Este é um dos resultados quantificáveis do projeto, segundo o relatório de 2022, mas as perdas dos azulejos históricos e artístico do país são “incalculáveis” e “muito mais vastas na sua forma legal”, alertou a coordenadora do SOS Azulejo, Leonor Sá, em entrevista à agência Lusa.
“Quando as pessoas pensam em delapidação azulejar lembram-se mais dos furtos, mas estou convencida que se pudéssemos fazer uma análise quantitativa e comparativa, as perdas mais substanciais foram as realizadas por via legal do que por meio ilegal”, avaliou.
O azulejo tem 500 anos de produção nacional e ganhou tradição em Portugal na arquitetura, revestindo inúmeras igrejas e palácios nobres, outros edifícios da paisagem urbana do país e nas artes decorativas.
“Os portugueses sempre viveram rodeados de azulejos e não lhes conferiram a importância que têm. Quando os estrangeiros chegam a Portugal ficam absolutamente deslumbrados e assombrados. É um património que não existe na mesma expressão em qualquer outro país”, sublinhou a mentora do projeto, lamentando a atitude negativa de “banalização deste património”.
A arte da azulejaria criou raízes na Península Ibérica trazida pelos árabes, que produziram mosaicos para ornamentar as paredes de palácios e outras habitações. A técnica foi adotada pelos artesãos, que conceberam padrões ao gosto local.
No virar do século XX para o século XXI, e sobretudo a partir dos anos 1980, este património azulejar foi alvo de demolições e remoções um pouco por todo o país.
“Estas perdas eram muito frequentes, e ninguém falava no assunto. Não havia sensibilização. Era um não-tema, uma matéria que não era abordada ou debatida, nem na sociedade civil, nem na academia, ou entre especialistas”, disse à Lusa a conservadora do Museu de Polícia Judiciária (PJ) – Instituto de Polícia Judiciária e Ciências Criminais, em Lisboa.
Foi neste contexto que surgiu o SOS Azulejo, um projeto que procurou ir além da responsabilidade do trabalho das brigadas de obras de arte da PJ – com a missão de investigar os furtos nesta área — para desenvolver a vertente da prevenção criminal e promoção da salvaguarda deste património.
Leonor Sá recordou que, desde que o projeto começou, há 16 anos, até hoje, e sobretudo a seguir à aprovação, em 2017, de legislação no parlamento, “deu-se uma diminuição drástica das demolições e das remoções de azulejos, que passaram de frequentes para casos excecionais, mas que não é possível quantificar exatamente, porque não existem números”.
Antes de conseguir a aprovação de um conjunto de propostas na Assembleia da República, o projeto teve de percorrer um longo caminho que começou pela capital, onde apresentou, em 2011, propostas para incluir a proteção deste património no existente Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação de Lisboa (REMUEL).
“Propusemos duas medidas que interditaram a demolição de fachadas azulejadas e a remoção dos azulejos. Foi extremamente importante, porque os edifícios até então só eram possíveis de ser protegidos através de classificação, e tinham de ser especiais”, recordou Leonor Sá.
A entrada em vigor do novo REMUEL, em Lisboa, em 2013, fez com que o património azulejar passasse a ser visto como um todo, e todos os seus elementos tivessem de ser protegidos.
“Antes da entrada em vigor desse regulamento, as demolições eram praticamente semanais em Lisboa. Era um massacre”, lamentou a coordenadora do projeto, lembrando que este património azulejar “é absolutamente identitário da cultura portuguesa e nele se pode ler a História de Portugal”.
Um passo seguinte foi – através da parceria com a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), com 300 membros — sensibilizar as autarquias de todo o país para adotar o mesmo regulamento, mas, como “ao longo de três anos pouco ou nada aconteceu”, o SOS Azulejo preparou propostas para apresentar no parlamento a partir de 2015.
Dois anos mais tarde viu concretizado o objetivo da aprovação da lei 79/2017, que interdita a demolição das fachadas azulejadas e remoção de azulejos a nível nacional.
De acordo com a coordenadora do SOS Azulejo, “de um modo geral, e paulatinamente, os municípios têm estado a interiorizar esta sensibilidade, nova maneira de valorizar o património, e a cumprir a lei, mas ainda há uma ou outra exceção”.
“Esta legislação veio estancar a sangria de delapidação azulejar que tinha havido até 2017. No entanto, é preciso continuar a chamar a atenção dos municípios para este património”, reiterou, apontando que não é função do projeto fazer fiscalização, fora do âmbito das suas competências.
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