Não tem qualquer pudor em comparar-se a Cristiano Ronaldo, pois considera que as duas histórias de vida andam a par. Encurtando caminho, David Santos, 32 anos, começa por falar da sua mãe coragem e do seu pai, que já morreu. Emigraram para a Bélgica quando meio Portugal fugiu da era da ditadura, e conseguiram ficar a trabalhar na casa – ou será melhor dizer castelo? – do multimilionário Aldo Vastapane. Foi lá que sempre viveram, na tranquila La Louvière, a 50 quilómetros de Bruxelas. E foi lá que David cresceu, seguindo os ensinamentos do seu “modelo de sucesso e humildade”, o patrão dos pais, que rapidamente se transformou num amigo da família.
Enquanto andou na escola, David Santos sentiu-se descriminado por ser filho de emigrantes portugueses – “eles só são bons para limpar”, atiravam-lhe. Cresceu revoltado e ambicioso, apostado em provar que essas ideias feitas não passavam disso mesmo.
Acabou por deixar, aos 20 anos, o curso de Educação Física, porque desistiu de ser professor (“o meu único diploma é de nadador-?-salvador”). E partiu para o mundo dos negócios. Juntou-se a um amigo, abriu uma loja de roupa de marca italiana, mas um ano depois já estava sozinho, porque a sua visão se distanciava muito da do sócio. Foi quando comprou, por 95 mil euros, um clube de vídeo.
Como seria de esperar de um jovem cheio de ideias, o clube de vídeo servia apenas de nome para uma loja que vendia tudo o que significasse novidade – vuvuzelas incluídas. Mas foi com o exclusivo da comercialização de bonecos de wrestling para a Bélgica que a sua vida começou a mudar.
Comprou a segunda loja um ano e meio depois e a new generation video passou a comercializar todos os produtos multimédia, desde cds, a dvds, passando por jogos de vídeo. A seguir, salvou o emprego a dois funcionários adquirindo uma terceira loja do mesmo ramo, que funcionava num centro comercial. Estava criado o império deste “fanático” de cinema, que aprecia números redondos: “Tenho mais de 25 mil filmes em stock. Mesmo assim não durmo enquanto não encontrar algo que um cliente procure.”
Quando a Bélgica se qualificou para o Mundial de 2014, os seus olhos de empreendedor registaram a loucura crescente e vislumbraram um negócio, com a vuvuzela em mente e o seu amor pelo futebol no coração. Só em Espanha encontrou a buzina ideal para fazer barulho nos jogos. Juntou-se, então, ao designer Fabio Lavalle, negociaram a patente e revolucionaram o modelo – mais prático, fácil de transportar e de reproduzir com as cores das bandeiras, por ser composto por três partes. Depois de um concurso no Facebook, chegaram ao nome diabólica, que se tornou no símbolo dos diables rouges (diabos vermelhos).
Sem limites
Tudo corria de feição, como se nota. A não ser quando comparavam a diabólica à vuvuzela. “Tentei reproduzir o som de uma buzina a gás, sem ser preciso gás”, explica. Além disso, assegura, a sua versão dura uma vida. Assim haja fôlego.
Começou a trabalhar a personagem, a conceptualizar o objeto, inspirado por outro dos seus mentores, Steve Jobs. “Isto não é uma buzina, é a diabólica.” Mesmo antes do Mundial, já tinha produzido mais de 700 mil. Agora está quase a atingir um milhão. No meio deste turbilhão, foi eleito cidadão do ano da região centro da Bélgica, uma distinção atribuída pelo jornal La Nouvelle Gazette. “Dei a maior chapada de luva branca a quem criticava o português.”
Só agora, que as coisas acalmaram, David Santos pode começar a cumprir outro dos seus sonhos – estabelecer-se em Portugal (comprou uma casa em Campelos) para gozar o que a vida lhe tem dado e passar mais tempo com os seus dois rapazes, de 5 e dois anos e meio. Em maio, abrirá o Paradise Hostel na Areia Branca, a praia onde sempre passou férias. Só com os clientes belgas, já esgotou as reservas até setembro.
Ao mesmo tempo está a “atacar” o mercado nacional com a sua diabólica. A câmara de Torres Vedras já encomendou cinco mil exemplares para o Carnaval (ali vai chamar-se matrafónica e é cor-de-rosa fluorescente) e ficou com o exclusivo da comercialização do modelo para qualquer outro Carnaval que queira seguir o exemplo.
David Santos também já bateu à porta dos principais clubes de futebol e irá fazer o mesmo com outros desportos de massas – e até com sindicatos. “Onde antes existiam bombas de gás, pode estar a diabólica”, diz, assertivo, desafiando os limites, à la CR7.