Trata a bola por tu, mas com as mãos. O dirigente máximo do futebol português foi um craque mas do Basquetebol, ao serviço do Futebol Clube do Porto, onde iniciou a carreira de dirigente. Foi vice-presidente do clube e acabou como administrador da SAD para o futebol. A vasta experiência internacional que aí adquiriu acabaria por ser determinante para que, depois da passagem de um ano pela presidência da Liga de Clubes e já nas funções de Presidente da Federação Portuguesa de Futebol, Fernando Gomes tivesse conseguido, a 24 de março, garantir a eleição para o Comité Executivo da UEFA, o órgão mais importante do futebol europeu, com 88% dos votos. Antes dele, apenas três portugueses o tinham conseguido. Mas nunca com uma votação tão expressiva.
Era um dado adquirido que ia ser eleito, mas estava à espera desta votação quase unânime?
Sinceramente não. Pelos contactos que fui fazendo nos últimos meses, tinha a noção que o gesto de, há dois anos, ter retirado a minha candidatura em prole da união do futebol europeu marcou aquele Congresso e que as pessoas tinham ficado, passo a expressão, com a obrigação moral de me eleger no ato eleitoral seguinte. Sei também que estes três anos como Presidente da FPF e nos dois anos como Conselheiro Especial do presidente Michel Platini e do Comité Executivo permitiram às pessoas perceber que a minha presença e a de Portugal eram um valor acrescentado. Ligando a isto a capacidade organizativa que demonstrámos com a realização da final da Liga dos Campeões, em Lisboa, do seminário Futebol Talks e da Gala do Centenário da FPF, percebe-se que as outras federações tenham ficado com uma imagem extremamente positiva de Portugal, da sua federação, dos seus quadros e, em concreto, do seu Presidente. E foi pela convergência de todas estas circunstâncias que foi possível atingir esta votação próxima dos 90 por cento, que é marcante até ao nível da UEFA.
Já sabe qual vai ser a sua área de ?atuação? Tem alguma preferência?
A definição dos pelouros de cada um dos membros só vai acontecer em junho. Há algumas áreas que me agradam, como por exemplo, o Comité do Hat Trick, que avalia os projetos apresentados pelas federações nacionais e define os apoios a atribuir pela UEFA. Há também o Comité do Fair Play Financeiro, que é um tema muito em foco e no qual, até pela minha formação, posso dar um contributo positivo. Mas, acima de tudo, acho que posso dar continuidade ao trabalho que desempenhei enquanto Conselheiro Especial na relação com as federações de outras Confederações, no sentido de apoiar e potenciar o desenvolvimento do futebol noutros continentes. A UEFA tem a consciência de que, a partir do momento em que grande parte dos maiores ídolos mundiais jogam nas suas competições, tem o dever de retribuir, apoiando o desenvolvimento do futebol em todas a regiões do mundo.
Qual poderá ser o benefício direto da sua eleição para o futebol português?
Não é esse o objetivo. Não se pode esperar que, só por ter presença no Comité Executivo, Portugal vá agora começar a ter benefícios extraordinários. Mas é evidente que, estando próximo e podendo participar nos processos decisórios, em algumas circunstâncias, nomeadamente a nível de eventos, possa existir alguma mais-valia para o nosso país.
Há possibilidade de Portugal receber algum evento em breve?
É difícil, porque há 54 países na UEFA e tem de haver rotatividade. Além disso, Portugal recebeu recentemente a final da Liga dos Campeões, um dos mais procurados… Infelizmente, os municípios de Lisboa e Porto não se manifestaram interessados em receber jogos da fase final do Euro 2020 [vai ser o primeiro a ser realizado em vários países n.d.r.], mas poderão aparecer outro tipo de eventos que não deixaremos de avaliar e, se caso for, de nos candidatarmos. Como fizemos no caso do Mundial de Futebol de Praia, que vamos organizar em julho deste ano, em Espinho.
A sua eleição mereceu um aplauso quase unânime, em Portugal. As únicas críticas vieram de Pinto da Costa, que, numa entrevista à revista Dragões, o acusou de ter apenas um projeto pessoal e sugeriu que Fernando Gomes devia “ir para a UEFA” e deixar a FPF. Como responde a este ataque?
Digo apenas que estou na FPF eleito pelos sócios para cumprir um mandato. Neste três anos, cumprimos mais de 80 por cento daquilo que propusemos. É a minha função enquanto presidente. É evidente que todos os dirigentes do futebol português têm direito a expressar a sua opinião. A mim cabe-me respeitar, mas nunca comentar. Retenho, registo, mas continuo o meu caminho em função do que foi o nosso compromisso perante quem nos elegeu em 2011.
Mas vai deixar a FPF e dedicar-se só à UEFA?
É uma falsa questão. Não existe a possibilidade de ficar exclusivamente na UEFA, a não ser no caso do presidente Michel Platini. Além disso, sempre disse que só faz sentido ser membro do Comité Executivo da UEFA enquanto se for também presidente da Federação. O meu mandato termina dentro de sensivelmente um ano e, até lá, quero acabar de cumprir o meu programa, nomeadamente no que diz respeito à Cidade do Futebol, que deverá estar concluída em abril de 2016. Depois, avalio se faz sentido outro mandato.
Grande parte do seu trajeto enquanto dirigente foi ao lado de Pinto da Costa. ?O que se passou para se afastarem desta maneira?
Não vou voltar a falar nisso. Houve uma altura em que decidi deixar o FC Porto e seguir outro caminho. Pinto da Costa conhece as minhas razões. Está, portanto, à vontade para as revelar. Eu não digo mais nada sobre essa matéria.
Ainda no ataque que lhe dirigiu, Pinto da Costa acusa-o de decidir apoiar a candidatura de Figo à presidência da FIFA sem consultar ninguém, nomeadamente os clubes…
Estatutariamente, é à direção da FPF que cabe, no exercício do mandato que lhe foi confiado, tomar as decisões. Quando Luís Figo nos comunicou a vontade de se candidatar à presidência da FIFA, ponderámos e, pelo facto de ser ainda o mais internacional dos jogadores portugueses, de ser embaixador da FPF e pela coragem que demonstrou ao dar esse passo, não podíamos tomar outra decisão. Quem discordar pode, nos termos dos estatutos, juntar o número de delegados necessários para, em assembleia-geral, contestar ou até reverter as decisões da direção. Faz tudo parte do processo democrático.
Acredita na vitória de Figo ou acha que esta é uma forma dele se posicionar para concorrer, por exemplo, à presidência da UEFA, no futuro?
Como desportistas acreditamos sempre que podemos lutar pela vitória até ao limite das nossas forças. Não vai ser fácil, mas vejo o Luís com uma motivação extraordinária e a verdade é que ele tem estabelecido inúmeros contactos e tem levado até ao limite a vontade de ser presidente da FIFA. E nós reconhecemos-lhe a capacidade de ganhar. Pela marca extremamente positiva que está a deixar estão criadas condições para, se não ganhar agora, poder posicionar-se, no futuro, e vir a ocupar um lugar numa das organizações mundiais de futebol.
Mas não pode ser esse, também, o seu objetivo? A presidência da UEFA?
Não.
Como vê o futuro do futebol nacional, numa altura em que os principais patrocinadores estão em vias de fechar a torneira?
Os sinais de crise económica e financeira não são de hoje e os clubes, na generalidade, sempre tiveram a capacidade de se ir ajustando no sentido de encontrar fontes alternativas de receita. Nos últimos anos tem-se vindo a assistir, inclusive, a um crescimento das suas receitas. É evidente que a saída de um patrocinador principal, que estava presente nos três maiores clubes, pode ter um impacto negativo. Mas, por exemplo, o Benfica diz com alguma segurança que poderá substituir a PT até em melhores condições. Quero com isto dizer que esta circunstância, sendo obviamente negativa, não deixará de fazer com que os clubes encontrem alternativas e, se não o conseguirem, acabem por ajustar a sua gestão. E, neste aspeto, gostava de realçar o caso do Sporting que, nos últimos dois anos, tem feito um esforço tremendo no sentido do cumprimento dos critérios do Fair Play financeiro, sem o qual não poderá participar nas competições europeias. Acredito mesmo que o decréscimo dos patrocínios pode vir a ter o benefício de levar os clubes a apostar mais na formação.
Outro tema que gera alguma controvérsia é a proibição dos clubes recorrerem aos fundos de investimento para comprar jogadores…
Os fundos são vias alternativas de investimento e, há três anos, quando tomámos contacto com a ideia da FIFA de apertar a malha da regulação ou até mesmo impedir o recurso aos fundos, tivemos o cuidado de nos reunir com os quatro maiores clubes portugueses, aqueles que mais recorriam a esse mecanismo, para os sensibilizar para a necessidade de encontrar fontes alternativas de financiamento. Agora que a decisão está tomada.
Que outras alternativas há?
Por exemplo, já é conhecido que, ?para o ciclo 2015/18, os prémios de entrada na fase de grupos da Liga dos Campeões vão passar de 8,4 para ?12 milhões de euros. Também na Liga Europa o prémio vai aumentar de ?1,3 para 2,4 milhões.
E a situação financeira dramática da Liga de Clubes, preocupa-o?
Os problemas da Liga não são de agora. Alertámos várias vezes para essa realidade, nomeadamente durante o mandato do dr. Mário Figueiredo. Mas a Liga é uma associação de clubes e são estes que têm de encontrar as soluções. Nos últimos tempos, tem sido possível estabelecer uma boa base de diálogo com o atual presidente, o dr. Luís Duque, e a federação ajudou ativamente a encontrar um patrocinador para as competições da Liga, a NOS.
Os três grandes continuam a não se entender. Agora que FC Porto e Benfica surgiram juntos na busca de uma solução para a Liga de Clubes, é o Sporting que se afasta. O que pensa desta constante?
Há todo o interesse que exista uma convergência entre os três grandes naquilo que são as matérias fundamentais da própria indústria. Lembro-me que, em 2007/08, ainda ao serviço do FC Porto, tive oportunidade de participar juntamente com representantes dos outros clubes em reuniões com patrocinadores, com as Finanças e com a secretaria de Estado do Desporto. A minha máxima é esta: Individualmente, somos todos muito importantes, mas seremos sempre mais fortes se estivermos juntos.
Quanto a direitos de transmissão televisiva, acha que devem ser os clubes a tratar cada um do seu caso ou que há vantagem numa negociação coletiva?
Eu sou há muito defensor da centralização e de uma negociação conjunta dos direitos que permita, depois, fazer uma distribuição mais equitativa das verbas por todos os clubes. Dou aliás, o exemplo da Federação Portuguesa de Futebol que, esta época, com a centralização na UEFA dos direitos televisivos da fase de qualificação para o Euro 2016, viu claramente acrescidos os seus rendimentos. ?E esta é uma realidade que se projeta, já para 2018, também para os direitos comerciais, com a centralização dos contratos de patrocínio.
Tema sempre quente é o da arbitragem, Está satisfeito?
Contente estaria se não houvesse críticas e erros… Nós defendemos a autonomia dos órgãos da arbitragem, da disciplina e da justiça. Procuramos criar sempre as melhores condições para que a arbitragem possa evoluir. ?E aí devo realçar a profissionalização e a formação dos árbitros, que passaram a ter mais e melhores condições para treinar e assim poderem errar menos. Não podemos, porém, esquecer que, nos últimos tempos, dois dos melhores árbitros portugueses [Pedro Proença e Olegário Benquerença] terminaram a carreira, o que é uma perda significativa, num quadro que não é muito alargado.
Pedro Proença pode vir a assumir a arbitragem em Portugal. Mas ele diz que prefere uma posição lá fora…
Cabe-lhe a ele decidir. Dada a sua competência e experiência, seria obviamente uma mais-valia para a arbitragem. Agora, se é cá em Portugal ou nas estruturas internacionais, é uma questão que só ele poderá responder.
Mas preferia tê-lo na FPF ?ou está contente com Vítor Pereira?
O Vítor Pereira está connosco há vários anos. Já o tinha convidado para o comité de arbitragem da Liga e voltámos a fazê-lo para a FPF. No futuro, se eu continuar a liderar a FPF, não deixarei de fazer a minha avaliação e tomarei a decisão que entender mais adequada.
O que pensa da ideia de voltar a escolher os árbitros através de um sorteio?
Tenho a minha opinião, mas não a devo dar. Cabe ao conselho de arbitragem analisar e propor e aos clubes decidir. Mas devo dizer que sou, acima de tudo, a favor da avaliação das competências, do profissionalismo e da valorização do mérito.
E não é tempo de introduzir meios ?tecnológicos para ajudar as arbitragens?
Sou a favor dessa evolução. Mas temos de ter em atenção os enormes investimentos que têm de ser feitos. Veja o exemplo da tecnologia da linha de golo, que é unanimemente aceite. Há países que não a conseguem implementar pelo custo elevado que representa ter essa tecnologia disponível em todos os campos e em todos os jogos de uma competição nacional. E não se pode avançar com a introdução de meios tecnológicos só em alguns estádios.
Outra vitória sua foi a decisão do TAS de reduzir o castigo de Fernando Santos. Não arriscou em demasia ao escolher um selecionador que poderia estar impedido de orientar a equipa até ao Euro 2016?
Conhecendo o Fernando Santos e estando conscientes da enormidade do castigo que lhe tinha sido aplicado, tínhamos a expectativa de que poderia e deveria haver uma redução do castigo. Não foi um risco. Foi uma crença muito grande no caráter e correção de Fernando Santos e do contributo que pode dar à seleção. E agora também já não vale a pena falar em ses. Estamos muito satisfeitos, sobretudo porque vimos ser-lhe feita justiça.
Portugal venceu a Sérvia e esta à frente do grupo. Acredita que o apuramento para o Euro 2016 já não foge?
Não. E é bom que ninguém pense assim. Nem os atletas, nem a equipa técnica nem os adeptos. A vitória valeu apenas três pontos e há ainda mais 12 para conquistar, 9 dos quais fora de casa, contra equipas que não têm nada a perder.