan Markle, no documentário Harry & Meghan: An African Journey, rodado durante uma viagem de ambos por África, que em outubro último cimentaram a certeza de que o stresse e mal-estar sentido pelos duques de Sussex já não iria durar muito mais tempo.
Nesse documentário da ITV, Meghan confirmava que a sua adaptação após o casamento, em maio de 2018, fora “difícil”, sobretudo pelo facto de estar constantemente debaixo das atenções dos media. Como Harry também não lidaria bem com a situação, era urgente mudar de paradigma. “Digo há muito tempo a H – como lhe chamo – que não é suficiente apenas sobreviver a algo, esse não é o objetivo da vida. Temos de evoluir”, contava a ex-atriz americana.
O próprio príncipe admitiria no mesmo documentário que a pressão dos media lhe exigia cuidados constantes, fazendo uma analogia com o que se passara com a sua mãe. “Pensei que estava fora de perigo e, de repente, tudo voltou, e isso é algo que tenho de gerir. Parte desse trabalho significa ter de manter a compostura, mas, para mim e para a minha mulher, há muitas coisas que magoam, especialmente quando a maior parte não é verdadeira.”
O anúncio, feito esta quarta-feira, 8, de que vão afastar-se dos seus deveres como parte da família real britânica só surpreendeu, por isso, quem andava muito distraído. Lembre-se que Harry nunca se coibiu de mostrar a sua indignação com o bullying de que, dizia, Meghan era alvo, tendo começado a emitir comunicados públicos logo após o noivado. E, no final do ano passado, os dois avisaram que iriam processar o tabloide The Mail On Sunday, por ter publicado ilegalmente uma carta escrita pela duquesa.
Também não terão sido indiferentes as críticas às despesas feitas por ambos após o casamento, nomeadamente a utilização de aviões privados (quatro em apenas onze dias, no verão passado), uma viagem de Meghan a Nova Iorque só para ir ao luxuoso baby shower de uma amiga e os 2,4 milhões de libras (mais de 2,8 milhões de euros) gastos na remodelação da Frogmore Cottage, no Berkshire.
O que dizem no comunicado
O facto de terem decidido passar este Natal no Canadá, com o filho, Archie, de 9 meses, e um grupo de amigos, uma decisão muito notada e falada, seria mais um sinal de que queriam viver a vida à sua maneira. É verdade que Meghan morou em Toronto quando trabalhava na série de televisão Suits, e que tem lá dois dos seus melhores amigos, Jessica e Ben Mulroney, mas estas férias foram um prenúncio do que aí vinha.
“Após muitos meses de reflexão e debates internos, escolhemos realizar a transição este ano e começar a desempenhar um novo papel progressivo dentro desta instituição”, lê-se logo a abrir no comunicado oficial que partilharam na sua página de Instagram, em que não se ensaiam a dizer ao que vão:
“Pretendemos recuar como membros seniores da família real e trabalhar para nos tornarmos financeiramente independentes, enquanto continuamos a apoiar totalmente Sua Majestade a Rainha. É com o seu encorajamento, nomeadamente nos últimos anos, que nos sentimos preparados para a transição”, escrevem.
“Planeamos equilibrar o nosso tempo entre o Reino Unido e a América do Norte, continuando a honrar o nosso dever para com a Rainha, a Commonwealth e os nosso patrocínios. Este equilíbrio geográfico vai permitir-nos criar o nosso filho de acordo com a tradição real em que nasceu, além de proporcionar à nossa família o espaço para se concentrar no próximo capítulo, incluindo o lançamento da nossa nova entidade de solidariedade.”
“Esperamos partilhar todos os detalhes deste emocionante próximo passo no seu devido tempo, enquanto continuamos a colaborar com Sua Majestade, a Rainha, o Príncipe de Gales, o Duque de Cambridge e todas as partes relevantes.”
Independência financeira possível?
Harry ocupa o sexto lugar na linha de sucessão do trono britânico, depois do pai, do irmão e dos três sobrinhos, filhos de William. Esta sua decisão não tem precedentes no mundo moderno; é preciso recuar a Eduardo VII, que abdicou de ser rei por amor à divorciada americana Wallis Simpson.
Nos últimos tempos, Harry ocupou-se a ajudar na conservação em África e a organizar os Jogos Invictos para membros das Forças Armadas feridos ou doentes. Meghan deu a cara pelo Teatro Nacional britânico e pela organização de beneficência Smart Works. Daqui para a frente, quase tudo é possível. Por enquanto, apenas anunciaram que vão ter uma nova instituição de beneficência.
A grande questão é saber o que significa tornarem-se financeiramente independentes. Até hoje, não podiam ganhar dinheiro – estava-lhes vedado. Agora, fala-se na hipótese de o príncipe fazer palestras, podendo cobrar um valor igual ao de Obama – cerca de 90 mil euros por sessão. E quem se lembra da duquesa dos seus tempos de atriz sonha com um regresso à representação – sendo que a sua resposta tem sido “nim”.
Certo é que vão deixar de ser financiados pelo Sovereign Grant, o fundo destinado a suportar os deveres oficiais da Rainha e a manutenção dos palácios reais ocupados e composto por dinheiro público. Não está claro, ainda, se o príncipe Carlos e a Rainha Isabel II vão deixar de os ajudar a pagar as contas, como sempre fizeram.
Segundo a imprensa inglesa, o casal custa 600 mil libras – cerca de 707 mil euros – por ano aos contribuintes britânicos. No ano passado, a Família Real custou 1,24 libras (1,46 euros) a cada um dos seus súbitos no Reino Unido. Mesmo sabendo que atraem e gerem milhões em turismo, a sensação de que menos é mais ganha expressão.