Diz-se que é um país geograficamente dado a abalos – um sismo de 4,5 de magnitude voltou a atingiu o Irão esta madrugada – mas o receio maior agora é o que virá depois da retaliação iraniana, 22 mísseis de curto alcance que, horas antes daquele tremor, atingiram duas bases militares ocupadas por americanos no vizinho Iraque.
Segundo o Irão, morreram “80 terroristas americanos” e o ministro dos Negócios Estrangeiros iraniano Javad Zarif assinalou, satisfeito: “Não queremos começar uma guerra, estamos só a defendermo-nos”. Já os EUA não confirmam o número de baixas, enquanto Trump prepara uma declaração pública para esta tarde. Ao mesmo tempo, os democratas deixam o aviso: “A América e o mundo não aguentam uma guerra”, palavras de Nancy Pelosi, a democrata presidente da Câmara dos Representantes, dando força à ideia de que uma guerra agora só vai ajudar o estado islâmico e o Daesh.
Os ataques das forças militares do Irão atingiram as bases de Al Asad, a 60 quilómetros de Bagdad, a capital do Iraque, ocupada pelo americano em 2003, quando da invasão daquele país. E também a base de Erbil, onde está o contingente internacional e de onde foi lançado o raide que culminou na morte de Al Baghdadi, o líder do Daesh, em outubro passado.
Desde essa altura que se fazia sentir um clima de tensão, mas a escalada de violência tomou estas proporções depois da morte do cabecilha da estratégia militar iraniana, Qaesem Soleimani, na passada sexta-feira, 3. Às ameaças do Irão, Trump respondeu que já tinha a mira em 52 locais daquele país – e foi então que surgiram as acusações de estar a querer provocar uma guerra para fugir ao impeachment e também, depois, conseguir ser reeleito.
Uma saída airosa para toda esta crise poderá estar no seu pensamento, avalizam estrategas internacional, citados pelo The Guardian e pelo The Independent, considerando que os danos provocados pelo Irão foram pesados no simbolismo. Os mísseis foram lançados por volta das 13h30, mais ou menos à mesma hora do ataque de drones de sexta-feira. Os principais assessores iranianos e meios de comunicação semioficiais twittaram fotos da bandeira do país durante o ataque – à semelhança do que fez Trump quando surgiram os primeiros relatos da morte de Soleimani. Além disso, a Guarda Revolucionária apelidou a operação de “Mártir Soleimani”.
Só que, é também (bem) lembrado, foram ataques preparados de forma a evitar baixas maiores entre os americanos – afinal, atingiram bases que já estavam em alerta máximo. Isso também fez muito boa gente pensar que não há qualquer apetite por guerra no Irão, apesar da multidão de pessoas que acudiu ao funeral de Soleimani, numa rara demonstração de unidade nacional de uma sociedade ferida por uma brutal agressão.
É verdade que várias fações políticas pediram retaliação pelo que considerava “um ato de guerra” e que o líder religioso do país, Ali Khamenei, prometeu vingança severa. Um iraniano até ofereceu, alegadamente, 80 milhões de dólares pela cabeça de Donald Trump, depois deste ter ripostado, com algum desdém, que “o Irão nunca ganhou uma guerra”. E embora o país possa parecer ávido de vontade para dar cabo do exército mais forte do mundo, a memória da guerra da década de 1980 ainda está bem viva – e não há propriamente apetite para começar uma guerra a sério.
Os mais velhos recordam-se bem do que foi a devastação de então, em que centenas de milhares de pessoas foram mortas, muitas cidades fronteiriças com o Iraque destruídas e uma série de aldeias curdas atingidas com armas químicas pelo exército de Saddam Hussain. Grandes retratos dos milhares de jovens “mártires” dessa guerra ainda são vistos nas muralhas da cidade e todos os bairros têm uma rua com o nome de um. Assim, este ataque considerado de alto perfil poderá ser considerado a retaliação apropriada por enquanto, só com o objetivo de, a longo prazo, forçar os americanos a retirar de vez as forças do vizinho Iraque.
Nada que ainda assim descanse outros líderes. O tema deverá também dominar a reunião da comissão europeia, que decorre esta tarde em Bruxelas. Um pouco por todo o lado, o receio maior é que Trump tenha atirado dinamite para um barril de pólvora – e isso explica ainda que se tenha receado que a que a queda do avião ucraniano, nesta mesma madrugada, durante a descolagem do aeroporto de Teerão, a capital iraniana, pudesse ter outro motivo que não apenas de origem técnica. Morreram 176 pessoas, mas as autoridades descartaram de imediato qualquer envolvimento militar no caso. Ainda assim, os efeitos colaterais não demoraram: várias companhias aéreas europeias já cancelaram voos com rotas que sobrevoem o espaço aéreo tanto do Irão como do Iraque – a portuguesa TAP não tem voos a atravessar qualquer um dos países.
Recorde-se ainda que os EUA preparavam já uma reorganização dos seus militares da região, ao mesmo tempo que os responsáveis iranianos prometiam que, mesmo o mais suave dos 13 cenários possíveis de retaliação seria um pesadelo histórico para os americanos. “A operação para vingar o sangue do grande herói da nação iraniana não será única”, afirmava Ali Shamjani, o secretário do Conselho Supremo de Segurança Nacional do país, garantindo que mesmo o mais fraco dos treze cenários de vingança seria um pesadelo: “Se as forças norte-americanas não deixarem a nossa região por conta própria, garantiremos que os seus corpos vão sair na horizontal”.
Por seu lado, o Pentágono já tinha autorizado o envio de mais 4500 soldados, para se juntarem ao continente dos 50 mil que já lá estão. E, à medida que a tensão aumenta, reforçam-se todo os postos, bases marítimas e aeroportos nas redondezas. Um pouco por todo o mundo, as embaixadas americanas também passaram a estar em alerta – Lisboa inclusive – pedindo aos seus cidadãos para serem discretos e estarem atentos a tudo que se passa à sua volta.
Militares portugueses não saem da base e só circulam de colete antibala
Colocados na base de Besmayah, a dez quilómetros para sul de Bagdad, a capital iraquiana, há 35 portugueses que deverão permanecer no local, apesar do treino e formação estarem suspensos. Apesar de aquele ser considerado um local de baixo risco, os militares não deverão sair da área, onde circulam sempre de capacete e colete à prova de bala. “A nossa missão é de formação”, assegurou esta manhã o nosso ministro da Defesa, João Gomes Cravinho, no Quartel General do Comando Regional Sul do Atlântico da NATO, em Oeiras, sublinhando: “Estão salvaguardados”.