Carlos Tavares: a saída do gestor-estrela e o futuro da Stellantis

O português deixa a liderança do Grupo Stellantis um ano antes do prazo previsto Foto: D.R.

Carlos Tavares: a saída do gestor-estrela e o futuro da Stellantis

O grupo Stellantis, que controla 14 marcas de automóveis, como a Peugeot, Citroën, Fiat, Opel, Chrysler e Jeep, entre outras, enfrenta uma verdadeira tempestade de incertezas após a demissão de Carlos Tavares, o gestor que pegou na francesa PSA em 2014 e, em apenas dez anos, construiu o quarto maior grupo automóvel do mundo.

A demissão de Carlos Tavares aconteceu no passado domingo, 1, durante uma reunião da comissão executiva com os representantes dos acionistas. Segundo fontes ligadas ao processo, ambas as partes entraram em forte divergência quanto às estratégias da Stellantis, sobretudo no futuro da eletrificação.

Esta incerteza quanto ao futuro da Stellantis provou uma enorme instabilidade nas ações da empresa. No dia seguinte à tomada desta decisão, as ações da Stellantis caíram mais de 7% na Bolsa de Milão e mais de 6% na Bolsa de Paris, o que representou uma perda de valor da empresa da ordem dos 2,5 mil milhões de euros.

John Elkann ‒ neto do mítico empresário Gianni Agnelli e o líder da empresa que gere os negócios da poderosa família italiana ‒ foi um dos principais opositores da política de redução de custos que Carlos Tavares queria levar a cabo, como forma de mitigar a quebra da produção causada, em grande parte, pela grande concorrência chinesa no setor dos carros elétricos.

Paris O ex-líder da Stellantis recebe o presidente francês, Emmanuel Macron, no maior salão automóvel de França Foto: Xavier-Alexandre Pons

De maneira a conseguir ter carros mais baratos para competir com os chineses, Carlos Tavares tinha vindo a insistir numa política de corte de custos em muitas das fábricas do grupo. Em França, extinguiu mais de 600 postos de trabalho na fábrica de Mulhouse, unidade onde foram fabricados muitos dos modelos da Peugeot e Citroën. Além disso, tem vindo a transferir algumas linhas de montagem de França para países com mão de obra mais barata, como Marrocos ou Turquia.

Apesar destas mudanças não terem sido pacíficas, é em Itália que a situação se tem mostrado mais controversa. Neste país, os sindicatos têm feito uma forte pressão sobre o poder político acerca do possível encerramento de fábricas. Um dos melhores exemplos é Turim, cidade onde a família Agnelli criou a sua primeira fábrica de automóveis, há 125 anos. Ao longo dos anos, Turim ficou muito dependente desta indústria que, diretamente, dá emprego a mais de 60 mil pessoas. 

É, aliás, nesta cidade que fica o complexo de Mirafiori, a sede da Fiat e uma das suas mais icónicas fábricas. A unidade tem estado parada durante longos períodos e cerca de três mil trabalhadores estão de licença temporária com salário reduzido.

A estratégia defendida por Carlos Tavares, porém, pretendia ir ainda mais longe. Segundo o líder sindical italiano Ferdinando Uliano, a Stellantis estava a preparar o despedimento de mais de 12 mil funcionários das fábricas italianas, sendo Mirafiori uma das mais afetadas. Carlos Tavares já tinha defendido que “se uma marca não é rentável terá de ser encerrada”. Uma frase que mostra bem o pragmatismo do gestor português.

Quer tenha sido por interferência política ‒ o ministro da indústria italiano, Adolfo Urso, viu-se obrigado a reunir com os sindicatos e com os acionistas ‒ ou por pressão da família Agnelli, a Stellantis recuou, pelo menos no papel, tendo emitido um comunicado a dizer que não tinha intenção de fazer despedimentos coletivos nem de encerrar fábricas na sua totalidade.

Mas este terá sido um comunicado para acalmar os ânimos, pois Carlos Tavares pretendia levar a cabo a sua estratégia como forma de conseguir ter veículos mais baratos e, só assim, conseguir competir com os chineses. 

Com a recente demissão de Carlos Tavares, a função de CEO será agora assumida por John Elkann. “O processo de nomeação do novo CEO será conduzido por um comité especial do Conselho de Administração e o novo nome deverá ser anunciado durante o primeiro semestre de 2025. Durante este período de tempo, a comissão executiva será presidida por John Elkann”, diz o comunicado enviado pelo conselho de administração logo após a decisão de Carlos Tavares.

Instabilidade interna

“O êxito da Stellantis desde a sua criação tem sido baseado num perfeito alinhamento entre os acionistas de referência, o conselho de administração e o CEO. No entanto, nas últimas semanas, os pontos de vista têm vindo a divergir, o que levou a esta decisão”, salientou Henri de Castries, um dos administradores independentes do grupo.

Mas esta harmonia tem vindo a deteriorar-se. Em setembro deste ano, a Stellantis já tinha feito um comunicado aos acionistas para os alertar sobre a possibilidade de uma redução dos lucros no final de 2024. “A deterioração das condições do setor automóvel em todo o mundo refletem uma previsão de mercado para 2024 mais baixa do que o esperado no início do ano, enquanto a dinâmica competitiva se intensificou devido ao aumento da oferta da indústria, bem como ao aumento da concorrência chinesa”, anunciou a Stellantis num comunicado emitido em setembro.

Como justificação, a Stellantis disse que os problemas tinham por base, em grande parte, um pior desempenho das vendas no segundo semestre do ano na maioria das regiões do globo, nomeadamente nos EUA. Para atenuar o problema, a Stellantis iria reduzir o fornecimento para este país em 200 mil carros, como forma de “normalizar o stock”. Além disso, pretendia implementar uma política de descida dos preços ou criar incentivos à compra dos seus veículos para escoar os carros que encontravam nos concessionários. Ao todo, esta instabilidade poderia ter um impacto negativo da ordem dos 5 a 10 mil milhões de euros nos contas do grupo. Segundo fontes da empresa, citadas pelo The Guardian, este comunicado foi outro dos pontos de discórdia entre as duas partes. Carlos Tavares opôs-se à publicação de um comunicado tão severo, argumentando que a Stellantis poderia fazer cortes drásticos dos seus custos e, com isso, gerar dinheiro suficiente ao longo do resto do ano para minimizar os efeitos da queda das vendas. Segundo a mesma fonte, o conselho de administração defendeu que estes cortes poderiam fazer acumular problemas para o ano seguinte, e vetou a intenção do gestor.

Uma década de transformação

Carlos Tavares assumiu a liderança do Grupo PSA em 2014, depois de uma carreira na rival Renault, na qual tinha chegado a número dois na hierarquia de gestão. A PSA, que na altura tinha apenas as marcas Peugeot e Citroën, estava há vários anos a acumular prejuízos, o que obrigou o gestor português a implementar uma política agressiva de corte de custos e criar novas estratégias comerciais, levando a empresa aos lucros.

Para ganhar dimensão e beneficiar de efeitos de escala, avança para a compra da Opel, que apesar de ter passado por vários acionistas, já registava prejuízos consecutivos há cerca de 20 anos. Logo no primeiro ano sob a alçada da PSA, a Opel passa a ser lucrativa. Pelo meio criou ainda a DS, destacando uma referência da Citroën ‒ o icónico modelo DS ‒ para uma marca isolada como forma de entrar no segmento premium dos automóveis, onde as margens de lucro são mais elevadas.

Em 2021, toma uma das decisões mais arrojadas ao fundir a PSA com a FCA – Fiat Chrysler Automobiles, o que daria origem ao quarto maior fabricante mundial de automóveis do planeta, a Stellantis, com 14 marcas de carros. Esta operação criaria uma poupança anual de 5 mil milhões de euros em termos de energias, devido à partilha de tecnologia e plataformas.

Para a PSA, esta fusão era a possibilidade de ganhar escala e entrar em mercados onde não tinha qualquer representação como, por exemplo, os EUA, onde a FCA estava presente com as marcas Chrysler, Jeep e RAM. Para a Fiat, a fusão permitia-lhe ter acesso a tecnologia fundamental para a transição para a mobilidade elétrica, setor onde os italianos estavam muito atrás dos seus concorrentes.

Um ano após esta decisão, a Stellantis apresenta lucros de 16,8 mil milhões de euros, valor que no ano seguinte subiria para 18,6 mil milhões.

A saída de Carlos Tavares estava prevista para o final de 2026, altura em terminaria o atual mandato como CEO. Os diferentes pontos de vista para o futuro da empresa acabaram por antecipar a sua saída. O futuro dirá quem teria a política mais acertada. Em Portugal, a dúvida vai agora para Mangualde, onde o líder da Stellantis fez um forte investimento para começar a produzir os furgões elétricos. Segundo o grupo, a unidade portuguesa tem sido uma das que tem apresentado melhores desempenhos em todo o universo Stellantis.

Da PSA à Stellanti

Em dez anos, Carlos Tavares pegou num grupo de média dimensão, com apenas duas marcas, e criou o quarto maior construtor de automóveis do mundo

14 marcas de carros
Para além da Peugeot, Citroen, Opel, Chrysler e Fiat, a Stellantis tem ainda a Jeep, DS, Alfa Romeo, Dodge, RAM, Lancia, Maserati, Vauxhall e Abarth

€189 mil milhões
Faturação global da empresa em 2023, o que representou um crescimento de 6% face ao ano anterior. As previsões são bem mais baixas para 2024

€18,6 mil milhões
Os resultados líquidos do ano passado foram um novo recorde para a empresa automóvel. Em 2022, os lucros ascenderam aos 16,8 mil milhões de euros

6,4 milhões
Número de carros vendidos em todo o mundo pelas 14 marcas da Stellantis no ano passado. A Europa, com 2,7 milhões de unidades, representa mais de um terço das vendas totais do grupo

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