O fascínio da maratona vai muito para além da epopeia do soldado Filípides!
Sabendo-se que uma maratona são 42,195Km de incerteza, uma coisa temos como certa: o tempo mais rápido que um ser humano conseguiu fazer nesta distância foi de 1h59’40, e a nossa principal fonte de energia, que é o glicogénio, só nos permite fazer até 90’ de esforço intenso, mesmo tendo o “deposito” cheio à partida. Ou seja, não temos glicogénio suficiente para concretizar a tarefa que nos propomos fazer, o que torna a maratona, para além de outros, num problema energético.
Então de onde vem o resto da energia que precisamos para concluir a maratona? De uma fonte “inesgotável” que é a gordura. Por mais magro que seja o individuo, como podemos comprovar pelos atletas quenianos e etíopes, por exemplo, a falência física nunca é por depleção total desta fonte de energia. O problema é que o nosso organismo está habituado a utilizar preferencialmente o glicogénio (porquê usar diesel se temos gasolina 98?) e como não sabe durante quanto tempo mais pretendemos estar em esforço, enquanto existir essa fonte de energia é a ela que recorre. Para além de que, para usarmos a gordura, precisamos de muito mais oxigénio, e todos sabemos que quando vamos em esforço o oxigénio é um bem escaço, não por questões de captação, mas sim de transporte.
Ensinar o nosso corpo a poupar/gerir o glicogénio e aprender a interpretar os sinais que ele nos vai dando ao longo da prova – porque apesar de nós não termos manómetros como os automóveis, os indicadores estão lá – é fundamental para tomarmos as melhores opções. Estas são, pois, duas das principais tarefas do treino para a maratona. Quem não desenvolver estas capacidades nunca vai conseguir tirar partido de todo o seu potencial nesta distância.
A maratona é uma prova, predominantemente, de resistência e, como as outras provas de resistência, é muito justa, quanto mais treinamos mais eficientes ficamos. Se queres melhorar na corrida, corre!
O volume de treino, de corrida continua lenta (baixa intensidade), utilizando a gordura como principal fonte de energia (a partir do momento em que perdemos o controlo da respiração, em que não conseguimos articular uma conversa com os nossos parceiros de treino, já não estamos na intensidade certa) vai nos tornar mais eficientes (menos consumo de energia para a mesma intensidade de esforço). Habituar o nosso corpo a estar em esforço continuo durante muito tempo, é, também, muito importante.
Diz-nos o bom senso, e a ciência, pelo que já foi abordado aqui, que é impossível manter durante a maratona a mesma intensidade de esforço com que fazemos uma meia-maratona, mas existe, naturalmente, uma relação entre o desempenho dos 10km, meia-maratona e maratona. Uma pessoa saudável, sem excesso de peso, se treinar regularmente 3 a 4 vezes por semana (60 a 70km/semana), terá o volume suficiente para fazer uma maratona. O resultado final depende de muitas variáveis, sendo o empenhamento e a experiência duas das mais determinantes. Pela minha longa experiência como maratonista e treinador de maratonistas, de níveis desportivos diferentes, desenvolvi um conceito a que chamo Índice de Resistência Específico (IRE), que me ajuda a identificar o tipo de atleta, mais resistente ou mais potente, e em que capacidades precisamos de investir mais no treino:
IRE= PR (Recorde Pessoal) Maratona – (Σ 2 x RP Meia Maratona)
Exemplos:
Eliud Kipchoge (recordista do Mundo): Muito resistente, muita potência, muita experiência, margem de progressão mínima.
2’19=2h01’09 – (1h58’50)
Samuel Barata (melhor português da atualidade): Desempenho muito dependente da potência, necessita investir mais no trabalho de resistência, pouca experiência, grande margem de progressão.
7’15=2h10’13 – (2h02’58)
Rosa Mota (recordista de Portugal): Muito resistente e muito experiente.
3’37=2h23’29 – (2h19’52)
Tigst Assefa (recordista do Mundo feminina em prova mista): Milagre
-3’07=2h11’53 – (2h14’58)
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