Na altura em que comecei a arranhar uns acordes na guitarra, em cubículos alugados à hora e com amigos curiosos que também arranhavam cordas e batiam em coisas, o meu pai resolveu compilar numa série de seis cêdê-érres (chamou-lhes Rock-ish&Elsewhere, se bem me recordo) o conjunto das referências que trazia da sua altura de músico rock. O ano era 2005, e eu pouco ou nada conhecia da música que viria mais tarde a imitar. Interessei-me brevemente, mas depressa regressei aos Strokes e companhia, numa incapacidade juvenil de revisitar música morta ou muito antiga, face à frescura das caras que passavam na MTV. O nome Woodstock era-me vagamente familiar (talvez da canção dos Crosby, Stills, Nash & Young), mas pouco ou nada sabia acerca do seu significado.
Foi mais tarde, e já na companhia dos recém-forjados Capitão Fausto, que me foi servida uma dose abundante de Woodstock. Durante a preparação das gravações do nosso primeiro disco (Gazela), o entusiasta Francisco Ferreira projetou o filme na parede, e eu apercebi-me de que a maioria daquelas músicas me era muito familiar: a velha compilação do meu pai incluía muitas das gravações dos concertos que neste festival ocorreram.
O entusiasmo foi tanto que o filme passou a fazer parte da nossa rotina de trabalho. Ensaiávamos semi-despidos e encalorados até ao final do dia, e depois de jantar acabavam sempre por reaparecer a Vietnam Song, do Country Joe McDonald, ou With A Little Help From My Friends, do Joe Cocker, acompanhadas por cocktails inventados na hora pelo produtor do disco, Pedro da Rosa.
Resolvemos não esconder a influência que Woodstock (ou mais precisamente a memória de Woodstock) teve no início de carreira dos Capitão Fausto, seja em Santa Ana, canção que homenageia Soul Sacrifice (de onde roubámos o solo de bateria ao Michael Shrieve, as congas, a energia de rave alatinada e a guitarra acutilante) seja na conceção geral dos nossos futuros concertos e da música que viríamos a fazer.
Eu nasci 20 anos depois de Woodstock. Para muitos, este representou um grito geracional de libertação, um virar de página na História da voz da juventude e do papel da música popular no mundo. A mim ensinou-me sobre a música em si e sobre o papel de quem a faz. Sinto-me agradecido por ter existido Woodstock, mas mais ainda por existir o filme de Michael Wadleigh, sem o qual o festival seria apenas uma vaga memória para quem lá esteve, contada em forma de lenda aos restantes.