A campanha para o referendo britânico de dia 23 está renhida e entrou na fase em que vale tudo para convencer os britânicos a decidirem ficar ou a abandonar a União Europeia (UE). Do lado dos que querem permanecer tem-se dado muita ênfase às consequências económicas do Brexit.
Até os gelados já foram trazidos à liça, quando, na quarta-feira, 8, Paul Polman, presidente da Unilever se pronunciou perante as câmaras da cadeia Channel 4 News. Se o Reino Unido decidir sair da UE, vão aumentar de preço, avisou o patrão da multinacional anglo-holandesa do setor alimentar.
É que, justificou, com a saída britânica voltarão a erguer-se barreiras alfandegárias e estas vão encarecer as importações de países da União Europeia para as ilhas – incluindo as de laticínios para o fabrico dos gelados. “Todos fora da União Europeia têm tarifas de importação que podem ascender aos 40 a 50 por cento”, afirmou Polman.
O preço dos Magnum e afins não será o único problema com que a economia britânica terá de se debater – nem as dos seus parceiros europeus que serão diretamente afetados, como é o caso de Portugal.
Ora, se associarmos os efeitos legais e burocráticos decorrentes da saída aos de uma mais que provável depreciação da libra, o impacto será grande em Portugal. E esse começará pelas dores de cabeça imediatas para perto de três mil empresas portuguesas que exportam para o Reino Unido. O economista Pedro Braz Teixeira, diretor do gabinete de Estudos do Fórum para a Competitividade, não tem dúvidas: “Um dos primeiros impactos para Portugal será nas exportações.”
A 18 de maio deste ano, a Euler Hermes, uma subsidiária da gigante alemã Allianz especializada em seguros de crédito, divulgou um estudo sobre as consequências de uma hipotética saída britânica da União que vai precisamente nesse sentido. Portugal não só é mencionado no documento, como é apresentado integrado no pequeno grupo de países que sofrerão um “impacto significativo”. Apenas a Holanda, Irlanda e Bélgica ficarão pior, na zona vermelha do “impacto elevado”.
Segundo os cálculos da Euler Hermes, o Brexit custará à economia portuguesas qualquer coisa como €400 milhões, entre 2017 e 2019. Isto é, 0,2% do Produto Interno Bruto (PIB).
Exportações penalizadas
As barreiras alfandegárias, a desaceleração prevista da economia britânica, bem como uma eventual depreciação da libra esterlina (estimada em 10%) farão seguramente mossa nas exportadores portuguesas, que têm naquele país o seu quarto mercado. E esta traduz-se em maiores custos para quem exporta e esses custos traduzir-se-ão em produtos mais caros para os consumidores. Em suma, as mercadorias portuguesas tornar-se-ão menos competitivas no mercado britânico, que atualmente dá a Portugal o conforto de uma balança comercial de bens e serviços excedentária em €3 583 milhões (dados da AICEP, relativos a 2015).
Recentemente divulgada pela Câmara de Comércio e Indústria Luso-Britânica, uma pesquisa da ParcelHero, empresa britânica de serviços postais, arrisca mesmo uma previsão: os produtos exportados de Portugal para o Reino Unido podem sofrer um agravamento dos preços da ordem dos 30 por cento.
“Os britânicos são grandes consumidores tradicionais de produtos portugueses”, observa José Miguel Gomes da Costa, presidente da Cosec, uma companhia portuguesa de seguros de crédito. “E o efeito mais imediato do Brexit sentir-se-á ao nível das exportações”, salienta.
Com efeito, segundo o estudo da Euler Hermes, as exportações portuguesas de bens para o Reino Unido deverão encolher em €200 milhões entre 2017 e 2019. Um valor que representa uma redução de 6% face aos valores exportados em 2015.
No que toca aos serviços, onde se destacam o turismo e as viagens, o impacto será mais moderado €100 milhões – 3% do total de 2010. Entre bens e serviços, o valor das exportações portuguesas para o Reino Unido ascendeu, em 2015, aos €7 016 milhões.
Este país não só é o quarto principal destino de mercadorias made in Portugal, como as exportações portuguesas para as ilhas britânicas são em quase 40% produtos de intensidade tecnológica alta e média-alta. Destacam-se, em especial, os automóveis e as componentes para a indústria automóvel.
Só nestas duas classes, os portugueses venderam, em 2015, mercadorias num valor de 445 milhões de euros (13,3% do total) para o Reino Unido. A AutoEuropa, por exemplo, escoa cerca de 12% da sua produção para lá do Canal da Mancha – aproximadamente 12 mil carros.
O embate do Brexit far-se-á sentir em Portugal também no investimento direto estrangeiro (IDE). Um em cada 8 euros investidos por estrangeiros no tecido empresarial português teve origem no Reino Unido, atingindo os €582 milhões, em 2015. A concretizar-se uma saída da União Europeia, Portugal deverá perder €100 milhões de euros de investimento direto britânico, entre 2017 e 2019.
Outro dos efeitos será um ligeiro aumento (cerca de 1%) das insolvências em Portugal. Tendo em conta que, no ano passado, foram 9 930 as empresas portuguesas a entraram em insolvência, é razoável admitir que o número se poderá situar em torno de uma centena.
“O Brexit vai ter efeitos imediatos”, diz José Miguel Gomes da Costa. “Mas não será uma catástrofe. O tecido empresarial português tem experiência nos mercados externos. É versátil e adapta-se bem a novas realidades.”
“Se perderem mercado no Reino Unido, vão procurar alternativas noutros países”, anui Pedro Braz Teixeira.
Também Paulo Nunes de Almeida, presidente da Associação Empresarial de Portugal (AEP), está cautelosamente otimista. “Se a libra não desvalorizar, o embate será moderado”, diz. E, salienta, que, uma vez ultrapassado o primeiro impacto, o Reino Unido continuará a ser um importante mercado para Portugal.
Por outro lado, os mercados já começaram a antecipar o risco de Brexit, há mais de seis meses, quando o primeiro-ministro britânico, David Cameron, anunciou a realização do referendo sobre a permanência na UE.
Otimismo cauteloso
O anúncio gerou um ambiente de grande incerteza e impulsionou a volatilidade da libra e dos mercados financeiros, além de contribuir para expectativas pessimistas em torno do andamento da conjuntura.
Os mercados estão já a acomodar essa instabilidade, que, segundo diz Paulo Nunes de Almeida, acabará no dia do próprio referendo. “É nestes próximos dias, até à votação, que tudo se joga.”
Dados divulgados, na semana passada, indicando um surpreendente aumento de 2,3% da produção industrial em abril, sugerem que o cenário pode não ser assim tão negro como tem vindo a ser pintado.
E há outros fatores suscetíveis de contribuir para um otimismo cauteloso. “Nas questões europeias, os ingleses estão muito habituados a correr em pista própria”, lembra Paulo Nunes de Almeida, referindo as inúmeras políticas europeias em que Londres negociou para si cláusulas de opting out, entre eles a moeda única e o acordo de Schengen.
“Há incertezas. Mas não é preciso exagerar”, aponta Pedro Braz Teixeira. “A eventual desvalorização da libra pode até trazer efeitos expansionistas que acabarão por compensar a incerteza.”
Nos dois anos que se seguirão ao referendo, caso os britânicos decidam sair, os vínculos mantêm-se. E será nesse período que Londres negociará o futuro relacionamento com a UE. “Se o Reino Unido sair da União, é difícil imaginar que esta venha a ter com um antigo Estado-membro um relacionamento pior do que tem com o Canadá ou os Estados Unidos. É inimaginável que a UE dê a Londres condições piores às que deu Otava ou Washington”, afirma Pedro Braz Teixeira.
A economia de toda a Europa será afetada, se os britânicos escolherem sair. Mas o principal custo serão eles próprios a suportar. E este será seguramente mais elevado do que os cerca de €3 000 milhões anuais que o Reino Unido poupará em contribuições líquidas para os cofres comunitários e que rondam entre 0,3 e 0,4% do PIB britânico.
Segundo a OCDE, o prejuízo para a economia britânica será, em 2020, no cenário mais otimista, equivalente a 3,3% do PIB – cerca de €2200 por família. E isso no cenário mais otimista. Mas o principal preço a pagar pela saída britânica será político. No seu estudo sobre o Brexit, a OCDE lembra que o Reino Unido é mais forte no seio da União e contribui para a força desta. Com a Grã-Bretanha, a UE abrange a maior fatia do PIB e do comércio mundiais (ver infografia). Sem ela, o PIB da União será inferior ao chinês e ao norte-americano e, em termos de comércio, ficará bastante abaixo dos EUA. Por seu lado, o Reino Unido também encolherá.
No final, a fatura do Brexit vai certamente incluir o aumento do preço dos gelados. E sobretudo um custo político elevado para ambos: de um lado, teremos uma União Europeia em descrédito, enfraquecida e ameaçada pela desintegração; do outro, um Reino Unido com menos peso e influência no mundo multipolar, liderado por um primeiro-ministro que, cedendo ao populismo, não soube medir os riscos que corria ao convocar o referendo de dia 23.