Com a Antártida a sofrer uma perda acelerada de massa das suas camadas de gelo, um grupo de investigadores instalou, em 2014, 34 monitores sísmicos na plataforma de Ross, a maior plataforma de gelo do mundo, com uma superfície equivalente à de Espanha. A ideia era monitorizar as alterações provocadas tanto pelo aquecimento da temperatura do ar como pela erosão inferior, uma vez que os glaciares representam uma variável fundamental no aumento do nível da água do mar ao longo das próximas décadas.
Depois de dois anos a observar as camadas superiores da plataforma de Ross – que funciona como uma espécie de “rolha” para as camadas de gelo da Antártida, impedindo que o gelo chegue livremente ao mar – os cientistas descobriram que o gelo “canta” de forma quase contínua e que o faz em frequências diferentes, dependendo do vento e do grau de derretimento. Quando a temperatura subia e o gelo começava a derreter, as ondas de som abrandavam e o tom baixava. Mas mais: quando as temperaturas baixavam novamente, a camada de neve superior voltava a congelar, mas não regressava ao tom inicial, pré-derretimento, o que o geólogo Trevor Nace, num artigo que publicou na Forbes, acredita ser um indicador de que, uma vez derretidas, as camadas superiores de gelo não voltam à sua forma original.
Apesar de estes sons serem inaudíveis para o ouvido humano, os investigadores converteram as frequências e a União Geofísica Americana partilhou no Twitter o resultado:
“É como se estivessemos a soprar uma flauta, constantemente, para a camada de gelo”, descreve Julien Chaput, da Universidade do Colorado, que liderou a investigação. Em comunicado, a geofísica explica que tal como os músicos podem mudar o tom de uma nota numa flauta alterando os orifícios que deixam passar o ar e a velocidade a que o fazem, também as condições meteorológicas da camada de gelo podem alterar a frequência da sua vibração. “Tanto se pode mudar a velocidade da neve aquecendo-a ou arrefencendo-a, como se pode mudar como se toca a flauta, adicionando ou destruindo dunas”, compara.
No trabalho publicado no Geophysical Research Letters, os cientistas sublinham que as suas observações “demonstram que a monitorização sísmica pode ser usada para monitorizar continuamente as condições junto à superfície de uma camada de gelo e de outros corpos gelados até vários metros de profundidade”.
Douglas MacYeal, glaciologista da Universidade de Chicago que escreveu uma análise à descoberta na mesma publicação, resume que “se esta vibração sosse audível, seria análoga ao som produzido por milhares de cigarras quando invadem as árvores e as plantas no final do verão”.