Primeiro, veio o convite da Aliança Esquerda, uma lista “semelhante ao Bloco, mas não tanto de esquerda”, que aceita candidatos independentes. Depois de se aconselhar com os dois filhos, ganhou asas o projeto de uma candidatura anti-política. Pedro Aibéo, arquiteto de 37 anos, lança-se agora a um dos 85 cargos no conselho municipal de Helsínquia, capital da Finlândia, para ser a voz forte da minoria dos cidadãos que, muitas vezes, não entende sequer a língua do país.
“Acho que há uma incoerência no processo. Fala-se muito de integração [na Finlândia], mas depois nenhum candidato faz campanha em inglês ou traduz as minutas das reuniões. Há pessoas que não entendem finlandês nem sueco. Mas pagam impostos e têm direito a votos.” E, se podem votar, Aibéo quer ser o seu instrumento.
São dois os objetivos do português: alimentar a democracia direta, através de uma aplicação móvel que permitirá aos cidadãos votarem diariamente nos temas que lhes interessam, e acabar com o carreirismo político, que acredita ser prejudicial. “Os políticos sao muito baseados no egocentrismo”, afirma o candidato à VISÃO. “É difícil saber o que estão mesmo a pensar, ou qual é a sua verdadeira moral”. E inclui os políticos portugueses nesta descrição.
A solução? Quem é eleito deve tornar-se um simples veículo da soberania popular. Até porque, acrescenta, “o resultado de uma consultadoria popular, bem feita, supera o da consultadoria de especialistas”. Como prometido no site da sua campanha, Aibéo assegura que, chegada a altura de votar no conselho municipal, o fará exclusivamente consoante a vontade de quem já tiver votado e debatido o assunto através da aplicação móvel. Tudo traduzido em inglês, naturalmente. E sem receber: com a eleição, vem a promessa de distribuir o seu salário municipal pelos membros da sua campanha.
A sua aversão ao panorama político atual é clara: já escreveu, aos portugueses, contra a votação em eleições. Pediu que parassem de “alimentar esses políticos que só buscam protagonismo” e classificou o voto como um “ato ingénuo”.
O sistema que agora sugere poderia funcionar em Portugal? “Sim, sem dúvida. Vocês até fizeram o Orçamento Participativo, que não é fantástico mas é um começo”, responde Aibéo. Mas sobre a possibilidade de funcionar a nível do Parlamento, hesita. A proposta funciona melhor “em termos municipais.” Por cá, os políticos continuam a falar demasiado, afirma. Mas, passo a passo, o cenário parece estar a melhorar. Desde que se acabe com “a mania do saudosismo, de que tudo o que é feito lá fora é melhor.
O ativismo está-lhe no sangue. Lutou contra a Fundação Guggenheim, onde garante haver “muita corrupção”. Como no Museu Bilbao, “que está cheio de dívidas”. O arquiteto, que chegou a Helsínquia em 2014 para abrir o seu próprio escritório, explica que a fundação queria fazer o mesmo na capital finlandesa e pedir aos cidadãos que “pagassem por isso”. A batalha, afirma, ficou vencida quando o projeto caiu por terra. E critica a “escravatura urbana”: se antigamente se compravam e vendiam seres humanos, “hoje és arrendado. Ou seja, tens um contrato de trabalho, um mestre”. Daí querer dar a todos poder de participação e decisão.
O importante, para Aibéo, é uma constante distribuição de poder. “Se toda a gente fosse político, não havia políticos profissionais. Ser político seria ser cidadão.” A cidadania realpolitik proposta pelo arquiteto é posta à prova já no próximo dia 9 de abril, o dia das eleições municipais.
Leia aqui o “manifesto” original (em inglês) ou, se preferir, a versão traduzida:
Porque está um anarco-sindicalista português a concorrer para a câmara municipal de Helnsínquia?
Porque é um arquitecto, que tantas vezes escreveu negativamente sobre votar em eleições, agora um candidato às eleições municipais de Helsínquia? Fui desafiado há dois meses, por dois partidos políticos em Helsínquia, a candidatar-me. Isto aconteceu devido ao meu trabalho bem-sucedido contra o Museu Guggenheim, em Helsínquia.
A minha resposta imediata foi que sim, Helsínquia precisa de alguém que represente a percentagem crescente de 14% de eleitores não-finlandeses e não-suecos. Ainda assim, não acredito em representação política, nem em políticos.
Depois de pensar, e de falar com os meus dois melhores conselheiros existenciais, os meus filhos, cheguei a uma conclusão: sim, há uma forma de pessoas como eu, que não acreditam em escravos, e portanto nem em mestres, melhorarem construtivamente a atual forma de organização governamental. Através da democracia direta e do fim do carreirismo político.
O meu trabalho na arquitetura, no ativismo, no entendimento público da ciência e na pesquisa sobre democracia pelo mundo, recompensou-me com sabedoria suficiente sobre diferentes modos de estrutura governamental. Explorei muitos caminhos para melhorar a sociedade e a mim mesmo com ela, por isso também este deverá ser tomado.
Sim, a democracia veio para ficar (seja em que forma for), não o anarco-sindicalismo. Mas é possível atingir níveis de democracia direta tão altos que a ausência do poder de políticos profissionais possa ser gradualmente desmantelada.
Proponho, por isso, fazer uma campanha e um mandato como um independente sob a Aliança Esquerda, em inglês, baseado apenas em dois objetivos:
O meu objetivo imediato não é representar os eleitores mas sim dar-lhes um poder de decisão direto, AGORA.
Todas as decisões que tomar serão previamente votadas de forma eletrónica pelo grupo de pessoas que desejam seguir-me, independentemente da minha própria opinião. Irei enviar-lhes uma explicação do problema, em inglês, sobre o qual votarão. Então, vou representar a decisão votada na câmara e em todas as outras reuniões em que participar. Mesmo não sendo perfeito, este método vai mostrar um exemplo importante.
O meu objetivo a longo prazo é acabar com carreiras profissionais na política.
A pesquisa mostra que um grupo diverso de pessoas a resolver problemas toma melhores decisões coletivas que um grupo de especialistas. Todos deveriam ser um “animal político” e sentir-se incluídos ao ter uma voz real, todos os dias. Assim, precisamos de questionar a carreira política, que é frequentemente desligada dos problemas locais. Ou seja, se me tornar um político pago, a minha tarefa só será bem-sucedida quando me tornar um político amador outra vez.
Na realidade, temos um sistema ultrapassado de oradores públicos (políticos) a decidir sobre todas as matérias, independentemente da sua especialidade. O resultado é que gastamos mais tempo a falar sobre políticos que a falar sobre as políticas. Em termos práticos, e à falta de uma aproximação melhor, é preferível alargar as tomadas de decisão e incluir toda a população. Os cidadãos educados saberão também quando fazer ouvir a sua voz e quando ser neutros. Os cidadãos de Helsínquia têm uma grande educação cívica, para que façam decisões acertadas e que evitem comportamentos corruptos. Por exemplo, como engenheiro civil, estarei certamente mais envolvido em discussões sobre o túnel entre Tallinn e Helsínquia, mas não votarei tanto em tópicos com os quais não estou relacionado ou que não me interessam tanto.
Podemos introduzir gradualmente a democracia direta, seja através da tecnologia (votos eletrónicos) ou por uma transformação gradual do nosso sistema representativo num em que os cidadãos locais são eleitos para os cargos de forma aleatória e temporária.
Numa sociedade baseada em dinheiro, toda a gente tem um preço. A velha sabedoria crê que o poder corrompe. Os eleitores deviam questionar tudo, especialmente a mim! Os eleitores deviam desenvolver um pensamento crítico e analisar, por eles próprios, o que lhes está a ser oferecido, tal como este texto. Farei o meu melhor para ser neutro, mas sou tão humano e sujeito a corrupção como qualquer outro ser humano.
Não podemos continuar como espetadores nem acreditar que vai existir uma só pessoa que será sempre virtuosa. A minha voz deve ser questionada e ouvida como todas as outras.
Agora, como no filme, votem no Pedro, para que possam votar todos os dias e não apenas a cada quatro anos!
A minha tarefa é apenas a de informar, não a de governar.
Pedro Aibéo