SENHOR ROUBADO

Fernando Ribeiro, 42 anos, vive quase em exclusivo para o trabalho. Só assim se compreende que, até ao dia em que recebeu o telefonema da Autoridade Tributária a dizer-lhe que o Audi A4 era dele, nunca tivesse ouvido falar do sorteio Fatura da Sorte. Julgou que era uma brincadeira, claro.
E nunca poderia imaginar que o sol iria ser de tão pouca dura. Mas já lá vamos.
Demorou a perceber que fora a fatura pedida quando comprou duas cadeirinhas para sentar as filhas de um ano no carro a responsável por ter ganho o veículo que foi levantar ao stand de Loures, onde mora. Saiu de casa ao volante do seu velho Audi 4 de 1996, comprado na Bélgica, e regressou num novinho em folha.
Mesmo sem saber do concurso, Fernando, pasteleiro de profissão, sempre pediu faturas, para pôr as despesas no IRS. “Tu mereces, trabalhas muito”, terá ouvido quando contou a boa nova aos amigos e familiares. Pior foi dizer-lhes que, ao fim de 1800 quilómetros, o mesmo carro que lhe saiu em sorteio anda por aí em mãos alheias.
A semana passada roubaram-lhe o Audi à frente da pastelaria onde trabalha. De madrugada, alguém pegou na chave, que fica sempre na porta da loja, e fugiu. Fernando ficou de cabeça virada, deixou queimar dois tabuleiros de bolo-rei, foi à Polícia fazer queixa e já nem trabalhou mais nesse dia. O seguro transferiu-o outra vez para o Audi antigo e é com ele que tem andado por estes dias, sempre na esperança de voltar a pôr o olho em cima do seu carrão preto.
ASSIM ATÉ VALE A PENA ESTUDAR

A cara franzina de Filipe Brito, 19 anos, não joga com a alta cilindrada do carro onde acaba de entrar. Mas ele garante que vai ficar com ele e arrumar o velhinho Seat Ibiza a um canto na casa dos pais em São Brás de Alportel, a 15 quilómetros de Faro.
É no stand à entrada da cidade que vê pela primeira vez o Audi cinzento-escuro a cheirar a novo, com pneus intactos e matrícula de dezembro de 2014. O pai e o tio levaram-no para presenciarem a emoção da entrega. Depois de aprender os truques do carro e de preencher a papelada, saiu ao volante do Audi 4, atrás do pai, no seu pequeno comercial. “Agora é ter calma e cuidado a conduzir”, não se cansam de o avisar.
O IUC está pago, mas o seguro não. E até será preciso menos dinheiro para o gasóleo porque este carro gastará menos do que o outro. A sorte saiu-lhe depois de pagar ou de o pai pagar os 120 euros da prestação das propinas do curso de engenharia mecânica que anda a tirar na Universidade do Algarve numa fatura gerada automaticamente. Só podia ser assim, porque nunca pede recibos, ou melhor, nunca pedia, que agora já prometeu ser um contribuinte exemplar.
NÚMEROS DA SORTE
Desde abril, quatro sorteios regulares por mês de um Audi (mais dois extraordinários por ano) revelaram-se eficazes no combate à evasão fiscal
€600 A €800 MILHÕES
Receita de impostos adicional que o Governo espera arrecadar indiretamente com esta iniciativa
468 MILHÕES
Número de faturas com número de identificação fiscal emitidas a consumidores finais entre janeiro e setembro, mais 40% que nos primeiros nove meses de 2013
3 492 500 000
Número de faturas emitidas e comunicadas às Finanças nos primeiros nove meses do ano, um crescimento de 10,5% face a igual período do ano passado
26%
Aumento do número de faturas a sorteio desde abril
€3 MILHÕES
Montante inscrito no Orçamento do Estado para 2015 destinado à aquisição dos prémios da Fatura da Sorte para 2015