Os investidores institucionais venderam grandes lotes de ações do BES nas vésperas do anúncio da intervenção do Banco de Portugal no banco, segundo os números oficiais passados aos deputados pela CMVM, que sustentam as suspeitas de abuso de informação privilegiada.
No dia 01 de agosto, a última sexta-feira em que os títulos do Banco Espírito Santo (BES) foram negociados em bolsa, antes de serem suspensos perto do final da sessão por ordem da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), foram transacionadas em bolsa 252 milhões de ações do BES.
De acordo com um documento hoje entregue aos deputados pelo presidente da CMVM, Carlos Tavares, na comissão de inquérito à gestão do BES e do Grupo Espírito Santo (GES), a que a agência Lusa teve acesso, do total de ordens de venda nessa sessão específica, 87% foram dadas por investidores institucionais, ou seja, bancos de investimento, seguradoras e fundos de pensões, entre outras entidades de grande dimensão.
“Se a CMVM tivesse mais informação teria sido prudente suspender a negociação mais cedo”, afirmou o responsável durante a sua audição na comissão de inquérito parlamentar à gestão do Banco Espírito Santo (BES) e do Grupo Espírito Santo (BES).
“O equilíbrio entre o que deve ser divulgado e o que não deve ser é muito fino. Mas isso é a informação que é passada para o mercado. O supervisor tem que ter toda a informação”, realçou.
Questionado sobre se o Banco de Portugal (BdP) falhou na transmissão de informação ao supervisor do mercado, Carlos Tavares evitou responder.
“Eu não quero discutir quem é que teve responsabilidades”, disse o líder da CMVM.
Ainda assim, realçou que “o primeiro responsável por informar a CMVM é o emitente”, ou seja, o próprio BES, que na altura já era liderado por Vítor Bento.
“Havendo um conselho de supervisores financeiros, é suposto que as entidades que o formam colaborem da forma mais estreita possível”, acrescentou Tavares, sem nunca apontar o dedo ao seu homólogo do supervisor bancário.
Antes, o presidente da CMVM já tinha relatado aos deputados o que o levou a determinar a suspensão da negociação em bolsa dos títulos do BES no dia 01 de agosto.
“O governador contactou-me às 15:12 dizendo apenas que receava que houvesse uma fuga de informação”, revelou.
O governador do BdP, Carlos Costa, havia dito na sua audição no parlamento, na segunda-feira, que tinha ligado a Carlos Tavares nessa tarde de 01 de agosto, sexta-feira – dois dias antes de ser conhecida a medida de resolução para o BES -, pedindo a suspensão da negociação das ações do BES.
Nesse dia, o banco bateu um novo mínimo histórico, descendo até aos 0,105 euros, uma queda de quase 50%.
Perante a pergunta sobre se o governador do BdP lhe tinha dito o que se passava no BES durante o telefonema que lhe dirigiu a 01 de agosto, Carlos Tavares disse que não.
“Nem eu lhe pedi. Se há a indicação para suspender a negociação, não há tempo para grandes conversas”, sublinhou.
Tavares disse ainda que, nessa data, se encontrava a gozar o seu “direito constitucional a férias”.
E relatou: “Estávamos a uma hora do fecho do mercado, não fazia sentido suspender a cotação por estar a descer muito. Como não o fazemos quando está a subir muito”.
O presidente da CMVM especificou ainda que quem interrompe a negociação de ações é a gestora da bolsa portuguesa, Euronext Lisboa, por ordem do supervisor do mercado.
Já quanto à importância da conversa com o governador do BdP na decisão de abertura de um processo de investigação sobre eventual abuso de informação privilegiada, Tavares negou-a.
“Essa investigação abrange um período longo. O ano de 2014 é cheio de factos relevantes em relação ao Grupo Espírito Santo [GES]”, vincou.
Pequenos investidores deviam merecer atenção especial
Os pequenos investidores que aplicaram poupanças na compra de títulos do BES nos dois últimos dias de negociação em bolsa devem ser alvo de uma solução que lhes permita minimizar as perdas, considerou hoje o presidente da CMVM.
“Há que haver um gesto para com os pequenos acionistas que compraram ações naqueles dois dias”, afirmou o líder do supervisor do mercado de capitais português, durante a sua audição na comissão de inquérito parlamentar à gestão do Banco Espírito Santo (BES) e do Grupo Espírito Santo (GES).
Carlos Tavares referia-se especificamente às sessões bolsistas de 31 de julho e de 01 de agosto, que antecederam a intervenção do Banco de Portugal (BdP) no BES, feita num domingo à noite (03 de agosto).
“Já fiz essa sugestão nos lugares próprios”, revelou o presidente da CMVM.
Entre as soluções que podem ser encontradas para compensar os pequenos acionistas, está a possibilidade de, por altura da venda do Novo Banco (entidade transitória que resultou da medida de resolução aplicada ao BES), as novas ações serem vendidas com desconto, referiu.
“A CMVM está pronta para ajudar a encontrar uma solução que corrija o que puder ser corrigido”, sublinhou Carlos Tavares.
O objetivo é “corrigir a injustiça que foi criada” naquela altura específica, salientou o responsável, que já tinha mostrado aos deputados números que revelam que os grandes investidores se desfizeram de grandes blocos de ações nas vésperas da resolução do BES, algo que está a ser alvo de investigação da CMVM por suspeitas de abuso de informação privilegiada.
Quanto aos acionistas que participaram no aumento de capital do banco que foi finalizado em junho, a situação é diferente, defendeu, já que além de o prospeto da operação já conter muita informação, só 8% do total superior a mil milhões de euros de novas ações foram colocadas no retalho.
No final de julho, com a intervenção do BdP, “os acionistas do BES podem sentir a frustração de não terem podido recapitalizar o banco. Não tiveram oportunidade”, sublinhou o responsável.
Tavares voltou a referir que “a CMVM precisa de ter informação para poder atuar no mercado quando é necessário”, considerando que “dificilmente a CMVM podia ter feito mais, face aos instrumentos legais que existem”.
O líder do supervisor revelou ainda que foi feito um relatório de autoavaliação sobre a atuação da CMVM nestes dias em que já se `cheirava` o colapso do BES e que está com a consciência tranquila face às conclusões do mesmo.
A comissão parlamentar de inquérito à gestão do BES e do GES arrancou na segunda-feira e no total serão ouvidas cerca de 130 personalidades ligadas direta e indiretamente ao assunto.
Carlos Tavares, que está a ser ouvido desde as 15:00, é a segunda personalidade que presta hoje esclarecimentos, depois de o presidente do Instituto de Seguros de Portugal (ISP), José Almaça, ter estado no parlamento hoje de manhã.