‘Neste momento, e ao contrário do que alguns líricos possam afirmar, não é possível aumentar a produtividade sem proceder a um ajustamento de salários.” António Nogueira Leite, economista e administrador executivo da CUF SGPS, junta-se, assim, a outras duas vozes Silva Lopes, que defendeu um corte de 20% nas remunerações, e Vítor Bento, que também sugere reduções salariais que, nas últimas semanas, consideraram esta solução incontornável para resolver as dificuldades com que o País se confronta. A lei portuguesa não admite que as remunerações dos trabalhadores sejam reduzidas, mas existem formas de a contornar, seja através do aumento dos dias de férias não remunerados seja por via de corte nos prémios, bónus e outros benefícios variáveis.
A crise económica, argumentam os defensores das reduções, veio apenas agravar um problema já existente em Portugal: o do desfasamento entre a produtividade e os custos laborais. E há economistas que falam mesmo em medidas mais radicais. “Pela sobrevivência das empresas e da economia”, dizem. António Nogueira Leite recorda o período, “no início dos anos 80, em que o então primeiro-ministro, Mário Soares, se viu forçado, através do seu ministro das Finanças, Ernâni Lopes, a reduzir os salários reais em mais de 20%, em dois anos. Os salários nominais foram aumentados, mas o Governo desvalorizou o escudo, e assim baixou os rendimentos dos portugueses.
A medida foi apoiada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI)”. O País enfrentava, então, uma grave crise financeira e, de acordo com aquele economista, só conseguiu recuperar depois desta intervenção drástica.
Passados mais de 20 anos, António Nogueira Leite defende que, como deixou de existir aquele instrumento cambial, não resta outra alternativa senão o ajustamento directo dos salários. “Se ninguém o quiser fazer, mais cedo ou mais tarde, alguém [a União Europeia] o vai impor. É uma questão de tempo”, vaticina. O economista e gestor reconhece, no entanto, que esta é a pior forma, e mais brutal, de ajustar a economia.
E “o ambiente de campanha eleitoral em que vivemos determina que nenhum dos dois principais candidatos fale sinceramente sobre este assunto”, sublinha.
UM RASTILHO PARA A TENSÃO SOCIAL?
Apesar de acreditarem que se trata de uma solução impossível de evitar, os defensores do corte dos salários reconhecem a dureza da medida e não ignoram que pode gerar conflitos sociais graves.
“Os gestores não podem pedir este sacrifício sem dar o exemplo. Eu próprio, numa das empresas de que sou administrador, decidi reduzir o meu salário para dar um sinal “, revela António Nogueira Leite.
No outro extremo, o líder da CGTP-IN, Carvalho da Silva, recusou-se a “entrar nesta discussão, que me deixa logo maldisposto”.
Por seu turno, o representante dos patrões, Francisco van Zeller, afirma que “reduzir salários é uma bóia de salvação provisória “. No entanto, admite que, “como alternativa ao despedimento, poderá, em certos casos, ser a solução indicada”.
Já Sandro Mendonça, economista e assistente do departamento de Economia do ISCTE, mostra-se contra qualquer redução de vencimentos. Afinal, sustenta, “o aumento do custo unitário do trabalho numa economia não significa necessariamente um problema, uma perda de competitividade do País”. Pelo contrário, acrescenta, “pode exprimir uma gama de produtos exportados na base de maiores qualificações “, isto é, que estaremos a exportar bens de maior valor acrescentado.
Quem também não concorda com “o congelamento ou a redução de salários para todos os funcionários” é Luís Reis, administrador-delegado da consultora de gestão Hay Group. E explica: “As empresas devem ser capazes de poupar noutras coisas e penso que a maior parte delas está a seguir esta via.”
PRIVADOS AVANÇAM
Enquanto prossegue a discussão, diversas empresas, em Portugal, começam a seguir os exemplos vindos de outros países, em particular dos EUA. Banco Espírito Santo e Millenniumbcp são algumas das empresas que estão a reduzir os rendimentos dos gestores e administradores. Mas não deverão ser as únicas. “Como a grande maioria das empresas não cumpriu os objectivos de gestão em 2008, e metade da sua remuneração é, em quase todos os casos, variável, espera-se uma quebra dos rendimentos dos gestores este ano”, diz Luís Reis. Só em 2009? “Esta tendência deverá acentuar-se em 2010, quando estiverem fechadas as contas deste ano”, acrescenta.
No painel de Fevereiro da consultora, as previsões de aumentos para os gestores de topo, que ultrapassavam os 3% em Novembro, foram revistas para 1% a 2,5 por cento. “Tudo aponta para a redução do rendimento variável, na mesma proporção à da quebra dos resultados da empresa, ou da diferença registada entre os objectivos propostos e os atingidos”, nota Luís Reis.
Em contrapartida, diz o administrador-delegado do Hay Group, muitas das empresas estão a compensar os seus executivos com outros benefícios, como o alargamento dos seguros de saúde ao agregado familiar ou apoios às mães recentes.
Perante estes dados, seria de esperar que os quadros superiores contratados neste período já recebessem um vencimento inferior ao que receberiam antes de a crise deflagrar. Todavia, a realidade contraria a lógica, pelo menos no topo da gestão.
Diogo Alarcão, market leader da consultora Mercer, considera que, em Portugal, não existe uma prática generalizada de redução dos salários dos gestores de topo.
“No entanto, os sectores mais expostos à crise (automóvel e financeiro) poderão ter de avançar por esse caminho. São conhecidos, a nível da gestão de topo e direcção de primeira linha, casos em que, por acordo, os gestores prescindem de um a dois dias de salário por mês, para que o montante assim conseguido possa ser aplicado em aumentos salariais ou prémios de desempenho, para os que ganham menos”, revela.
Na opinião de Vítor Bento, a redução salarial será, porém, uma situação inevitável.
Ou se aplica a bem, ou a mal, por via do desemprego. O economista calcula que “os desempregados terão novos empregos a ganharem, em média, menos 20% do que antes”.
Enquanto os governos se esforçam para impor limites aos ganhos dos gestores, ou para os obrigar a devolver prémios como aconteceu, esta semana, quando alguns quadros da seguradora norte-americana AIG, salva pelo Governo, repuseram 37 milhões dos 1 216 milhões de euros que receberam a título de prémios as opiniões continuam divididas e os especialistas esgrimem argumentos. Sobretudo, enquanto se mantiverem os actuais fossos salariais e continuarem a surgir notícias de gestores de empresas em dificuldades a receber prémios chorudos. O que deixa enfurecidos os restantes trabalhadores e a opinião pública em geral.
>> Congelar e cortar
Algumas empresas vão propor aumentos zero. Outras irão mesmo reduzir os vencimentos
Os que não mexeram…
BES Salários dos gestores congelados e remunerações variáveis a cair 34%, em igual proporção à curva dos resultados obtidos em 2008. É com esta fórmula que o banco liderado por Ricardo Salgado pretende responder à crise.
MICROSOFT Todos os colaboradores da Microsoft, presidida por Nuno Duarte, têm, a título de excepção, os seus salários congelados.
Mantêm-se os bónus, prémios de desempenho e promoções por mérito.
PT Zeinal Bava, presidente da PT, decidiu congelar os salários brutos acima dos 2 900 euros mensais, o que afecta cerca de 800 executivos.
O plano de reformas e pré-reformas está também suspenso.
… e os que baixaram
ERNST & YOUNG Teresa Cochito, líder da auditora, propôs aos seus trabalhadores 20 dias extraordinários de férias. Isto implica uma redução até 8% da remuneração paga durante oito meses do ano.
IMPRESA O grupo de Pinto Balsemão anunciou o corte de 10% nos salários do conselho de administração e da comissão executiva.
Uma semana depois, administradores e directores seguiram o exemplo.
Aumentar, mas (muito) pouco
A consultora Hay Group ouviu os líderes de 2 589 empresas, em todo o mundo, e percebeu que 65% estão a pensar em reduzir os aumentos ou congelar salários.
>> Painel
Encolher os ordenados é a solução?
Pedimos a um conjunto de economistas e empresários o seu testemunho sobre as vantagens e desvantagens da redução dos vencimentos
1) Concorda com a redução de salários?
2) Que alternativas sugere?
ANTÓNIO NOGUEIRA LEITE Economista e administrador da CUF SGPS
1 Sim. É indispensável para aumentar a competitividade.
Nos últimos anos, o País tem vivido acima das suas possibilidades, não poupa e os salários têm crescido acima da produtividade.
2 Esta medida deve ser acompanhada de outras, como a redução da burocracia e a criação de um sistema de justiça que funcione.
ÁLVARO SANTOS PEREIRA Economista, professor assistente na Simon Fraser University, no Canadá
1 Depende de cada caso. A moderação salarial é necessária para aumentar a competitividade e evitar um aumento desmesurado dos despedimentos.
2 A moderação salarial tem de ser inserida numa estratégia global.
Temos de nos tornar mais atractivos a nível fiscal, ajudar as empresas, em tempos de crise, e implementar medidas que auxiliem as empresas inovadoras.
FRANCISCO VAN ZELLER Presidente da Confederação da Indústria Portuguesa
1 Não. A redução de salários de uma forma generalizada obviamente não é uma medida socialmente aceitável, mesmo que pudesse melhorar a competitividade.
2 Aumentar a produtividade, trabalhando mais e melhor. Horários e relações de trabalho flexíveis, melhor organização e formação ajustada às necessidades, podem ser algumas das medidas.
JOÃO CÉSAR DAS NEVES Economista
1 Sim. O controlo dos salários é a única forma, perante a crise, de conter o desemprego, ganhar competitividade e recuperar do endividamento que nos estrangula. Parece não só necessário, mas inevitável.
2 Não existem alternativas, a não ser o colapso.
JOÃO SALGUEIRO Presidente da Associação Portuguesa de Bancos
1 Acho positivo, desde que funcione de forma voluntária.
Numa época de crise, a redução de custos e do consumo é necessária.
Não é uma medida positiva, mas serve para reduzir as actuais dificuldades.
2 Produzir mais e melhor para exportar mais, criar condições de confiança aos empresários, nomeadamente através da redução da burocracia e do aumento de outros apoios fiscais.
SANDRO MENDONÇA Economista
1 Não é de todo uma prioridade.
Iria contrair a procura e agravar pressões deflacionistas, no pior momento possível.
2 Expandir as prestações sociais aos desempregados e reforçar a formação profissional; ser obrigatório publicar dados sobre a situação vivida na empresa, quanto às assimetrias remuneratórias.
Por último, retrair a política de extracção de dividendos das empresas para permitir o reinvestimento dos lucros.