Tarde de terça-feira, 5 de janeiro. Barack Obama estava a anunciar as medidas para endurecer o controlo da compra e venda de armas no país. Quando falou nas vinte crianças mortas numa escola primária em Newtown, no Connecticut, em dezembro de 2012, a sua voz começou a ficar embargada, teve de parar e só conseguiu repetir “Da primária…” antes de lhe cair a primeira lágrima.
Era um discurso difícil, sobre um assunto de primeira linha, e ele tinha uma posição claríssima para apresentar. Uma posição diferente da maioria dos americanos quanto às armas. “Ele tem uma noção mais europeia. Quer introduzir o direito penal europeu, tentou desde a primeira hora mas não é fácil”, diz José Adelino Maltês, politólogo e catedrático de Ciência Política. “É o discurso de um derrotado, de quem não conseguiu ultrapassar. E portanto chora.”
A conclusão só é óbvia para quem conhece a personalidade e o feitio do Presidente americano. Para quem sabe que ele nunca se esquiva a discursos emotivos, e que já chorou mais do que uma vez em atos públicos.
Numa pesquisa rápida no YouTube, encontramo-lo em lágrimas a falar da avó, Madeyln Dunham, “uma heroína tranquila”, na véspera de ser eleito pela primeira vez, em 2008.
Quatro anos depois, chorou no discurso final da campanha que levou à sua reeleição…
…e, na sede da campanha, ao agradecer ao seu staff.
Um mês mais tarde, voltaria a chorar por causa do massacre de Newtown.
Em 2015, um ano em que se fartou de chorar pelos cantos da Casa Branca, confessou mais do que uma vez em público, por se aproximar a hora de a filha mais velha entrar para a faculdade e abandonar a casa dos pais (“Eu e a Michelle não estamos preparados para já ter filhas tão crescidas”, justificou),
Vimo-lo chorar na eulogia por Beau Biden, filho do vice-presidente, que morreu com cancro, aos 46 anos.
E terminou o ano a emocionar-se com Aretha Franklin a cantar You Make Me Feel Like a Natural Woman, numa homenagem a Carole King, em Washington. Desta vez, além das lágrimas, emocionou-se de tal maneira que ficou sem palavras. E acabou salvo por uma salva palmas que lhe deu tempo para se recompor.
José Adelino Maltez gostou do que viu agora. “Achei uma peça histórica. Foi um exercício de estilo do melhor que já temos visto, não me pareceu artificial. Ele vai até ao fim, porque se não chorar não faz bons discursos.” E não tira consequências políticas nenhumas das suas lágrimas. “Obama é um pregador evangélico feito político. É dos melhores oradores políticos que já vi na minha vida. É um ‘filho’ de Martin Luther King, ganhou a Presidência porque fez discursos. Há quem seja teatral por natureza, mas não me parece que seja o seu caso. Vibra, e, quando vibra, não tem limites.”
O politólogo lembra que tivemos em Portugal um Presidente da República a quem lhe acontecia o mesmo com muita frequência. “Jorge Sampaio chorava quando ultrapassava os limites de um discurso, fazia parte da sua personalidade. E também não era para impressionar. Prefiro um tipo que chora a um que não chora. Já o dr. Cavaco não chorará nunca. E Soares nunca chorou, talvez porque era mais teatral, mais controlado.”