Foram muitas as gerações a rirem-se dessa cena inicial do filme Monty Python e o Cálice Sagrado (1974) em que Arthur Pendragon de Camelot e o seu fiel escudeiro Paddy cavalgam, mimetizando o som dos cascos dos cavalos através de cocos a chocarem uns com os outros (há problemas de liquidez orçamental a minar a jornada…), e têm que convencer o porteiro da fortaleza que os frutos foram encontrados nas redondezas. O guarda argumenta que o coco é tropical! Que Mercia é uma zona temperada! Mas o Rei Artur oferece uma explicação: pode ter sido uma andorinha a carregá-lo. Acabam a debater o rácio de peso entre ave e fruto, num diálogo surreal. Por trás da câmara, estava Terry Jones a co-realizar, e seguramente a rir-se da cena absurda.
Fundador do grupo de humoristas britânicos mais influentes do século XX, Terry Jones faleceu esta terça-feira, 21, aos 77 anos, ao lado da segunda mulher, Anna Soderstrom. A família emitiu um comunicado, afirmando que tinha sido “uma longa, corajosa, mas sempre bem-humorada batalha contra uma forma rara de demência”. Diagnosticado em 2015, o ator nascido no País de Gales acabaria por assumir-se como um dos rostos públicos da doença, cedendo a fazer aparições públicas como a realizada em 2017, no âmbito dos Prémios Bafta Cyrum (ramificação galesa do galardão), ao lado do velho amigo Michael Palin que então o entrevistou sobre os efeitos da condição clínica que o atingira.
Ao lado de Eric Idle, Graham Chapman, John Cleese, Michael Palin e Terry Gillian, Terry Jones integrou a revolucionária série cómica Monty Python’ Flying Circus, transmitida a partir de 1969 (e até 1974), cheia de pequenas obras-primas do nonsense, que, ainda hoje, influenciam comediantes contemporâneos (em Portugal, os Gato Fedorento são um bom exemplo). Os filmes foram igualmente uma mina de piadas antológicas, e Terry Jones realizou três destas películas, incluindo O Sentido da Vida (1983), em que interpretou o obeso Senhor Creosote que explode de tanto comer, e o hilariante A Vida de Bryan (1979): as desventuras terrivelmente cómicas da criança nascida no estábulo ao lado daquele em que Jesus veio ao mundo, confundido com o messias ao longo de toda a vida.
“Se todos nós, os seis, nos ríssemos de alguma coisa, então sentíamos: “Está tudo bem, podemos avançar com isto.” Para mim, a questão era a de conseguir pôr isso no ecrã, esse momento de nos sentarmos à mesa a ler os guiões, quando todos nos ríamos”, disse Jones sobre o trabalho de equipa dos Monty Python, agora citado pelo The Guardian.
A carreira de Terry Jones ampliou-se na televisão, com a realização de filmes cómicos (Personal Services, Erik the Viking, Absolutely Anything), e a participação em séries dedicadas a temas históricos (Crusades em 1995, Medieval Lives em 2004, Barbarians em 2006), a escrita de muitos livros infantis, ou a sua especialização académica em Chaucer (1343-1400). O humorista foi igualmente um ativista anti-guerra do Iraque, tendo escrito crónicas de opinião, posteriormente reunidas na compilação Terry Jones’s War on the War on Terror (2004).
Recorde seis dos melhores sketches dos Monty Python:
A Piada Assassina
Uma anedota tem tanto poder cómico que o seu autor morre, fulminado pelas gargalhadas, destino a que a sua mãe também não escapa. Depois de testes militares (!) confirmarem o seu poder devastador, a piada assassina é usada como arma pelos Aliados…
O Papagaio Morto
Talvez o mais famoso sketch dos britânicos, The dead parrot foi inspirado pela conversa de Michael Palin com um mecânico que se recusava a aceitar que havia qualquer problema com o carro do humorista.
A Canção do Lenhador
Conta-se que foi criada pelos Monty Python em menos de um fósforo porque não sabiam como fazer a punch line para um outro gag, o do barbeiro frustrado, esta piada sobre um lenhador que gosta de roupas femininas, para horror da sua namorada.
As Avós Infernais
Um grupo gangster composto por idosas aterroriza uma cidade com atos de violência indescritível como atacar mancebos jeitosos, arruinar sessões cinematográficas do clássico Música no Coração, ou pintar grafitti nas paredes com o perigoso slogan Make Tea Not Love…
Quatro homens de Yorkshire
Um quarteto de cavalheiros abastados, com sotaque característico da região, competem entre si com histórias de pobreza da infância, como viverem seis numa caixa de sapatos. Esta versão é um ‘ensaio’ feito com Tim Brooke-Taylor, John Cleese, Graham Chapman and Marty Feldman para At Last The 1948 Show.
Miguel Ângelo e o Papa
Sketch no Hollywood Bowl: recebido em audiência, o pintor ouve, impaciente, as queixas do Papa sobre a encomenda feita para o teto da Capela Sistina: Miguel Ângelo acede a retirar o canguru da obra, mas parecem-lhe perfeitamente razoáveis os 28 discípulos e os três Cristos representados…