Ninguém tem uma relação pacífica com Pedro Arroja, 53 anos, economista. Ou se ama ou se odeia. Com ele não há meio-termo. Nasceu em Lisboa e aí viveu até aos 18 anos. Mas já residia no Porto quando se tornou conhecido. Este ano, mudou-se para a zona nobre da Foz, onde ocupa uma das mais bonitas vivendas da Avenida Montevideu, construída em 1898. Comprou-a à família Callém e gastou 850 mil euros na sua recuperação. Um placard de néon ostenta as actividades do Grupo Pedro Arroja, que emprega 25 pessoas. Faz gestão de patrimónios, de fundos de investimento, de fundos de pensões e consultoria financeira. Transacciona nos principais mercados de acções mundiais, como Londres, Frankfurt, Zurique, Nova Iorque, Chicago, Tóquio, entre outras. “Investimos de forma especulativa. Foi assim que conseguimos construir isto”, diz, sem falsos pudores ou modéstias. “Este ano temos um produto que está a ganhar 70 % líquido, desde Janeiro. Não há nenhum produto na banca a ganhar isto. Mas é fogo”. Dentro de quatro a cinco anos, Pedro Arroja pretende pedir a passagem a banco de investimento. “Sempre tivemos um bom comportamento junto das autoridades de supervisão. Não há razão para isso não nos ser concedido”. Assegura não trabalhar com off-shores ou favorecer a fuga ao fisco. “Acha que me ía meter em aventuras? Não”. O que o diferencia dos outros? “Coragem… de arriscar”. O Professor Pedro Arroja – como lhe chama quem com ele trabalha – nasceu numa família de classe média lisboeta, em Alvalade. O pai era contabilista e a mãe modista, trabalhava em casa. Foi o segundo de quatro irmãos. Começou a a trabalhar aos 12 anos, nas férias. Não propriamente porque precisasse de dinheiro, embora desse jeito, mas porque a filosofia do pai era pôr todos os filhos a trabalhar no final dos estudos secundários. “Se quiséssemos continuar a estudar, íamos estudar à noite”, lembra Pedro Arroja, uma conversa com a VISÃO que se prolongou por mais de três horas. Aos 13 anos e até ao doutoramento foi bolseiro da Gulbenkian. Antes, já o tinha sido do Instituto de Obras Sociais do regime do Estado Novo. Licencia-se em Economia na Faculdade de Economia da Universidade do Porto (FEUP). Quando rumou ao Canadá, à universidade de Otava, onde fez mestrado e doutoramento, já tinha conhecido a mulher da sua vida, Lina Arroja, e já lhe tinha nascido o primeiro filho, Ricardo, hoje com 29 anos e licenciado em Gestão, e que trabalha já na sua empresa. No outro lado do atlântico, nasceram Sofia, 23 anos, também economista, e Mariana, a mais nova, 17 anos. Regressou ao Porto, em 1986, por ter o lugar de assistente da FEUP garantido. Dois anos depois demitiu-se. “Fui talvez o primeiro académico doutorado, encartado, do Estado – o que significa emprego garantido para a vida – a deitar isso fora. Havia uma ortodoxia política – alguns são agora ministros – e rapidamente eu me tornei aos olhos deles uma ameaça”, justifica. Empregou-se na universidade privada e iniciou consultoria financeira. Arrancou em força à custa do “estado caloteiro”. Arranjou solução para que os médicos com serviços convencionados não tivessem de ficar à espera quase um ano pelos pagamentos do Serviço nacional de Saúde. Um banco passou a adiantar o dinheiro, um serviço hoje institucionalizado. O que faltava passou a sobrar e alguns médicos puseram o dinheiro nas mãos de Arroja. “Comecei a investir na bolsa, o que deu origem a esta casa”. Gosta de ser polémico, está-lhe “na massa do sangue”. E continua a sê-lo no seu blog Portugal Contemporâneo. Lê agora mais história e filosofia, mas em cima da sua secretária está The Age of Turbulence, de Alain Greenspan. Não está optimista em relação ao futuro. Prevê que o regime mude, e com o apoio popular. “É típico da tradição portuguesa. As pessoas aguentam, aguentam, até que um dia a coisa muda. Temos uma grande capacidade para aguentar calados”. Sente que olham para si como um lunático e que não o levam a sério? Não. E nunca me importei com isso. A minha vida tem prosperado. Se fosse um lunático ia ao fundo. E nunca fui ao fundo. Porem-me rótulos é fácil, debater argumentos é muito mais difícil. O debate racional não é propriamente uma das qualidades dos portugueses e dos povos com a nossa cultura, a que eu chamo os povos católicos do Sul da Europa e dos nossos descendentes da América latina. Em contraste com os povos do norte da Europa, de cultura predominantemente protestante e os seus descendentes da América do Norte. Uma das coisas que eles têm de melhor é a propensão para o debate racional. É religioso? Não. Ou melhor, sou um pouco. E aquilo que definiu os nossos padrões de pensar foi sobretudo a religião, no nosso caso, a cristã. Houve uma cisão, no séc. XVI, que marcou definitivamente uma diferença entre o norte da Europa e da América, predominantemente protestante, e o sul, que permaneceu católico. São essas diferenças que tornam os povos católicos, como nós, menos eficazes do ponto de vista económico. Uma vez estava a debater a transacção de órgãos humanos, na televisão. Insultaram-me, disseram que era louco. Passado uns dias, um prémio Nobel da Economia, Gary Beker, defendeu exactamente a mesma coisa, na Business Week. Nunca sairá um prémio Nobel da Economia de Portugal, Espanha ou da América Latina. É impossível. Um homem que tivesse ideias para um prémio Nobel, aqui seria considerado um louco, um lunático, quase todos se ririam. Carregamos um fardo religioso? É uma herança. De facto, a maior força que condicionou a maneira de ser de todos os povos ao longo da História foi a religião, a ideia de Deus. Não existe uma única civilização sem a ideia de Deus. O Deus cristão criou a melhor civilização de todas, a mais próspera. Mas podemos distinguir a parte protestante e a católica. De resto, penso que a crise que se vive em Portugal – estamos em recessão há sete anos -, não é económica. É cultural e profunda. Com o dinheiro do norte da Europa [via fundos comunitários] vieram também os valores protestantes e que são, de algum modo, adversos à nossa cultura predominantemente católica. O problema é cultural, mas é a economia que sofre… A principal dificuldade portuguesa traduz-se na economia, mas a origem não está aí. Temos um mercado aberto, de muitos milhões de pessoas, com 27 países. A União Europeia (UE) dá-nos muito dinheiro, correspondente a 2% do PIB, e, no entanto, a economia não cresceu mais de 1%, em média, ao longo dos últimos sete anos. Porquê? É uma crise de valores. Com o dinheiro da UE veio uma invasão de valores com os quais não sabemos viver. O principal é a quebra de autoridade. A autoridade é um valor muito típico da tradição católica mas não é nada típico da tradição protestante. O que deu origem ao movimento protestante foi uma contestação à autoridade da Igreja católica, do Papa. São esses valores que nos estão a invadir e impedem as instituições de funcionar. Está a falar concretamente sobre Portugal? Sim. Na Educação, a autoridade foi destruída. O professor tinha autoridade para pregar dois tabefes no aluno. Agora é o contrário: o aluno ganhou autoridade de pregar dois tabefes no professor. Defende que se devem pregar tabefes aos alunos? Entre os dois males, prefiro o primeiro. Os professores tinham cabelos brancos, mas quando invadimos as escolas com meninas e meninos saídos da universidade, isso é uma quebra de autoridade aos olhos dos alunos. Quando o ministério começa a agredir os professores, como tem feito ao longo dos anos, a autoridade dos professores cai. Mas há mais: a quebra de autoridade dos juízes. Eram pessoas respeitadas. Agora os jornais trazem histórias sobre a justiça, cujo principal efeito é diminuir a respeitabilidade dos juízes aos olhos da população. Os médicos: no dia 1 de Janeiro vai entrar em vigor uma lei em que serão obrigados, como qualquer funcionário público, a pôr o dedo para controlar as horas de trabalho – é uma degradação da classe. Na nossa cultura, a democracia tem vindo a degradar as autoridades naturais: médico, juiz, professor, padre e até o chefe de família. Não lidamos bem com a democracia? A democracia foi instaurada na Europa continental com a revolução francesa, em 1789. Nós, em 1820, fizemos uma revolução semelhante à francesa, que deu logo em guerra civil. Depois, deitámos abaixo uma outra instituição que fazia parte da nossa cultura católica, o Rei. A Monarquia foi ao ar. Vivemos os piores dezasseis anos – democráticos, é certo – da nossa história: a 1ª República. E o País foi tão abaixo, que teve de vir alguém para pôr isto na ordem. E esteve cá 48 anos… … Salazar… ..pôs isto na ordem e agora já não sabemos fazer a democracia outra vez. Estamos estrangulados. Mais: se não é a UE, há muitos anos que não vivíamos em democracia. Não tenho dúvida nenhuma. Já tinha vindo aí um novo Salazar? Sim, sim. Uma figura de autoridade. Sócrates não tem essa postura autoritária? Não quer saber de greves, aumenta os impostos, corta os subsídios… …não é esse tipo de autoridade, porque isso qualquer um faz. A autoridade que a nossa cultura aprecia é baseada na respeitabilidade, de que o exemplo acabado é o Papa. Ninguém tem de ser católico para considerar o Papa respeitável. Ninguém anda a insultar o Papa. Ele torna-se uma pessoa respeitável porque antes de ser Papa, foi subindo uma longa escadaria, de padre a cardeal, e faz parte de uma elite. Ganhou respeitabilidade ao longo de uma vida de boas obras. Qual seria a solução? Um regime fascista? Não estou a advogar isso. Mas terão que se restaurar as autoridades naturais E isso é possível nesta nossa democracia? É muito difícil. Então é preciso um outro regime? Já elogiou várias vezes Salazar e Pinochet. Tenho orgulho em pertencer a esta cultura. Mas olhando para a História de Portugal, nós já vivemos várias vezes em democracia e acabou sempre mal. A última vez foi em 1926, com o País em ruínas. O nosso nível de vida, face à UE era de 35%. Quando Salazar deixou o Estado Novo, era de 60%. Extraordinário! Sabe quanto é hoje? 58,5 %. [silêncio] O regime democrático, apesar dos dinheiros que temos vindo a receber da UE, não conseguiu progresso nenhum. Digo o que está em evidência: que o nosso País prosperou sempre mais com regimes de autoridade. O crescimento médio durante o tempo de Salazar foi extraordinário. Por exemplo, desde o fim da II Guerra até à queda do regime foi cerca de 6% ao ano. Nós, neste momento, conseguimos crescer 1% em média e com dificuldade. [Mostra o ranking da The Economist]. Portugal está aqui, em 28º, entre os 200 países mais ricos do mundo. Em 1974 estava no 24º lugar! Mas não nega que as pessoas hoje vivem melhor Claro. Desde 74 até hoje Portugal progrediu. Mas progrediu numa taxa muito pequenina. O que quero dizer é que antes tinha progredido muito mais. É isso que os intelectuais – sobretudo universitários e jornalistas, que têm a cabeça cheia de preconceitos – não querem ver. A culpa tinha de ser dos jornalistas… São os piores, juntamente com os universitários. Não têm respeito nenhum pela evidência. Têm é preconceitos que querem passar à população. Um dos preconceitos é dizer que Portugal é um País muito mau, muito atrasado e que lá fora é que é bom. Mas estamos em 28º lugar numa lista de 200! O que temos de bom? Uma cultura mais doce, muito mais tolerante. Como é que um País com um milhão de pessoas colonizou meio mundo no séc. XVI? A descolonização foi mais difícil, porque estávamos misturados, havia casamentos. A primeira sociedade verdadeiramente multicultural e livre foi criada por nós, no Brasil. Isso é um orgulho. Vá a França e veja o que sucede: criam guetos. Vá aos Estados Unidos. Multicultural? Sim, sim. Visite Washington e metade da cidade é de pretos. A outra metade é de brancos. E no entanto temos admiração é por esses países. Liberdade, liberdade?! Eu já lá vivi. Aqui, posso atravessar a rua quando quiser. Lá, o polícia multa-me logo e se não me multa é o cidadão que me denuncia. Teria sido preferível deixar na UE o dinheiro e os valores? É difícil responder. Mas vou-lhe dizer o que podia ter acontecido. Se calhar a democracia tinha sido posta em causa. Teríamos provavelmente um regime mais autoritário. Mas esse é o regime que se ajusta exactamente à nossa tradição. Portugal de Salazar, Espanha de Franco e o Chile de Pinochet foram exemplos de milagres económicos. Mas se calhar não poderia dizer as coisas que às vezes gosta de dizer. Acho que podia. Mas eu não estou a defender esse regime. Estou só a dizer que é mais adaptado à nossa cultura. Ah, e que caminhamos para lá. E só não estamos já lá por causa da UE que tem segurado isto. Onde estão os sinais de que estamos a caminhar para lá? Na degradação das nossas instituições. A Justiça é o maior sintoma da crise da sociedade portuguesa. Muito mais até que a recessão económica. Mas há estagnação económica. Estamos em recessão há sete anos. É mesmo recessão? É recessão tudo o que é abaixo da taxa normal de crescimento económico, que seria de 2 %. E a nossa taxa média de crescimento nos últimos sete anos não chega a 1 %. Somos o país, entre os 27 da UE, que menos cresce. E em relação à média comunitária, estamos a empobrecer. Não em termos absolutos, porque, apesar de tudo, se estamos a crescer 1% estamos 1% melhor. Mas como os outros estão a crescer quase a 3%, vamos caindo em termos relativos. Os portugueses começam a estar indignados, e com razão, com o funcionamento de algumas instituições. Número um: a Justiça. Acredita na Justiça? Deus me livre ir lá parar! Aquilo é aleatório. Pode ser um martírio para uma pessoa inocente. E pode ser muito bom para um culpado: safa-se. Mas voltando aos sinais… … recessão económica, quebra de autoridade, crise da família, degradação das instituições, da Justiça, da Educação. Não incluo a Saúde, porque não é dos piores. A Administração Fiscal: os cidadãos já não lhe têm respeito. Têm medo, que é muito diferente. Porque a Administração Fiscal passa por cima de toda a gente. Eles substituíram-se à Justiça, agora têm poderes judiciais. Não está previsto num Estado de direito que a Administração Fiscal possa julgar em causa própria. Têm de ser os tribunais. Mas isso não é já um sinal de restabelecimento de autoridade? Não. É falta dela. O Estado democrático, logo depois do 25 de Abril, passou a ser o pior pagador do País. Perdeu autoridade. Se o Estado não paga, porque é que o cidadão há-de pagar? Ao contrário do Estado salazarista, que era de boas contas e impecável, a primeira característica do Estado democrático é deixar de pagar. Agora, utilizam o poder para cometerem injustiças, como a denúncia de pessoas [inocentes]. E quanto tempo mais se manterá este Estado? Não aguenta dez anos. Teremos, em breve, um regime mais autoritário em Portugal? Estou convencido de que sim. E será protagonizado por Sócrates? Não. Mas também não será nenhum dos que estão à frente dos partidos neste momento. Então vai aparecer outro que, como Cavaco, terá de fazer a rodagem ao carro? Mais isso. Mas não será Cavaco. Também é uma tradição por cá: caem do céu. Parece. Será um regime… … não como o de Salazar. Mas será muito mais musculado do que este. E com o apoio da esmagadora maioria da população. E com a complacência europeia? Sim. Conseguirá ser mais musculado e viver com as regras do Norte da Europa? Sim, sim, absolutamente. A situação económica e as instituições vão-se degradando e as pessoas vão apreciar alguém verdadeiramente autoritário. E pensarão: ‘põe lá isto na ordem que a gente aguenta’. Sócrates é pouco autoritário? Não é nada autoritário. Pretende é criar-se esse mito, precisamente porque se sabe que o País precisa de autoridade. Qual é a principal virtude e o principal defeito de Sócrates? O principal defeito é simultaneamente a sua principal qualidade. É ser um político profissional. É o primeiro Primeiro-Ministro que nunca teve uma profissão, excepto ser político. Não tem experiência de vida. Falta-lhe o quê? Falta-lhe ter empregos, submeter-se a hierarquias, conhecer as dificuldades diárias de uma empresa, sobretudo aqui no Norte. Que só conhece por transmissão oral. Daqui até à mudança de regime que antecipa a nossa economia vai continuar a crescer menos? A derrapar. Ter o défice controlado não o deixa mais sossegado? Gostava de ver os números escrutinados, antes de acreditar nas estatísticas oficiais. Segundo fontes oficiais, nós já reduzimos o défice até aos 3%. Mas paralisámos a economia. E a redução do défice não veio da contracção da despesa. Mas do poder discricionário da administração fiscal, que se permite dar cabo da vida de qualquer cidadão… e depois logo se verá. Que medidas defende, para pôr o País na ordem economicamente? Infelizmente, teríamos de abandonar o euro, que é uma das grandes causas das nossas dificuldades. Isso teria custos políticos e económicos graves. Depende. Se ainda tivéssemos o escudo, já tinha desvalorizado aí uns 30% face ao euro. O que manteria as nossas exportações a todo o vapor. Assim, estamos a viver com uma moeda artificialmente forte. Temos andado a viver acima das nossas possibilidades, a importar muito mais do que importaríamos e a exportar muito menos. Estamos a viver à custa dos outros. Portugal tem dos maiores défices de transacções correntes no mundo, em termos relativos. E na Europa é o que tem maior. O outro é Espanha. O problema em Espanha vai ser igual. Temos ideia de que por lá está muito bem. Esqueça. Mais um mito jornalístico e académico. Estamos a viver com uma moeda sobrevalorizada que, ao mesmo tempo, tem matado a nossa indústria. Sobretudo no Norte. Era aqui que estava a indústria exportadora. Foi tudo ao ar. Surgiram novos empresários de novas áreas de negócios, como as tecnologias, a ciência. Mas não é isso que as estatísticas dizem. Na Europa dos 15 existem 270 regiões. O Norte é a terceira a contar do fim. É porque não apareceram assim muitos. Por más condições económicas ou porque o Norte não tem estado à altura de si próprio? As duas. É sempre preciso dois para dançar o tango. Eu até sou lisboeta, mas o que é que sabíamos fazer aqui no Norte? Têxteis, vestuário e calçado. Pessoas e indústrias que viviam de acordo com a produtividade do País, a qual implicava, deixando o mercado cambial funcionar, que a moeda desvalorizasse. Mantinham, assim, a competitividade. Agora, a moeda não pode desvalorizar, e eles vão à falência. Mas há sinais de adaptação de economia, há um novo cluster, a investigação científica, biotecnologia… É um facto. Mas o ambiente é favorável a que uma pessoa invista os seus capitais numa empresa? Não. Os salários são caríssimos, pelo facto de o País andar a viver acima do que a sua produtividade mereceria, tornando os custos unitários de trabalho muito elevados. Os impostos são pesadíssimos. Depois, se um empresário ganha, o Estado está lá a cobrar uma parte. Se perde, não apoia. Mas se alguém for para o desemprego, o Estado subsidia. Ser empresário, nesta conjuntura, não! Está bem, está. Vou mas é emigrar. Qual o contexto ideal para um empresário progredir? Baixar os impostos drasticamente. Ah, e ter uma Justiça que funcione. Se eu tiver um conflito com alguém que não me paga, e se for para tribunal, talvez daqui a dez anos ou 20 o tribunal me dê razão. Se é que me vai dar razão. Porque os juízes são hoje tão novos, nunca julgaram sequer um conflito em casa, em que o filho mais velho bate no mais novo. Não acredito neles. Defende a flexigurança, uma alteração da lei laboral? Ia dizer que sim, mas isso já está tão dito…e nunca se fez. Entre os 27 países da UE, fomos o segundo, a contar do fim, em que a produtividade cresceu menos. Mas os salários vão ajustar-se, para baixo. Pela via dura. A taxa de crescimento será inferior à inflação, o que baixará os salários reais. Isso já está a acontecer Pois já. Haverá maior desemprego e menor crescimento do salário nominal face à inflação. Mas vai ser sobretudo pela força do desemprego. Se saíssemos do euro não corríamos o risco de ser a Argentina da Europa? Assim é que corremos esse risco. A Argentina teve a crise porque ligou a sua moeda ao dólar. É o mesmo que pegar num senhor de 60 anos e pô-lo a correr ao lado do campeão do mundo, nos cem metros. Ele até se vai esforçar, aguenta os primeiros três, quatro metros e depois cai para o lado em colapso. Foi o que aconteceu à Argentina: desemprego, défices da balança de transacções correntes crescentes. Estiveram assim dez ou doze anos. É o que está a acontecer em Portugal? É. Como as moedas estavam ligadas é o mesmo que ter uma moeda única. É um regime de câmbios fixos. Como é que a Argentina resolveu isso? Deixou cair a moeda, desligou. Como é que nós resolveríamos a coisa? Saímos do euro. E ficamos completamente isolados no contexto da UE? Não. Só há 12 países no euro e há 27 países na UE. Há margem política para deixar o euro e mantermo-nos na União? Há um risco. Se sairmos do euro a politica monetária ideal seria adoptar o euro como referência e, todos os anos, deixar o escudo desvalorizar pela diferença correspondente à perda de competitividade de Portugal, face a um país de referência, que pode ser a Alemanha ou até o conjunto da UE. E a perda de competitividade é medida pela diferença entre o acréscimo dos custos unitários de trabalho, em Portugal e nos outros países. O que daria 2% ou 1,5% ao ano. Se hoje tivéssemos o escudo, o euro, valeria 230, 240 escudos em lugar dos 200. Não haveria a tentação de desvalorizar em demasia? Neste cenário, a UE devia continuar a zelar pela disciplina da política cambial portuguesa. Mas eu não estou a propor que Portugal saia da UE. Acho é que a adesão ao euro foi prematura. Fui contra e escrevi. Podemos ser o primeiro país a saltar do euro? Dificilmente. Se houver um a saltar será a Alemanha Mas se sair um, abre-se o precedente, aparecerá um segundo e um terceiro e a Europa acaba. O euro é uma moeda a prazo? É, infelizmente. Qual é o prazo que lhe dá? Cinco a dez anos. Ou ficará como moeda de referência, com a adesão de meia dúzia de países. Aliás, não tem havido grande excitação em aderir. Há 27 países e só 12 é que lá estão. Porque é que não metem? Olharam para os exemplos. E o exemplo número um é Portugal. Aliás, até há um paper da Comissão Europeia que vai buscar o nosso caso para dizer o que não se deve fazer ao aderir ao euro. A salvação está em voltar atrás? Sim, a menos que… tivesse havido uma alteração cultural na sociedade portuguesa de tal modo que a produtividade aumentasse drasticamente, que se descobrissem novas indústrias, etc. Isso não se verificou. Adoptar políticas que esperam uma reconversão industrial relâmpago em que os portugueses, especialistas em têxteis, vestuário e calçado, passam a sê-lo em centrais nucleares e em biotecnologias é esperar demais. Não está a subvalorizar-nos? Não. Os portugueses são muito criativos. Mas… porque é que tradicionalmente temos uma produtividade mais baixa do que os alemães? É cultural. É uma fatalidade? Não necessariamente. Mas não se muda em dez anos. Muda-se em gerações. Como é que se define politicamente? Está a perguntar-me em quem voto? Em legislativas? Nunca votei! Excepto nas primeiras eleições. Tinha 20 anos. Até me envergonho de dizer em quem votei. Em quem foi? Votei no MDP/CDE, imagine! Grande erro, grande asneira [risos]. Largamente influenciado por um professor de economia, que não foi meu professor – o Pereira de Moura. Era um dos rostos desse partido, e tinha muito respeito por ele. Foi dos melhores economistas portugueses. Nunca mais votei nas legislativas. Votei uma ou duas vezes para a câmara municipal e uma ou duas vezes para a presidência. Não acredita no sistema democrático? Não se revê nos líderes? Não. Eu, Pedro Arroja, que toda a gente diz que é da direita… não interessa o que sou. Votarei quando encontrar uma pessoa com autoridade, em que eu acredite que possa mudar isto. Considera-se liberal, ultraliberal… Nem por isso. Esses rótulos não me interessam. Mas na América seria um liberal… Seria. Mas aqui, logo depois do 25 de Abril, todos eram comunistas. Agora, todos são liberais. Por isso, dizer que sou liberal seria desvalorizar uma tradição de pensamento pela qual tenho grande consideração. Agora os portugueses são todos liberais. Nos anos 70, eram todos socialistas e com sangue árabe. Agora são liberais e com sangue judeu. A minha grande paixão é dizer aquilo que penso. Tem um modelo alternativo a este regime? Seria um regime mais musculado, com mais autoridade. E não estou certo de que isso se possa realizar em democracia. Não tem, portanto, uma solução? Não. E detesto os homens que as têm, porque eles normalmente produziram sempre mais dano. Gosto da democracia que, em última instância, é uma invenção cristã e justifica-se por uma questão de fé. E da nossa cultura cristã, segundo a qual somos todos filhos de Deus, filhos do mesmo pai, portanto com os mesmo direitos. A democracia é o ideal filosófico-religioso. O Papa é eleito democraticamente, mas não por sufrágio universal. É eleito por uma elite de cardeais. Imagine o que era o Papa ser eleito pelo povo. Já tinha aparecido um demagogo que, em troca dos votos, oferecia viagens ao céu para almoçar com Deus. Tinha degradado o Papa e já não existia Papa. Dos regimes que conhecemos, qual o que melhor se adaptaria ao nosso código genético? Pode ser um regime democrático. Mas o sufrágio não pode ser universal. Então quem deveriam ser as elites que elegem? Sim, porque você não vota e venderia o seu voto… Pois. Ai o meu voto vendia. E com prazer [risos]. Pelo actual regime democrático a minha consideração é pequena, por isso não vou votar. Mas então quem teria direito a voto? Tenderia a cindir isso pela idade. Abaixo dos 35, 40 anos ninguém votava. Como é que uma pessoa aos 18, que nunca governou uma casa, que vive à custa dos pais, a quem os pais não reconhecem qualquer validade de opinião para dar um conselho acerca de como se governa uma casa, que não tem experiência de nada, vai participar na governação de um país? Diga-me lá porquê? A uma pessoa com 30 anos falta-lhe muitas experiências. Está no começo da sua vida profissional, está na base da hierarquia. Convém que saiba o que é subir e o que é mandar. Não acredito nesse sistema que põe a gaiatada a votar. Então também não poderiam ser deputados? Ahhhhhh, isso muito menos. É uma das nossas grandes desgraças. Não deixaria ocupar lugares públicos de decisão a ninguém com menos que 35, 40 anos. Deputado, director-geral, presidente de câmara, vereador, juiz… Porque é que nunca entrou num partido político? Não tenho apreço. E seria expulso passado um mês ou dois. Um partido tem de ter uma linha de pensamento e eu detesto isso. Está-me na massa do sangue. Em todos os lugares onde entrei e existem ortodoxias, mais cedo ou mais tarde acabei por contestá-las. Põem-me fora. Ou venho embora. Porquê que lhe está na massa do sangue? Deus, se ele existe, criou grande variedade entre os seres humanos. E isso leva-me a ser tolerante. Nunca perseguirei alguém por pensar de maneira diferente de mim. Nos anos 90 começou a defender coisas que levava toda a gente a perguntar quem é este Pedro Arroja que quer privatizar tudo, os rios, o ar que se respira, os votos? Ainda defende estas ideias? O que falta ainda privatizar em Portugal? Não é privatizar tudo. Não tenciono privatizar-me. Defendi a privatização dos rios, no contexto em que se discutia a poluição do rio Ave. Houve quem ganhasse prémios Nobel com essa ideia geral. Se o rio fosse seu deixava que alguém fosse lá polui-lo? Obviamente que não. Tornei-me polémico a dizer coisas óbvias. Mas os portugueses não gostam do óbvio. Privatizar o ar que se respira não é óbvio. Está a tornar-se. E está-se a fazer. A solução dos cupões de poluição é, no fim de contas, privatizar o ar. Também sugeri, na altura, as taxas de emissão de carbono e fui considerado louco. Mas agora como vem lá da UE, já não é louco. A privatização da água também está aí. Na Escócia, os rios são privados. No Canadá, uma data de lagos são privados. Isso só era novidade aqui. Quanto vale, para si, o dinheiro? Eu gosto. [silêncio]. Quem não gosta? Mas não lhe dou assim muita importância, também arrisco. E foi arriscando que construi o que tenho. Também sou assim nas ideias – arrisco dizer o que penso, mesmo sabendo a reacção dos outros. Há pessoas que me apreciam muito e outras que me detestam. Ou tudo ou nada. No dinheiro também é assim: prefiro ser rainha por um dia do que princesa toda a vida. Sou capaz de arriscar a minha vida para conseguir uma coisa. A filosofia da minha empresa é o reflexo da minha personalidade. É assim que gere o dinheiro que lhe confiam? Praticamos especulação a sério [ver caixa Investimentos arrojados]. Comprar e vender, com muito risco, para ganhar muito. Costumamos é definir o limite do risco, em que chegando ali, parou. Também se fosse sempre a ganhar isto não tinha excitação nenhuma. Neste negócio, como nas ideias, gosto da provocação e da adrenalina. Qual a sua opinião sobre o novo aeroporto e o TGV? Não são prioridades para o País. São daquelas obras para encher o olho e captar votos. Tentamos reduzir o défice e agora vamos entrar numa despesa dessas? Se é na Ota ou em Alcochete, nem discuto. É para técnicos. Relativamente à situação internacional. Foi um dos primeiros a pré-anunciar a crise financeira. Que previsões faz para 2008? Não estou nada optimista. A crise do dólar continua a ameaçar. Está a reflectir-se já na economia americana e europeia, uma vez que a relação comercial Europa-Estados Unidos é a mais forte do mundo. Há, ainda, a crise do sub-prime, que está a afectar sobretudo bancos ingleses, mas também alguns da Europa continental. Por isso, no próximo ano prevejo continuação da queda do dólar e recessão internacional. Se nós já estávamos mal, agora com o resto da Europa a cair… As taxas de juro vão continuar em alta? Foram reduzidas temporariamente para resolver o problema das reservas da banca. Mas a tendência é para aumentarem, assim como a inflação. São as previsões para os Estados Unidos e para a Europa – menos crescimento económico. Mas não se prevê nenhuma desgraça. E o petróleo? Não deve baixar muito. E talvez suba acima dos cem dólares. Se estivesse na América qual seria o seu candidato? Votaria para tirar de lá o partido republicano. Não lhe agradam as políticas de Bush? Não. Não gosto deste partido republicano, neoconservador. A política externa é ostensivamente agressiva. O conservadorismo genuíno é até isolacionista. Agora decidem ir pelo mundo inteiro, sem pedir licença a ninguém, e a bater em toda a gente… A guerra do Iraque foi inaceitável. Eles [EUA] estão a apanhar e bem. A ideia de guerra preventiva torna a vivência em sociedade impossível: vou bater em si antes que me bata a mim. Com este argumento posso bater em todos. Vai votar nas próximas legislativas em Portugal? Se calhar… Estou muito penalizado por causa desta administração fiscal. Não se quer meter na política? Não, num regime democrático. Porque nunca poderia fazer aquilo que julgo necessário para o País. Se eu visse que tinha possibilidade, de ser eleito e de ter os poderes que são necessários para endireitar o País… E que poderes são esses? Bastante mais dos que tem hoje o primeiro-ministro. Não é tanto uma questão de poderes, mas de clima de opinião pública. Esse clima vai chegar, não em relação a mim, mas a outra pessoa. ‘Precisamos de alguém que ponha isto na ordem’. Se eu sentisse este clima, entrava na política. O que é que fazia? Transmitia a ideia de autoridade. Aqui quem manda sou eu. Mas repare, não posso andar a tomar uma medida e depois outra, a pensar nos votos. Queria instituir a lei da rolha? Não, não, não. Era dar condições às pessoas, às instituições, aos juízes, aos médicos, aos professores, para cumprirem as suas funções. Mas, depois, impor-lhes padrões. Se não cumprem, são despedidos. Quem me insultasse como primeiro-ministro, como esse caso Charrua, era despedido na hora. Despedia metade da função pública? Despedia quem recebe o vencimento e não trabalha. Claro que despedia, como despeço aqui.
“A democracia tem destruído a autoridade”
!["A democracia tem destruído a autoridade"](https://images.trustinnews.pt/uploads/sites/5/2019/10/a-democracia-tem-destruido-a-autoridade-2.jpeg)
Leia aqui a versão integral da entrevista ao economista Pedro Arroja, que glorifica a gestão económica de Salazar e não acredita na democracia para voltar a pôr Portugal nos eixos