Como a Uber mantém um funcionário sempre disposto a trabalhar? Com videojogos. O jornal americano “The New York Times” explicou como a empresa que que está a ameaçar os taxistas de todo o mundo motiva os seus motoristas a estarem sempre disponíveis para novos clientes. A solução encontrada foi a mesma dos criadores de videojogos para que os miúdos não larguem o comando: dar pequenas metas a serem batidas.
Segundo a reportagem do jornal, a empresa incentiva os motoristas a trabalhar para quebrar uma meta financeira diária pessoal ao invés de tentarem apenas aproveitar-se dos horários de maior demanda para aumentar o lucros.
A lógica é semelhante à vista no videojogo Tetris, fenómeno nos anos 80 e 90, em que o jogador torna-se obcecado por quebrar pequenos recordes pessoais, já que não há um final previsto para o jogo.
A Uber também utiliza outra prática consagrada nas plataformas modernas. Os motoristas recebem “troféus” quando quebram alguma marca subjetiva – como ter uma determinada sequência de boas avaliações pelos passageiros. Não há qualquer benefício financeiro nestas conquistas.
Esta abordagem de negócio tem raízes na economia comportamental, que relaciona fatores sociais, cognitivos e emocionais com as decisões económicas tomadas por uma pessoa.
Como um motorista da Uber é considerado um trabalhador independente, pode a qualquer momento desligar a aplicação e ir para casa. Para evitar isso, a empresa usa o incentivo negativo – lembrá-lo que está a perder dinheiro quando está parado.
Josh Streeter, motorista da Uber, disse ao “New York Times” que cada vez que tentava desligar a aplicação recebia uma mensagem a lembrar que estava próximo de atingir determinado objectivo financeiro.
“Estás a 10 dólares de atingir 330 dólares (€309) em lucro líquido, tens certeza queres ficar offline?”, apareceu no telemóvel do motorista quando tentou encerrar o trabalho na noite de Ano Novo. “Eu tenho imagens de dezenas dessas mensagens”, disse Streeter ao jornal americano.
Outras estratégias são aplicadas para incentivar o lado compulsivo dos motoristas. Por exemplo, a aplicação avisa que há uma nova corrida disponível quando o carro ainda está a encerrar a atual. A prática visa não só diminuir o tempo de espera dos passageiros, mas também motivar o trabalhador a seguir ao volante.
O desenvolvimento desta técnica de incentivo tem origem nas criticas recebidas pela empresa no passado. A relação entre Uber e motoristas sempre foi alvo de críticas, com trabalhadores a afirmar que precisavam trabalhar de 50 a 60 horas semanais para conseguir ter lucro. Este atrito estava a fazer como que a Uber perdesse profissionais para outras plataformas concorrentes.
A tentativa de usar estratégias dos videojogos para motivar a compulsão dos funcionários não é novidade, mas geralmente acabam barradas pelas leis do trabalho. Como o único requisito para a Uber é uma aplicação de telemóvel, a empresa ainda atua em uma área cinza dessas leis.
“O que ela (a Uber) está a fazer é basicamente: ‘achamos um modo barato de fazer você trabalhar sem pagar mais e pagaremos em troféus que custam nada’. Isso é uma abordagem manipuladora”, alerta Kevin Werbach, professor de gestão e especialista no uso de videojogos no ambiente de trabalho, em entrevista ao “New York Times”