Ausência de queimaduras na pele, fracturas apenas das pernas e dos braços, hemorragias junto à raiz dos dentes, pulmões sem água. Analisados os sinais particulares que vão ajudar a identificar os corpos recolhidos ao largo do arquipélago de Fernando de Noronha – tatuagens e marcas de acne incluídas -, as atenções dos peritos brasileiros e franceses a trabalhar lado a lado no Instituto de Medicina Legal de Pernambuco, em Recife, têm–se concentrado nos ferimentos sofridos pelas vítimas. Enquanto as caixas negras não forem localizadas, são eles que fornecem as primeiras explicações para a queda do Airbus 330 da Air France que fazia a ligação entre o Rio de Janeiro e Paris, na madrugada de 1 de Junho.
Se a tarefa ciclópica de determinar as causas do acidente com o AF447 se assemelha a um complicado
puzzle – como já comparou o investigador-chefe encarregado do inquérito, Alain Brouillard -, os cadáveres encontrados a boiar no Atlântico são das peças mais importantes. Só do exame do estado dos primeiros 16 corpos resgatados infere-se que o avião não explodiu nem se desintegrou por completo no ar, e que parte da fuselagem chegou ao mar intacta, ainda com passageiros no seu interior. Mais: no momento do embate com a água, as 228 pessoas que seguiam no Airbus já estariam mortas, devido a uma rápida despressurização da cabina.
O que eles dizem
Para começar, a ausência de queimaduras afasta a hipótese da explosão – teoria que se adensou, a certa altura, com a informação nunca confirmada de que haveria dois terroristas islâmicos a bordo.
O mesmo se pode dizer do facto de os corpos terem a sua estrutura óssea quase intacta. Se o avião se tivesse desfeito completamente ainda no ar, as fracturas seriam múltiplas. Nos cadáveres resgatados, elas concentram-se sobretudo nos terços médios das pernas e dos braços.
Ao contrário do que foi avançado nos primeiros dias após a tragédia, quem seguia no voo da Air France não teve tempo para rebobinar a vida. Se é certo que o avião enviou 24 mensagens automáticas ao longo de quatros minutos, assinalando diversas avarias, as duas cadeiras da tripulação que foram encontradas ainda fechadas e com os cintos de segurança abertos indicam que as hospedeiras e os comissários de bordo estariam a dormir noutro local ou a circular pelos corredores, no momento do acidente.
É o estado dos dentes, no entanto, que mais “descanso” dá aos familiares e amigos das vítimas. Ao apresentarem hemorragias junto à raiz, os dentes são um indicador de que a falta de oxigénio deixou os ocupantes do Airbus rapidamente inconscientes, sem tempo de reacção ou dor.
A morte por asfixia e não por afogamento é corroborada pelos pulmões, que não apresentam qualquer vestígio de água.
Enquanto os peritos analisam os corpos e os destroços do avião entretanto resgatados ao mar, continua a corrida contra o tempo para encontrar as caixas negras que deverão estar a 6 mil metros de profundidade. As suas baterias esgotam-se ao fim de um mês, e com elas a esperança de o
puzzle alguma vez ser terminado.