A Galeria Liminare, na freguesia lisboeta do Lumiar, recebe, a partir deste sábado, 4, uma exposição que visa celebrar e dar a conhecer o processo criativo da conceção do Talude da Alta de Lisboa, uma das maiores obras de arte urbana na Europa criada por um único artista, no caso o português Rui Alexandre Ferreira, mais conhecido por RAF, a sua assinatura de autor.
Desafiado pela Sociedade Gestora da Alta de Lisboa para idealizar uma solução artística para o talude da Rua Helena Vaz da Silva, que separa bairros sociais de construções modernas e luxuosas, RAF, ele próprio um filho daquelas ruas, desenhou um mural inspirado no círculo cromático, criando uma animação de contrastes entre cores quentes e frias com efeitos 3D.
A ideia, dizia o street artist à VISÃO, em 2019, durante a execução da “tela” gigante de 2800m2, era “transmitir uma sensação de movimento” e projetar a ilusão de ótica de que era “possível passar no meio dos desenhos”. A vontade de aproximar as gentes locais e instigar-lhes um sentimento de pertença coincidia com a ambição de aguçar a curiosidade alheia a ponto de levar forasteiros a quererem espreitar aquelas formas vivas e alegres a que dão corpo quase mil litros de tinta.
Agora, o Talude recebe honras de exposição, na galeria situada no Palacete da Quinta das Conchas, através de uma maquete da estrutura, fotografias, vídeos e até ferramentas de trabalho. Será possível apreciar o processo de conceção da obra, assim como o seu impacto na comunidade, até ao dia 24 de março. Depois da inauguração, este sábado (15h-17h30), a mostra poderá ser visitada de segunda a sexta, entre as 13h e as 17h30. A entrada é livre.
Depois das trinchas e dos pincéis, os acabamentos do Talude foram realizados com recurso a pistolas de pintura capazes de pulverizar grandes quantidades de tinta por segundo, uma das especialidades de RAF e o segredo para criar os efeitos tridimensionais. A VISÃO acompanhou a obra desde os primeiros dias até às vésperas da sua apresentação no Festival Internacional de Arte Urbana de Lisboa, em maio de 2019, numa evolução que ficou documentada neste vídeo:
A celebração do Talude estará agora patente numa das salas da Galeria Liminare, enquanto a outra sala da exposição REDUX XXIII BY RAF será preenchida com outras criações do artista, também inspiradas nas dinâmicas multicoloridas da sua maior obra de rua.
Os visitantes poderão mergulhar no universo criativo do artista, expresso, por exemplo, em pinturas em azulejos reaproveitados de uma empresa dos ditos que abriu falência ou numa porta de um automóvel antigo, em linha com o conceito redux, “ligado ao restauro e à reutilização de materiais”, que RAF gosta de explorar. Nesta segunda sala, o ex-líbris será, porventura, uma moto Indian que o artista pretende “elevar ao estatuto de obra de arte” e que estará à venda, “como se fosse um quadro”, por alguns milhares de euros.
“Quero retirar desta exposição alguma coisa, seja a ouvir especialistas em arte, que sabem apreciar e contemplar, seja a perceber o que as pessoas sentem ao verem as minhas obras numa galeria”, sublinha RAF, que nunca foi muito de expor as suas obras e vê a iniciativa como “um teste” a si próprio e ao seu trabalho. “É uma experiência. Gosto de ouvir críticas e quero saber se vendo”, assume.
Rui Alexandre Ferreira estudou na Escola Artística António Arroio e concluiu os cursos de Design de Equipamento e Realização Plástica do Espetáculo. Aos 18 anos, já estava a pintar o mural da Passagem do Terror, numa das paredes exteriores da antiga Feira Popular de Lisboa. Logo depois, pintou os carrosséis do parque de diversões Bracalândia, em Braga, onde experimentou, pela primeira vez, a técnica da aerografia, a sua principal especialidade, que consiste em projetar tinta através de uma espécie de caneta que enfatiza, com graciosidade, certos pormenores na pintura. Mais tarde, por exemplo, personalizou motos e carros por encomenda e desenhou réplicas do capacete do piloto espanhol de Fórmula 1 Fernando Alonso para um anúncio da Renault. Em 2015, chegou à final do programa da RTP 1 Got Talent Portugal, já com a técnica da aerografia bem apurada – Inesquecível, classificou o jurado Manuel Moura dos Santos. No ano passado, RAF criou a instalação “Sinapse”, exposta nos jardins da Gulbenkian, em Lisboa.
A sua grande paixão, no entanto, é a arte urbana em larga escala, embora também tenha aprendido a tatuar e ultimamente se dedique a transpor as criações de rua para o formato de galeria-barra-casa, de modo a ter “um produto vendável”. “Nem sempre podemos estar a pintar na rua e também é uma forma de estar sozinho no estúdio, a ouvir música enquanto crio, não apenas pinturas mas também objetos”, acrescenta RAF, que aos 51 anos lhe custa assumir a idade, por se sentir ainda demasiado jovem para ter cartão de cidadão de quinquagenário.