Na atual situação internacional, caracterizada por fortes fotos de instabilidade política e militar, é difícil esperar a médio prazo, para já não falar do curto prazo, de uma aproximação entre a União Europeia. Porém, mais tarde, ou mais cedo, isso terá de acontecer, pois trata-se de um processo vital para a sobrevivência de ambas as partes.
O ponto de ruptura ocorreu com a ocupação da Crimeia pelas tropas russas em Março de 2014 e com a intervenção militar de Moscovo no Leste da Ucrânia logo a seguir. Este passo tomado por Putin como reacção emocional à “perda” da Ucrânia veio destruir os resultados de um longo processo de aproximação que avançava com dificuldades, mas dava frutos positivos.
Durante o seu primeiro mandato, o dirigente russo tentou continuar, e de forma mais intensa, a integração da Rússia na Europa e no mundo. Hoje pode parecer incrível, mas a verdade é que Vladimir Putin, num encontro com intelectuais escoceses, realizado em Junho de 2003, afirmou: “Sem dúvida que a Rússia é parte da Europa. Esta estende-se para lá dos Urais, porque, se olharmos para as pessoas que vivem no Extremo Oriente, pouco diferem dos cidadãos da Rússia que vivem na parte europeia”.
O que aconteceu para que Putin tenha mudado de ideias ao ponto de se rodear de políticos que consideram que o seu país pode virar as costas à Europa e voltar-se para a China, alegando, por exemplo, que a Rússia é uma potência “eurasiana”?
Uma das explicações para tal reviravolta prende-se com o facto de o dirigente russo considerar que a União Europeia e o Ocidente em particular o recebessem como membro igual em organizações como o G-8, que lhe dessem uma palavra de peso em decisões como a da intervenção militar norte-americana no Iraque em 2003. E isto depois de todas as cedências que Moscovo fez depois de 11 de Setembro de 2011, quando Washington decidiu pôr fim ao domínio dos talibãs no Afeganistão. O Kremlin aceitou que os Estados Unidos criassem bases militares em países que se encontravam na sua zona de influência: Quirguízia e Uzbequistão, e até autorizou a criação de um corredor através da Rússia para que as tropas norte-americanas recebessem mantimentos.
Putin ficou furioso ao receber a notícia da invasão do Iraque, considerando isso mais uma confirmação de que não podia confiar nos seus parceiros ocidentais.
Verdade seja dita, neste caso, a análise do Kremlin sobre as consequências dessa guerra foi bem mais realista do que a norte-americana, pois os russos conheciam melhor o regime de Saddam Hussein.
Lentamente, a política externa da Rússia vai-se tornando mais ambígua, o que ficou bem patente no famoso discurso de Vladimir Putin em Munique, pronunciado a 10 de Fevereiro de 2007. Depois de considerar negativo, irrealista, um mundo unipolar, com “um só dono e uma soberania”, ou seja, os Estados Unidos, sublinha que “a Rússia é um país cuja história se estende por mais de mil anos e teve quase sempre o privilégio de possuir uma política externa independente”.
Este aviso parece não ter sido ouvido no Ocidente e, pouco mais de um ano depois, o Kremlin passa à prática ocupando parte do território da Geórgia.
A União Europeia fez de conta que nada de extraordinário acontecera. Numa conversa com o autor deste artigo, um alto dirigente da UE reconheceu recentemente que Bruxelas esperava que Moscovo não fosse além disso.
Porém, aproveitando o aumento do preço do petróleo e do gás, Vladimir Putin decidiu reforçar e rearmar as suas Forças Armadas, relegando para segundo plano a modernização das infraestruturas do país.
Paralelamente, as relações entre a Rússia e a UE desenvolviam-se rapidamente nos mais diversos sectores, mas a desconfiança subsistia e a crise da Ucrânia, que levou ao derrube do Presidente Victor Ianukovitch, foi considerada pelo Kremlin mais um atentado contra os seus interesses estratégicos no “estrangeiro próximo” e reagiu da forma já conhecida, destruindo assim o formato de cooperação criado entre Moscovo e Bruxelas.
O Kremlin tenta, agora, reentrar e reaproximar-se da UE e dos Estados Unidos, nomeadamente através da sua intervenção na Síria, mas a desconfiança e os interesses no terreno não prometem uma aproximação nos tempos mais próximos.
No entanto, e como tento mostrar no ensaio “Rússia-EU: uma parte do todo”, a Rússia não se pode realizar fora da Europa, assim como esta continuará a estar incompleta sem a primeira.
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