O campeonato alemão de futebol vai retomar a atividade já este sábado, dando início à disputa da primeira das nove jornadas que faltam para a conclusão da competição. Aquela que foi uma das últimas ligas europeias a tomar a decisão de interromper os jogos por conta da pandemia da Covid-19 vai, agora, ser a primeira a recomeçar. Uma experiência que deverá merecer toda a atenção do restante mundo do futebol, por forma a que cada país possa comparar e identificar as suas próprias condições, tendo em conta a vontade e a necessidade de, nomeadamente, na Europa, ver retomadas as competições. O que de bom ou mau possa acontecer nas próximas semanas na Bundesliga será, seguramente, determinante para a retoma do futebol nas restantes ligas europeias, pelos menos aquelas que não tenham já sido definitivamente dadas por terminadas, como foram os casos da França e da Holanda.
A decisão alemã de retomar a competição prende-se, obviamente, com questões desportivas (é preciso homologar a classificação, atribuir o título e determinar quem vai às competições europeias) mas, sobretudo por questões financeiras. Neste momento, 13 dos 36 clubes profissionais estão à beira da falência. O regresso da competição vai permitir a retoma dos fluxos financeiros referentes aos direitos de transmissão televisiva. Estão em causa 300 milhões de euros. Mas nada, no que falta jogar na Bundesliga, será como até à pandemia.
O recolher obrigatório e a pasta de dentes
As regras são muito apertadas. Os jogos vão, como já se sabe, ser todos disputados à porta fechada. Nos estádios poderão estar, no máximo, 300 pessoas. Não haverá apertos de mão, fotos coletivas e os suplentes terão de sentar-se com espaço entre eles. Todos os participantes serão testados duas vezes por semana (uma delas obrigatoriamente na véspera dos jogos) e a última palavra sobre quem está apto para participar será das autoridades de saúde regionais com tutela sobre a cidade onde o jogo se disputa. Todos os membros das equipa vão estar, até ao final da competição, isolados em estágio. Qualquer descuido obrigará a isolamento e quarentena, como aconteceu com Heiko Herrlich, treinador do Augsburg, que deixou o hotel para ir comprar pasta de dentes e, por causa disso, ficou automaticamente impedido de orientar a sua equipa, este sábado, no jogo contra o Wolfsburgo.
Quem não terá furado o isolamento e, por isso, deverá estar apto a regressar aos relvados já este sábado é a dupla de portugueses, Gonçalo Paciência e André Silva. Os dois internacionais portugueses que, com o holandês ex-Sporting Bas Dost compõem o trio de pontas-de-lança do Eintracht de Frankfurt têm encontro marcado com o Borussia Mönchengladbach para as 17h30 de sábado, jogo que pode (como todos os outros) ser visto em Portugal através da Eleven Sports, que mantém a sua plataforma aberta ao público até ao final do mês de maio.
Por cá, tudo na mesma
É evidente que a decisão alemã de retomar a competição não está isenta de críticas. Há quem defenda que se está a avançar demasiado cedo e que o risco é enorme. Mas o que se percebe é que, apesar das dúvidas, a decisão de avançar foi pensada e assumida por todos os participantes de forma séria, responsável e solidária. Já o mesmo não parece passar-se, por exemplo, em Portugal, onde as polémicas parecem sempre mais fortes e ameaçam tornar ainda mais difícil o que já de si não é fácil.
A decisão de retomar a competição está tomada e a data marcada. Ainda que seja sempre necessária a luz verde da Direção Geral da Saúde, o plano já colocado em marcha aponta para que a I Liga retome a atividade a 4 de junho. O plano implica cumprir as dez jornadas que faltam a um ritmo de acelerado, jogando duas vezes por semana. Também cá, como na Alemanha, será implementado um fortíssimo sistema de testes, com todos os participantes a serem testados duas vezes por semana e sempre nas vésperas dos jogos. As recomendações da DGS obrigam a recolher obrigatório após os treinos e os jogos, o que, se os clubes não optarem por colocar os seus grupos de trabalho em estágio permanente, obrigará também os núcleos familiares dos jogadores a permanecerem confinados até ao final do campeonato.
Aqui começaram as polémicas. Três jogadores do FC Porto e o seu próprio presidente, Jorge Nuno Pinto da Costa, manifestaram-se contra esta decisão, com o líder dos Dragões a criticar a medida que impede os jogadores de conviver socialmente depois do trabalho, como em qualquer outra profissão. Uma declaração forte, sobretudo vinda do dirigente de um dos clubes que mais rigoroso costumava ser no controlo da vida extra-desportiva dos seus atletas.
Mas a questão mais polémica e que promete colocar em risco o regresso do futebol em Portugal prende-se com a decisão de fazer disputar as dez jornadas que faltam no menor número de estádios possível. A DGS quer, com esta medida, confinar a competição nas melhores instalações e tentar impedir grandes deslocações, nomeadamente as que impliquem a utilização do avião. Por isso, logo à partida, Marítimo e Santa Clara ficaram impedidos de jogar nos seus estádios na Madeira e Açores, respetivamente. Se, para os açorianos, a decisão foi pacífica e rapidamente aceite, já os madeirenses recusam permanecer e jogar sempre no Continente, e já ameaçaram impugnar a competição caso a isso sejam, de facto, obrigados.
E, depois, há o Benfica que, de acordo com o jornal A Bola desta sexta-feira, se recusa a jogar no Estádio do Dragão (poderá ser lá que terá de defrontar o Rio Ave, por exemplo), em Alvalade ou no Municipal de Braga. E também não quer que FC Porto, Sporting ou Sporting de Braga joguem no Estádio da Luz a não ser quando o fizerem na condição de visitante do Benfica, como será o caso dos leões, na 34ª e penúltima jornada. De acordo com a notícia, o clube da Luz defende que, a bem da verdade desportiva, os estádios das equipas que lutam pelos mesmos objetivos não deveriam servir de casa emprestada para equipas que tenham de receber os clubes que estão na disputa dos quatro primeiros lugares.
Todas estas questões vão, naturalmente, dificultar a tarefa do grupo de trabalho composto por Federação, Liga, DGS e outras entidades que terá de definir, muito rapidamente, os estádios aptos a receber a competição e o calendário dos jogos.
Espanha, Itália, Inglaterra e os “mil milhões”
Para as três maiores ligas da Europa, meados de junho parece ser a data que marcará o regresso à competição. Em Itália, tudo se prepara para que a Serie A volte a jogar-se a partir de 13 de junho, sendo certo já que, qualquer caso positivo no seio de uma equipa obrigará a entrada de todo o plantel em quarentena imediata. Em Espanha, ainda não há uma decisão tomada, mas os responsáveis da La Liga já deram indicações para que os clubes se preparem para poder retomar a competição a 12 de junho. Finalmente, em Inglaterra, o processo ainda está atrasado. Esta sexta-feira, o Governo fez saber que poderá haver condições para retomar a Premier League ainda em junho, sendo que a decisão poderá ser anunciada, na próxima segunda-feira, após uma reunião entre as autoridades e os responsáveis dos clubes.
Para já, portanto, quem tiver saudades de futebol, não terá outra alternativa que não seja assistir à Bundesliga que, nas próximas semanas, se arrisca, como disse Karl-Heinz Rummenigge, histórico internacional germânico e presidente do Bayern de Munique, a ter “mil milhões de telespectadores em todo o mundo”.